OITAVAS

OITAVAS

Que fes a mudança do Mundo no espelho de seu esposo, sobre que ponderou a variedade delle segundo o discurso, com que glosou o Soneto 186. das Rimas do Principe dos Poetas o Grande Luis de Camões, que fica na pagina antecedente.

Agora q̃ meu mal trouxe a meu dãnoMil annos se detẽ hũ duro inverno,Que quẽ em hum sò momẽto acha hũ anno,Hum anno lhe parece tempo eterno;Assim por castigar meu cego engano,Por quem jà me naõ rejo nem governo,As horas mudaõ em annos de tormento,Horas breves de meu contentamento.

O gosto por algum tempo me destes,Porque vindo o desgosto mais durasse,Que se no falso bem me detivestes,Foy por manchar o mal quando chegasse,Logo me pareceo quando vistes,Que nunca longos annos vos lograsse,Mas que fosseis agora a penna minha,Nunca me pareceo quando vos tinha.

E com me parecer que vos detinheis,O vosso vaõ soheyto me mostrava,Ser taõ certa a mudança do que tinheisComo a posse do bem que entaõ lograva:Cuidey, ó horas breves, quando vinheis,Que o tempo por algum tempo vos dava,Mas nunca presumio esta alma minha,Que vos visse mudadas taõ azinha.

Bem podes em breve tempo conhecer,Que por discurso as cousas vay sabendo,Que a brevidade occulta do prazer,Da vaidade delle está nascendo;Mas como a payxaõ tira o saber,Naõ pude nesse tempo ir entendendo,Que vos mudasse o vil contentamento,Em taõ compridos annos de tormento.

Naõ julga o vaõ juizo apaixonado,Com segunda razaõ, alta, e profunda,Que quando o fundamento vay errado,Errado hade ficar quanto se funda;Assim para ficar mais magoado,E porque o erro meu mais se confunda,Em vento resolveo meu fundamento,As minhas torres, que fundei no vento.

Naõ pode ser constante a esperança,Fundada sobre hum falso pensamento,Porque a constante, e firme segurançaProcede de ser firme o fundamento:Por isso vi taõ cedo esta mudança,Porque as torres que fiz fundei no vento,E como eu no vento as torres tinha,O vento mas levou, que mas sostinha.

Culpa de meu perverso, e vaõ sentido,Que vendo só mal huma sombra boa,Mas estimou o mal pelo vestido,Do que estimou o bem pela pessoa:Mas posto que me veja hoje perdido,Em penna que a razaõ tanto magóa,Como buscar o bem sò a mim convinha,Do mal que ficou a culpa he minha.

Por culpa só morre, e padece,Quem quer que as armas deu a seu amigo,Bem mostra que seu mal naõ aborrece,Quem deste mesmo mal ama o perigo;Pois logo se a razaõ isto conhece,Justo tormento foy, justo castigo,Que tudo me levaste o leve vento,Pois sobre cousas vãas fiz fundamento.

Sente o cego amador em seus amores,A paga do serviço ser o engano,Converterem-se os bens em puras dores,Ser o proveito pouco, muito o damno;Mentirosas lisonjas os louvores,O fim de seu trabalho hum desengano,Porém nestas verdades que conhece,Amor com falsas mostras aparece.

Tudo o que vê cruel, mostra amoroso,Tudo o que he puro, mal finge bem puro,Tudo o que certo he, faz duvidoso,E tudo o que se vay, dà por seguro;Tudo que doce he, diz que he penoso,Tudo o que he manifesto, mostra escuro,Tudo confunde amor, tudo mistura,Tudo possivel faz, tudo assegura.

Mostra que pode dar contentamentos,Aquelle que de taes mostras se fia,E mostra que he remedio de tormentos,Instrumento do bem, e da alegria;Mostra que faz seguros fundamentos,E que leva segura, e recta via,Mostra que a vida toda permanece,Mas logo no melhor desaparece.

Mas ó razaõ perversa, e infernal,Pois tens a eleiçaõ taõ cega, e injusta,Que queres dar hum bem que tanto val,Por hum perverso mal, que tanto custa:Que por iguaes teu bem, queiras teu mal,E que aborreças tanto a vida justa?Que ames mais que a vida a morte dura,Ó grande mal, estranha desventura.

Nesta alegria falsa, a qual eu douro,Com minha razaõ torpe, e com meu erro,Onde as promessas saõ de fino ouro,E as dadivas saõ de duro ferro;Trocava o rico preço, e o thesouro,Que me levava à patria do desterro,Trocava o eterno bem que permanece,Por hum breve prazer que desfalece.

Sò o torpe juizo, e insensato,A quem verdades tais saõ odiosas,Das cousas preza mais o aparato,Do que preza, e ama as mesmas cousas;Sò este a quem por falso jà naõ trato,Pode por falsas mostras, mas fermosas,Por huma breve, e vãa desventura,Aventura hum bem que sempre dura.


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