PHYSIOLOGIA LITTERARIA

{6}{7}PHYSIOLOGIA LITTERARIAI«O genio é uma nevrose» proclamou d'uma vez o doutor Moreau, de Tours, aos quatro ventos do universo. Segundo elle, as esplendidas disposições d'espirito que fazem com que um homem suba acima do nivel commum, procedem das mesmas condições physiologicas que as diversas perturbações moraes cuja expressão é aloucurae oidiotismo.Seja isto ou seja que a constante intuscepção dos homens intelligentes os concentra de tal modo que parece viverem exclusivamente para si mesmos, absortos apenas no seu mundo psychologico, o certo é que estes homens se nos afiguram a mais das vezes entrados d'uma melancolia excepcional. Ora o doutor Moreau quer que esta melancolia que Aristoteles notou{8}no seu tempo, seja simplesmente alienação mental, e escreve «que, por constituição melancolica, Aristoteles entendia a disposição do organismo mais favoravel ao desenvolvimento da loucura. Melancolia,—continua o nosso doutor,—era o termo generico, sob o qual os medicos e philosophos da antiguidade designavam todas as fórmas de delirio chronico; corresponde á nossa palavra: alienação mental, loucura.»Aristoteles escreveu «que não havia um grande espirito que não tivesse um grau de loucura.» O doutor Moreau aproveita-se d'este dito e abona espirituosamente a verdade da sua these com o testemunho da antiguidade letrada. A excitação cerebral que precede e acompanha a inspiração, pareceu ao doutor de Tours o estado que mais analogia offerece com a loucura real, por isso que da accumulação insolita de forças vitaes n'um orgão,—palavras d'elle—duas consequencias são igualmente possiveis: mais energia nas funcções d'esse orgão mas tambem mais probabilidades de aberração e desvio d'essas mesmas funcções.Emilio Deschanel, author d'um interessante livro que temos aberto diante de nós,Physiologia dos escriptores e dos artistas, não deixa sem commentarios as proposições do espirituoso doutor.«Se se póde, em verdade,—escreve Deschanel—observar alguma cousa d'involuntario nos momentos sagrados da inspiração, esses momentos fugitivos não são tudo: subsiste toda a potencia innata e toda a força adquirida, toda a somma de experiencia humana,{9}de alegrias e dôres, que os precedem: toda a energia de escolha e de vontade que os segue,—se é que não os acompanha—: porque o que ha de involuntario é apenas apparente; e mesmo no enthusiasmo o genio não perde a sua bussola.»Ainda algumas palavras do doutor Moreau para ouvirmos depois Emilio Deschanel:«Todas as vezes que as faculdades intellectuaes ultrapassem a bitola ordinaria, especialmente nos casos em que ellas attinjam um grau de energia excepcional, podemos estar certos de que o estado nervopathico, sob uma fórma qualquer, influenciou o orgão do pensamento, quer idiopathicamente, quer por via da hereditariedade. O que é o mesmo que dizer que nos homens excepcionaes se reconhecem as mesmas condições d'origem ou de temperamento que nos alienados ou nos idiotas.»Modifica Emilio Deschanel:«O que é verdade, é que um pequeno numero de pessoas, maiores de trinta e cinco annos, goza um estado de saude completa; quasi todas soffrem mais ou menos, quer notoria quer secretamente, com mais razão, os homens de letras e os artistas, cujo estado nervoso hereditario e innato está sobreexcitado incessantemente. A concentração habitual em que vivem, a fermentação quasi contínua do cerebro, inflamma-os, gasta-os, mina-os. Brilham ardendo. São, a certos respeitos,meio doentes; isso é incontestavel. Parece que o pensamento lhes aproveita tudo quanto roubam ao{10}corpo. Ao passo que um se estiola, o outro se robustece; arruinam-se physicamente á medida que se constroem moralmente.—Mas se soubessem conservar o equilibrio entre o espirito e o corpo, iriam peor as cousas, e o seu talento d'elles perderia? Não, de certo! Pelo contrario, só tinha a ganhar.»Estas ultimas palavras d'Emilio Deschanel parece deixarem brecha aberta á contestação, se acreditarmos que elle se propõe refutar completamente a these do doutor Moreau. Não. Deschanel protesta contra a exageração do doutor de Tours, mas aceita oestado-mixto, quer dizer, um estado que ao mesmo tempo participa da saude e da doença.Emilio Deschanel compartilha pois da opinião d'outro medico francez, o doutor Bouchut, segundo o qual onervosismoé a molestia ordinaria dos homens de letras e dos artistas.A antiguidade chamava-lhegenus imbecille, genus irritabile vatum. A sciencia moderna foi mais longe, muito mais longe:—adoptou uma palavra, e eis tudo,—O nervoso.Nervosismo, estado-mixto, seja como fôr, tenha a denominação que tiver, o que é certo é que parece ser apanagio das pessoas cujo exercicio intellectual está em flagrante desproporção com a despeza d'actividade physica.Os homens de letras estão por via de regra costumados á reclusão do estudo e á vida sedentaria do gabinete. N'essas longas horas do continuado labutar,{11}toda a vida se concentra no cerebro, para assim dizer;—d'aqui a excitação nervosa, um excesso d'actividade intellectual que não é equilibrado pelo exercicio muscular, pelo desenvolvimento do corpo.A falta de saude, a debilidade, oestado-mixtoafigura-se-nos uma consequencia inevitavel. Toda a vida organica tem por base a renovação incessante da materia. A natureza quer expulsar de si o que é velho e morbido. A moderada actividade das fibras musculares tende pois a favorecer a transformação da materia, a regeneração da massa do sangue, e a dar um impulso benefico ao acto vital.Os homens de letras descuram porém as conveniencias do organismo. Para elles a vida intellectual é tudo e,—dissipadores inconscientes!—vão-se atirando para o tumulo com uma pressa que o seu estado de continua excitabilidade lhes não permitte domar.Abundam n'estas desafinações do systema nervoso os caprichos, as velleidades, os habitos exquisitos e bizarros, as idiosyncrasias.Michelet, por exemplo, trabalha de manhã, tomando café em larga cópia. Balzac escrevia de noite e, como Michelet, ia esvasiando chavenas sem conto d'um café negro, carregado, nauseabundo. Bossuet escrevia n'um quarto frio com a cabeça coberta; de Schiller conta-se que mettia os pés em gelo para ter uma inspiração feliz.Mozart, a sensitiva da musica, organisação extremamente nervosa, era victima de profunda melancolia.{12}Procurava vencel-a com o trabalho, com o trabalho louco e desregrado, a ponto de se levantar do piano para cahir no leito, exhausto de forças.Paulo Janet, refutando n'um capitulo do seu livroLe cerveau et la penséea theoria do doutor Moreau, procura demonstrar que estas excentricidades não são provenientes da loucura sublime do genio. Quer-nos parecer porém que tanto exorbita Paulo Janet como o celebre medico de Tours. Os extremos são por via de regra viciosos, e, n'esta questão especialmente, afigura-se-nos que o meio termo é sobremodo aceitavel. Por tal razão propendemos para as modificações sensatas de Emilio Deschanel. Não se estabelece uma lei fatal, não nos referimos á totalidade absoluta; falla-se domaior numero, o que é incontestavel, como demonstra a longa experiencia dos factos. Cumpre notar que não fazemos propaganda scientifica, senão que estamos lançando ao papel uns estudos humoristicos para correrem em folhetim.Prosigamos finalmente, deixando para academias e academicos esta grande questão do genio e da loucura. O nosso proposito é outro;—vejamos.Emilio Deschanel, não menos espirituoso humorista que o doutor Moreau, procura demonstrar que o estylo revela o temperamento do escriptor.É verdadeiramente a physiologia applicada á critica.Através da eloquencia fogosa de Bossuet descobre Emilio Deschanel um temperamento nervoso-sanguineo. Pascal era nervoso-bilioso; é o seu estylo que nol-o diz.{13}Basta lêr Voltaire para comprehender o doutor Raspail:«Voltaire é o systema nervoso levado á suprema potencia.»O marquez d'Argensou costumava definir Voltaire em poucas palavras:«Todo nervos e todo fogo, era sensivel ás moscas.»AsMaximasde La Rochefoucauld denunciam um nervoso-bilioso; João Jacques Rosseau é bilioso-melancolico.N'este ultimo escriptor a educação influiu de certo muito sobre o temperamento. Rosseau foi creado com seu pai em cujo coração jámais cicatrisou a ferida dolorosa da viuvez. Escreve Rosseau fallando do pai:«Quando elle me dizia:—João Jacques, fallemos de tua mãi; eu respondia-lhe:—Ah! meu pai, então vamos chorar? E só estas palavras lhe arrancavam lagrimas.»Vem a proposito algumas palavras de Lamartine: «Rosseau foi educado pelas arvores, pelas aguas, pelos ventos, pelo céo, pelo sol, pelas estrellas; carecia ao mesmo tempo da educação de uma terna mãi e d'um pai laborioso: tudo isso lhe faltou[1].»A solidão predispõe para a meditação, para a melancolia, e Rosseau foi creado pela natureza.{14}Temos visto como Emilio Deschanel desenvolveu galhardamente a these de Buffon,—O estylo é o homem, encarregando-se de demonstrar que o seculo, o clima, o solo, a raça, o sexo, a idade, o temperamento, o caracter, a profissão, a hereditariedade physica e moral, a saude, o regimen e os costumes,—tudo isso se espelha na superficie ora limpida ora revolta do estylo.É impossivel ir mais longe.É impossivel saber aproveitar melhor o reflexo interior para fazer resaltar do prisma fornecido por Buffon scintillações de tal modo deslumbrantes e magicas.APhysiologia dos escriptores e dos artistasé um espirituoso livro, e Emilio Deschanel um espirituoso escriptor que eu tenho conversado nos ultimos serões d'inverno.Procuremos nós n'esta linguagem facil do folhetim, nortear a penna, a despeito de Paulo Janet, segundo o rumo dos trabalhos de critica natural de Emilio Deschanel.Não podemos aventurar-nos, como elle, á vasta amplidão das aguas.Navegaremos terra a terra, modestamente, velejando ao sabor da phantasia. Appliquemos tambem a physiologia á critica, e estudemos em alguns livros portuguezes a organisação d'alguns escriptores nacionaes.Algumas vezes, é possivel, teremos de abrir excepção{15}para um escriptor que n'um ou n'outro relance, mesmo n'um ou n'outro livro, quiz ou pôde dissimular a sua organisação, o seu temperamento, a sua predisposição. Toda a regra tem excepções; esta ha-de tel-as tambem. O que é certo porém é que o homem, na sua dupla existencia, moral e physica, não póde encobrir-se por tanto tempo, que o physiologista litterario não chegue a encontrar a verdade com o escalpello da critica.Estão-nos já acudindo á memoria algumas excepções. Aproveitemos uma.O snr. visconde de Castilho cuja indole amena e suavissima se espraia em recamos scintillantes por todas as paginas dos seus formosos livros, escreveu d'uma vez um poema onde se agita tempestuosamente o sentimento mais violento que póde escandecer o coração do homem,—o ciume.A sua bibliotheca tem porém só um livro de tempestades e luctas; todos os outros refulgem serenos como os lagos na primavera.Oestado-mixtodos escriptores e dos artistas soffre tambem excepções, e n'ellas deve ter grande parte a hereditariedade.Agora nos occorrem tres:Um escriptor robusto, bem humorado, infatigavel—Alexandre Dumas, pai.Um maestro todo alegria e saude,—Rossini.Um pintor, cheio d'animação e de vida, em cujos quadros tudo é louro e rosado,—Rubens.{16}Se estas excepções prejudicam por um lado a regra geral doestado-mixto, por outro tendem a provar que o estylo é a organisação—a doença ou a saude.O vigoroso estomago de Alexandre Dumas, de cuja propriedade elle tantas vezes se ufanava, está, deixem-me dizel-o, nos seus livros.Acharis phytalmos, de Pindaro, revela-se noGuilherme Tellde Rossini.De Raphael basta citar asVirgens, que mereceram a Michelet estas palavras: «Virgens enormes, rosadas, refeitas, escandalosamente bellas.»Ponhamos ponto, para comecarmos a fallar de escriptores portuguezes. Principiemos por um que tem um triste direito a ser o primeiro—porque morreu doudo.{17}[1]J. J. Rousseaupor A. Lamartine.IIA. P. Lopes de MendonçaHa phrases que envolvem uma prophecia, conceitos despretenciosos que parecem sahir do intimo da alma como um presentimento que de repente assalta o escriptor no remanso do gabinete.A pag. 324 dasMemorias de litteratura contemporanea, de Lopes de Mendonça, encontro eu estas palavras:«Ha vocações, que reproduzem os prodigios das sibyllas antigas. Prophetisam involuntariamente sobre a tripode, e deixam-se arrastrar pelo enthusiasmo das suas proprias palavras. O joven poeta não cantava, sómente para que as turbas se deixassem commover pela harmonia dos seus cantos: cantava porque lhe ardia no peito um fogo devorador, porque a sua alma{18}ébria e palpitante, lhe accendia a imaginação, e como lhe intimava que traduzisse aos outros a magia dos seus sonhos, o fervor dos seus desejos, o esplendido irradiar da sua esperança.»É certo que os verdadeiros talentos, as almas privilegiadas para a gloria e para o martyrio,reproduzem os prodigios das sibyllas e prophetisam involuntariamente.Lopes de Mendonça escrevendo asMemorias d'um doidoprophetisava tambem.Aquelle immenso talento, febril, audaz, infatigavel, sabia que as organisações como a sua resistem corajosamente a lucta social até perderem a vida ou a razão.Mauricio, o seu heroe, é o que geralmente se chama um doudo sublime,—que pensa, que joga, que ama, que aborrece, que porfia, que se sacrifica, que obedece fatalmente á excitabilidade do seu temperamento.«Arremessado aos quatorze annos no tumulto da capital,—escreve Lopes de Mendonça—tivera de se sustentar, como Rousseau, do trabalho machinal do copista, e na estreiteza e improbas fadigas de tal profissão, póde entregar-se ao estudo. Lendo avidamente a historia, sobretudo a historia moderna, já a sua intelligencia penetrára em todos os problemas da politica, e a acção dos acontecimentos que se succediam com uma variedade propria das quadras revolucionarias, amadureceu a sua precoce experiencia.»Tal era Mauricio, tal era Lopes de Mendonça. O{19}verdadeiro artista tanto quer á sua obra, que procura animal-a com a parte psychologica da propria individualidade.D'aqui o encontrar-se frequentemente o author reproduzido no heroe.A politica, a idéa fixa e a maxima aspiração de Lopes de Mendonça, que transpirava sempre nos seus livros e nos seus folhetins, não podia ser indifferente a Mauricio.«Mostrára a sua vocação,—continúa Lopes de Mendonça—escrevendo alguns pamphletos, cheios de energia, e de vivacidade pittoresca. Lançára-se na critica implacavel de medidas que elle suppunha timidas e incompletas, porque reconhecera a distancia que o separava dos mediocres vultos, que dirigiam os negocios publicos.«Apreciando, pelo que lêra, o que devia ser um homem d'estado, via os que governavam desperdiçando as fôrças d'uma situação excepcional em questões de mesquinha influencia, e nas intrigas, que manchavam todas as obras, grandes ou pequenas, da politica.»Está claramente photographada n'estes periodos a ancia, a febre, a aspiração, o espirito de justiça e verdade, a coragem, o esforço, a persistencia de Lopes de Mendonça.Queria elle,—aquelle espirito poderoso—que sahisse da espuma da revolução a verdadeira liberdade politica como tinha sahido—Venus moderna,—a verdadeira liberdade litteraria.{20}E propunha-se os graves problemas da administração, e planeava as grandes medidas que correspondem ás grandes necessidades d'um paiz, e queria levantar sobre as bases da justiça e da moralidade todo o edificio do regimen liberal, e queria realisar em si o ideal perfeito e quasi impossivel d'um homem d'estado, e queria apartar do centro da acção politica as pequenas individualidades que prejudicam a marcha dos acontecimentos no interesse da patria, e ao mesmo tempo mantinha digna e corajosamente a revolução litteraria que se havia iniciado, e escrevia os seus livros, e sustentava durante onze annos o folhetim daRevolução de Setembro, e cumpria os encargos litterarios da academia real das sciencias de que era socio e bibliothecario, e versava os trabalhos parlamentares na legislatura de 1855, e desempenhava o magisterio, e queria saber, precipitar o tempo para adquirir o que só o futuro lhe podia ensinar, e lidava, pensava, trabalhava, para ter de sobreviver á ruina da propria intelligencia.Cavou a si mesmo o tumulo, onde o contemplamos alguns annos meio vivo, meio cadaver.«Lia, annotava,—escreve Julio Machado—commentava todos os livros, lidando desde o romper da manhã, dormindo duas horas apenas, e lastimando essas duas horas perdidas.«Andava preoccupado, andava triste e inquieto. Haviam-lhe mentido todos os seus oraculos d'outr'ora, e já não acreditava mesmo em si proprio. Tornou-se-lhe{21}tudo escuro em redor. Não tinha uma venda nos olhos, mas principiou a tel-a na alma. Os seus amigos inquietaram-se do estado em que o viram. A extrema actividade de espirito perturbou-lhe a acção cerebral, mas a lealdade do seu caracter generoso nem então se desmentiu; imaginava-se rico, altamente collocado, offerecia-nos dos seus haveres, e instava para que aceitassemos.«No breve intervallo que mediou da revelação d'esse estado á sua reclusão, comprou livros por toda a parte, muitos livros, todos os livros que encontrou. Mas, a essa hora já estava perdido.«As faculdades da sua intelligencia haviam-se adulterado e estalaram como as cordas d'um instrumento[2].»Estava irremediavelmente perdido,—estava louco; tinha morrido para a familia, para a sociedade, para a patria, e todavia vivia ainda em Rilhafolles. O seu estylo cadente, cheio, fogoso, elegante, a par da sua linguagem ás vezes incorrecta, denunciava para logo um temperamento nervoso-sanguineo.A exaltação dos pensamentos, as scintillações differentes e successivas, a variedade febril dos tons, a riqueza caprichosa do colorido, a escolha variada dos assumptos, e até as mesmas imperfeições revelavam ao physiologista litterario a organisação de A. P. Lopes de Mendonça.{22}NasMemorias d'um doudo, tudo é febril, tudo escalda, tudo denuncia o homem.Lopes de Mendonça era realmente uma organisação de artista que participava da vivacidade cerebral do temperamento nervoso e da animação caracteristica do temperamento sanguineo. Era um escriptor modelado pela definição em que Emilio Deschanel procura daguerreotypar o artista: «Temperamento rico, sensibilidade ardente, imaginação fecunda, ao serviço d'um coração generoso, d'um bom senso delicado e d'uma razão elevada.»Elle mesmo, o infeliz Lopes de Mendonça, apreciando um escriptor contemporaneo, definia o artista:«Todo o segredo d'esta excitabilidade intellectual reside, não nos poupamos a repetil-o, em que é artista, completa e essencialmente artista. A sua razão philosophica, é mais d'uma vez desvairada pelos caprichos da sua phantasia. E todavia, o escriptor é logico, é racional e concludente, em cada uma das posições que alternativamente occupa. Hoje, reflectido e maduro, elevado ás austeras e mornas regiões do homem de estado, apresenta os mais sensatos alvitres, expõe os problemas com a mais fina e lucida critica, e corta os obstaculos, resguardando e salvando os interesses, percebendo todas as conveniencias, pesando todos os conflictos da opinião, e apalpando o terreno social como dextro e instruido estrategico.«Ámanhã, desempedido e solto n'uma questão puramente litteraria, n'um ponto moral ou metaphysico,{23}vê-o-heis enthusiasta d'um brilhante paradoxo, comprazer-se em destruir as idéas recebidas, em ferir as convicções consagradas, e fazendotaboa rasadocriteriumpublico, pôr os recursos do seu talento ao serviço da sua impressão instantanea[3].»Eis-aqui Lopes de Mendonça, segundo as suas mesmas palavras; eis aqui o artista. A sua vida foi uma serie de congestões, um incendiar-se lentamente nas labaredas que lhe requeimavam o coração e o cerebro. Tinha sonhado com a gloria, algumas vezes a entrevira, era festejado, era querido, tinha ganhado os primeiros lugares, tinha entrado nas primeiras salas, e elle, que tinha resistido á lucta, á insomnia, ao trabalho, sentiu-se desfallecer quando a lava da ultima congestão seccou, e para sempre, os louros da sua corôa.Em toda a sua vida houve apenas um momento de tranquillo repouso,—foi o ultimo. Julio Machado, fallando da extrema dedicação da esposa de Lopes de Mendonça, escreve com a mimosa delicadesa que lhe é peculiar: «Um dia, ultimamente, elle sorriu-lhe. Os medicos disseram que ia salvar-se talvez. Ia salvar-se, ia. Ia morrer!»Não havia já o crepitar das chammas, porque d'aquella volcanica combustão restavam apenas as cinzas d'um cerebro; o sopro da morte espalhou-as.Acabou-se tudo.{24}Alli agonisou nos braços da esposa carinhosa, esquecido da sociedade que mais d'uma vez o acclamára festivamente e que mais d'uma vez o apunhalára na couraça onde resvalaram todos os golpes dos detractores impotentes.Julio Machado escreve ainda no seu ultimo e interessante livro—Da loucura e das manias em Portugal, fallando dos doudos de Rilhafolles:«Lá esteve um, famoso e illustre, o mestre do folhetim em Portugal, e sua esposa alli foi todos os dias vêl-o e fazer-lhe companhia,—colhendo no céo a palma do combate terrestre e vendo sorrir-se para ella e abraçal-a meigamente aquelle ente querido, que havia representado um dos primeiros talentos d'esta terra, e que parecia, lucidamente, dizer-lhe com a vista que deve um dia ser feliz na eternidade a alma que n'esta vida teve dedicação pelo infortunio!»Do homem que a fatalidade arrojou para os abysmos da loucura resta apenas um epitaphio;—pouco é, e transitorio. Mas de Lopes de Mendonça, do escriptor todo fogo e todo alma, todo colorido e sentimento, resta alguma cousa mais duradoura que o seu epitaphio,—os seus livros, nos quaes o physiologista poderá estudar largamente a vida impetupsa d'um temperamento nervoso-sanguineo.{25}[2]Trechos de folhetim, pag. 128.[3]Memorias de litteratura contemporanea, pag. 328-329.IIIJ. C. Vieira de CastroSe o leitor entrasse na sala do parlamento portuguez durante as mais animadas sessões da legislatura de 1865 a 1866 e ouvisse trovejar do alto da tribuna uma voz sonora, cheia, precipitando-se em inflexões caprichosas e febris, que para logo denunciavam certa irritabilidade fogosa e violenta, facilmente adivinharia, sem o descortinar, um orador de temperamento nervoso-sanguineo, em plena virilidade, ebrio da gloria, que, de triumpho em triumpho, o impellira até ás regiões do olympo parlamentar.Na sessão do dia 13 de Janeiro de 1866, por exemplo, em que se discutia o projecto de lei sobre a liberdade de imprensa, apostrophava o orador a que nos referimos:{26}«É licito perguntar com um notavel estylista da França: «Que temem os governos da imprensa livre?»«A guerra da discussão? Mas ao contrario lhes deve lisongear o seu amor proprio, e a sua dedicação patriotica, porque lhes rasga vastos plainos ás victorias de suas doutrinas e de seus principios!«Guerra de injuria? Pois soffram-n'a, que é para isso que são homens publicos. Se pelas eminencias do poder não houvesse senão estradas de flôres, de triumphos e de victorias, aonde estariam as provas da sua abnegação e do seu merito? E tanto lhes havia de doer a injuria que lhes arrancasse um grito contra a liberdade?«Guerra de epigramma? Mas diz Pelletan, e diz bem, que os homens de estado devem ser fortes de coração e de cabeça, não ter a sensibilidade de nervos d'umapetite-maitresse, e fazer mesmo a epiderme robusta para as affrontas!«Guerra de calumnia? Mas os governos teem ao seu lado a magistratura judicial e a magistratura popular para afogarem as calumnias nas gargantas dos calumniadores! Fiemo-nos da magistratura e da sua vigilancia. Ella é como a mulher de Cesar; está acima de toda a suspeita. E aproveito a primeira occasião do meu discurso em que posso render a esta classe a minha mais profunda homenagem de respeito e culto. Com a franqueza do meu caracter o digo, senhores; quando desalentadamente atiro com os olhos para tanto rebaixamento moral da minha patria, com orgulho vejo{27}e com orgulho contemplo as togas da nossa magistratura ainda impollutas com os seus sacrarios ao lado!»Mezes antes, na sessão de 19 de novembro de 1865, o mesmo orador propunha uma mensagem de sentimento ao parlamento inglez pela morte de lord Palmerston, e discursava sobre a proposta:«Verdadeiros heroes... e perdôe-me a memoria de José Estevão se eu penso que os ha, e perdôe-me ella ainda mais se é exactamente, comparando-os aos rochedos no oceano, que elles me parecem maiores e mais sublimes!«Penso assim, e quando por muitas vezes hei meditado n'aquella celebrada imagem d'esse grande e inspirado orador, sempre me tem parecido que o mais digno de admiração n'aquelle atrevimento oratorio, é a modestia sublime de José Estevão. É que para mim no confronto dos heroes com os rochedos, não perdem aquelles por nenhuma sombra. Bem sei que se a irregularidade ás vezes monstruosa da sua estructura póde ser um defeito para a arte; é ella tambem, e sempre, o involucro esculptural das almas fadadas para as grandes tempestades, e dos corações baptisados desde o primeiro dia na onda dos grandes martyrios! Osrochedos, osheroestopetam com as nuvens que teem por cima; lambem-lhes os pés as vagas da opinião humilhada e abatida, e além cançada de se espedaçar contra elles; e estendem os seus braços, que não vergam nunca, aos naufragos cuspidos já quasi exanimes d'essas vagas, como se fossem elles os destinados pela{28}impassibilidade da sua força, pelo seu contacto com a luz immensa, e pela sua proximidade da praia, a retemperarem a tibieza dos fracos, a reaccenderem o entendimento dos desesperados, e a apontarem o porto de salvação e das novas esperanças aos que a resaca do primeiro commettimento ia prostrando e sorvendo no pégo!«Tudo isto era tambem José Estevão, e porque se arreceasse aquella sublime modestia de que uma vez lh'o conhecessem, por isso elle dizia mal dos rochedos!«E depois os rochedos não cahem nunca! E são tambem assim os heroes; nem cahem quando morrem!«Os heroes morrem de pé!«Morrem de pé!«Foi assim que morreu lord Palmerston. E tanto foi assim que elle morreu, que expirando aos oitenta e um annos de idade, a Inglaterra correu desvairada ao seu jazigo, accusando aquella morte de prematura para o seu partido e para o seu paiz.»Quando o sceptro da eloquencia tribunicia resvalou das mãos inertes de José Estevão, era opinião geral da gente portugueza que tarde, ou talvez nunca, uma nova palavra, de tal modo ardente e scintillante, despertaria os echos adormecidos da camara electiva.Mais d'uma penna authorisada manifestou publicamente que a phalange gloriosa dos oradores parlamentares portuguezes tinha morrido na pessoa de José{29}Estevão. Tenho sobre a minha banca um livro de Ricardo Guimarães,Narrativas e episodios da vida politica e parlamentar, que fornece uma prova do que vimos dizendo.«Quem lhe herdou—escreve o author do livro citado fallando de José Estevão—o primado da palestra familiar, que elle exercia desaffrontado de rivaes?«Por ora é elle herança jacente como o é, e será—Deus sabe porque tempo!—o sceptro dourado da eloquencia de que não poderam despojal-o em vida os mais possantes emulos, sceptro que ainda hoje pousa sobre o tumulo do orador, insignia indisputada d'aquella realeza do genio.»Isto escrevia e publicava em 1863 Ricardo Guimarães; em 1865 entrava no parlamento José Cardoso Vieira de Castro.Não é intento nosso fazer apreciações ou discutir personalidades. Todavia cumpre dizer que a entrada de Vieira de Castro nas lides parlamentares desabrochou no horisonte politico os primeiros alvores d'uma esperança. Vieira de Castro não era ainda o successor de José Estevão; promettia sel-o, depois d'um longo tirocinio parlamentar que lhe proporcionasse um pleno conhecimento dos mais reconditos segredos da eloquencia tribunicia. Vieira de Castro, ebrio dos triumphos que lograra na carreira universitaria, vinha cheio de mocidade e de inexperiencia, e abandonava-se aprazivelmente aos arrebatamentos da sua organisação e da sua idade, julgando de si para si que a melhor lente{30}para estudar os intrincados problemas da administração era o prisma dourado da sua phantasia ardente.Palavra facil, copiosa, scintillante, ageitando-se ás sinuosidades da replica, sem se desviar do curso natural das idéas, tinha-a elle, como José Estevão.A vida academica de Vieira de Castro, repleta de episodios pittorescos, aos quaes a opinião publica do paiz, mormente a dos homens de letras[4]não foi indifferente, inoculou nova seiva no espirito já de natural fogoso e opulento do author daPagina da Universidade. D'aqui, aquelle desabotoar incessante de vigorosos florecimentos na alma do futuro orador parlamentar, aquelle espanejar incessante de flôres variegadas e mimosas que elle espalhou ás rebatinhas nas paginas daBiographia de Camillo Castello-Branco.N'este livro a imaginação de Vieira de Castro levantou-se em vôos alterosos e successivos. Era o phrenesi da aguia que pela primeira vez bate as azas nos páramos infinitos.Cada pagina é um jardim; todo o livro é uma primavera. Mas o que é verdade é que a biographia de Camillo Castello-Branco está por fazer, apesar de elle mesmo nos ter dado em muitas das paginas dos seus preciosos livros, como asMemorias do carcere,No Bom Jesus-do Monte, e outros, á similhanca de Garrett,{31}copiosos apontamentos para se escrever a verdadeira noticia de sua vida.Este defeito, que a maioria da opinião notou na Biographia deCamillo Castello-Branco, era ainda o senão que o mesmo tribunal encontrava nos seus formosos discursos de estreia parlamentar. A opa tribunicia não logrou abafar os impetos da eloquencia asiatica de Vieira de Castro. Os seus discursos todos se emmaranhavam em ramagens phantasiosas, em filagranas de caprichoso labor, ora alongando-se para cima como os leques ondulantes da palmeira, ora escondendo as violetas gentis da eloquencia nos taboleiros relvosos de um jardim oratoriano.Era preciso desbravar trabalhosamente estes apertados labyrinthos de vegetação esplendida, para se encontrar a idéa que se estava affrontando sob os innumeros recamos d'uma chlamyde roçagante.Eis-aqui a razão porque Vieira de Castro se não podia medir ainda com a estatua gigantesca de José Estevão.Os outonos da idade haviam de ir pouco e pouco mondando aquellas exuberancias de vegetação litteraria, e então appareceria o pensamento com toda a sua lucidez no meio d'uma delicada moldura como apparece uma paisagem entre duas arvores em flôr, no alto d'uma estrada.É esta a meu vêr a grande distancia que temporariamente separava Vieira de Castro de José Estevão. De resto era congenere a eloquencia,—o temperamento o mesmo.{32}Na sessão do dia 4 de abril de 1865 procurava Vieira de Castro defender-se da censura que um deputado imputára á camara por se comprazer a cada momento em frequentes e estereis luctas de palavra.O claro entendimento do novo deputado segredou-lhe que era elle mesmo o verdadeiro alvo de similhante accusação, e levantou-se para declamar.São logo do principio do seu discurso estes periodos. «Demasias da palavra? Demasias da palavra tinha-as tambem o padre Antonio Vieira, no pulpito da igreja de Nossa Senhora da Bahia, quando interrogava a Deus; e as nações pasmadas diante das prodigiosas catadupas da eloquencia do oratoriano, hesitavam em pensar se fallava pelo seu verbo um inspirado do céo, ou um desvairado da terra.«E já que estou na igreja, abro o livro que encontro sobre o altar. Aqui sim, aqui, na primeira pagina, não ha demasias de palavra, porque este primeiro versiculo soube dizer na mais bella e sublime de todas as phrases escriptas o maior e o mais estupendo de todos os milagres creados:Dixit Deus: fiat lux, et lux facta est.«Santas demasias da palavra, que são como as demasias do sangue, ou no corpo de Catão, ou na liteira de Cicero, ou no sudario do Salvador!»E aqui estava o seu espirito a trahil-o e a arremessar para o ambito da camara abadas de flôres que ao mesmo tempo lhe serviam de imputação e de gloria. E aqui estava a primavera a bracejar frondes e a{33}engrinaldar-se de festões quando mais a accusavam de perdularia e formosa.O orador havia porém de modificar-se como o escriptor se modificou. Nos ultimos opusculos de Vieira de Castro o estylo não se enredava já nos antigos dedalos, mas era formoso, gentil e magistralmente modelado; a linguagem derivava fluente, correcta e portugueza de lei. Todavia o temperamento do escriptor estava patente. Todos os seus livros, todos os seus escriptos, antigos e modernos, dão testemunho da exaltação cerebral das organisações nervosas e da extrema actividade dos vasos sanguineos no colorido vivo, animado e brilhante da sua penna.Mas infelizmente o orador não teve ensejo de se modificar.Uma grande catastrophe ainda recente despenhou este homem do alto das suas esperanças e dos seus triumphos. Foi ainda uma dolorosa consequencia do seu temperamento como denunciam estas palavras de Julio Machado, escriptas horas depois da catastrophe:«Temperamento ardente, caracter inquieto e febril, denunciára muitas vezes, logo ao entrar da vida, a violencia das suas paixões e o enthusiasmo exaltado d'ellas. Magoas de coração, ambições quebradas, feridas do orgulho, esperanças illudidas, fortuna exhausta, crenças mortas, figuravam-se-lhe ser doenças da alma a que não era dado resistir, e não podia tolerar os miseraveis que se sujeitavam a ir vivendo cada um com o seu mal.»{34}Ou ainda estas:«Todavia, não sei dizer-lhes como, não sei dizer-lhes porque, elle proprio o não sabe talvez, perdeu tudo e principiou a desmoronar o castello que erguera. Caracter fugaz, e sempre um pouco louco, parecia ter gosto ás vezes em vêr desabar o edificio da sua felicidade e da sua gloria. Não era resultado do acaso nem carencia de habilidade, era falta de paciencia, phrenesi nervoso, estonteamento febril.»O temperamento de Lopes de Mendonça levara-o á loucura e da loucura á morte; o temperamento de Vieira de Castro arrastára-o ao carcere e do carcere ao desterro.Ambos sobreviveram á sua ruina, ambos viram escrever-se o epitaphio que a posteridade lhes destinava, ambos sonharam os sonhos côr de rosa das imaginações ardentes, ambos dormiram nos braços da gloria as dôces horas da embriaguez terrena, ambos entraram nos salões luxuosos da vida aristocratica, e ambos cahiram, quando o horisonte se lhes afigurava dilatar-se para os deixar respirar mais livremente.Ambos viveram finalmente, porque um está no tumulo e outro no exilio.Eu conheci Vieira de Castro n'uma noite de festa.Era ainda feliz.Dous annos depois d'essa noite, despenhou-se. Emquanto o processo estava affecto aos tribunaes, não fallaria d'elle, mas hoje, que já a posteridade começou para o homem d'outr'ora, não duvidei aproveitar{35}o seu nome que pertence á historia do passado, e a historia é indefesa para todos.Não offendi a sua memoria, não ri da sua desgraça. Inscrevi o seu nome n'este pequeno catalogo de escriptores nacionaes, que estamos estudando physiologicamente.Dos nervosos-sanguineos temos fallado que farte; occupar-nos-hemos d'outros temperamentos que estão convidando a nossa analyse.{36}{37}[4]Vêr—José Cardoso Vieira de Castro, antes e depois do seu julgamento, por seu irmão Antonio Manoel Lopes Vieira de Castro, pag. 19 e seguintes.IVCamillo Castello-Branco«O verdadeiro talento, como o vismara, borboleta das Indias, toma a côr da planta sobre que vive», escreveu Stendhal. Seria difficil resumir tão profunda verdade em mais formoso conceito.É conhecido até onde a critica moderna tem estudado a influencia do clima sobre o espirito do homem. Montesquieu e Herder levaram ao exagero a theoria climatologica. Proudhon contrapõe reflectidamente á doutrina de Herder: «Todo o systema descança sobre o fatalismo geographico, chimico e organico; sol, clima; planicies e montanhas; rios, lagos e mares; d'onde se deduzem successivamente, por cada latitude e meridiano, a flora e a fauna, depois o homem; finalmente, a sociedade e sua historia. Nada{38}temos a censurar; sómente perguntaremos o para que servem então a liberdade e o progresso, e o para que nos aproveita a intelligencia?»A objecção é sensata. Emilio Deschanel não vai tão longe como Herder, sem todavia rejeitar a theoria, e tanto não vai tão longe, que escreve estas palavras: «Esta doutrina de Hippocrates, de Platão, de Aristoteles, d'Eratosthenes, de Varrão, de Montesquieu, de Voltaire, de Rousseau, de Herder, tem sido aceite e continuada em nossos dias com muita distincção. Tornou-se a base da criticanaturista, que é a critica natural levada ao extremo. A terra, segundo esta doutrina, é a prophecia da historia. Dize-me d'onde vieste, dir-te-hei quem és. E reciprocamente, sabendo quem tu és, dir-te-hei d'onde vieste.»Caminhando mais terra a terra, ser-nos-ha facil reconhecer que ha no homem, na lingua, na litteratura, na arte, e até na religião um reflexo da natureza que lhes foi berço,—reflexo que a ausencia do torrão natal e a identificação com um novo clima póde attenuar, no homem, consideravelmente. O que é certo, e tem sido muitas rezes notado, é que, por exemplo, as linguas do Norte se distinguem pela rudeza das articulações das linguas do Meio-dia incomparavelmente melodiosas; que as litteraturas septentrionaes teem uma riqueza de pensamento que se póde contrapôr á riqueza de sensibilidade das linguas meridionaes; que a musica do Norte é magestosa, grave, solemne, ao passo que a musica do Meio-dia é caracterisada{39}pela variedade das inflexões, pela harmonia, e pelo sentimentalismo.Cumpre notar,—aproveitando uma observação de Deschanel,—que umas vezes e pela similhança e outras pelo contraste que o clima se reproduz na litteratura. «Ideal de belleza,—diz elle,—ideal de fealdade, que importa! Na religião dos negros, o diabo, dizem, é branco. E isto, pela mesma razão que na religião dos brancos—dos brancos que acreditam no diabo—o diabo é preto. Porque é que os poetas latinos, quando querem pintar a graça e a belleza das mulheres, lhes dão mais vezes cabellos louros do que cabellos pretos? É porque entre elles, em Italia, quasi todas as mulheres teem cabellos negros.—Reciprocamente, quando os poetas celebram a miudo as bellezas morenas, logo se adivinha que são do Norte, clima das bellezas louras.»Isto é realmente verdade. Diz o proloquio: «Só se deseja o que só se não tem.»Já deixamos dito que Emilio Deschanel não leva a influencia do clima até ao fatalismo geographico. A suaPhysiologianão é uma theoria absoluta, uma demonstração didactica, como elle mesmo diz, mas simplesmente umacauseriesobre a litteratura e sobre a arte. Nós, que procuramos seguir o caminho de Deschanel, não podemos acreditar que seja a terra aprophecia da historia, mas firmemente cremos que todo o homem tem muito do seu paiz como a flôr tem muito do sitio onde desabrochou. E depois o homem,—como{40}notou Lamartine—é planta até certa idade, e a alma tem as raizes no solo, no ar e no céo que lhe formaram os sentidos. D'aqui a absorpção dos fluidos que andavam espalhados no ambiente da patria.Não será difficil estudar-se na nossa litteratura o temperamento predominante dos portuguezes. Dous livros nos caracterisam perfeitamente,—Os Lusiadase aMenina e moça. Fomos sempre o povo das saudades e da vida concentrada do mar, que o mesmo é dizer tambem da saudade.Longe, por esse azul dos vastos mares,Na soidão melancolica das aguasOuvi gemer a lamentosa Alcyone,E com ella gemeu minha saudade.Muita da nossa melhor litteratura são chronicas de viagem e poemas d'amor. Nós, a nação que formamos a monarchia á sombra da cruz, herdamos, no vasto espolio que recebemos de Roma, a lyra melancolica de Virgilio, que foi o poeta mais christão do paganismo e de quem disse Victor HugoIl chantait presque á l'heure ou Jèsus vagissait.Depois a mesma indole da lingua, cujos numeros são d'uma saudosa melancolia, como notou Garrett,{41}as perturbações subitas da atmosphera, o aspecto suavemente triste da natureza, a solidão do navio, do bivaque e do claustro, deram-nos este caracter sombrio que nos distingue, predispozeram-nos para o temperamento nervoso-melancolico que é o predominante.O nosso clima favorece as molestias intestinaes—d'aqui o mau humor, a hypocondria, o azedume, a satyra, que está perfeitamente representada em Bocage.Ao contrario, os gregos, cujo céo era todo alegria e esplendores, tinham uma palavra propria para designarem o seu estado normal—Eucolos, o que diz simplesmente,—ter bons intestinos.A França representa na civilisação moderna o papel de mediadora e interprete; notou-o Edgar Quinet.Pela sua posição topographica communica com a Italia e com a Allemanha, e creou tambem uma phrase para designar as influencias beneficas que recebe d'esta communicação—en belle humeur; por outro lado está ligada aos paizes de Calderon e Camões, d'onde lhe sopram as auras murmurosas que pozeram em vibrato a lyra plangente de Lamartine.A meu vêr, um dos maiores escriptores da Europa, que mais salientemente deixa vêr a influencia do seu clima natal,—é Camillo Castello-Branco. Basta lêl-o, nos seus numerosos volumes, para se conhecer o temperamento portuguez.É que Camillo Castello-Branco é primeiro que tudo um escriptor nacional. Nos seus romances anda o idylio{42}triste, suave, sublime de doçura e pungimento a par da satyra envenenada, da critica mordaz, do epigramma lacerante. Os seus livros, como os quadros de Rembrand, teem a magia do claro-escuro que caracterisa a escóla hollandeza.É facil encontrar n'elles Moliere a par de Millevoye.A educação de Camillo Castello-Branco devia influir gravemente no seu temperamento como aconteceu com Rousseau. São do livroNo Bom Jesus do Monteestes pequenos quadros retrospectivos da sua primeira vida:«Tinha eu nove annos e era orphão.«Dous mezes depois d'este desamparo, com o tenro coração fistulado de saudade, a desbordar de lagrimas, e os ouvidos ainda resoando-me á alma o estertor da agonia de meu pai, é que eu, pela primeira vez, entrei no sanctuario do Bom Jesus.»Ainda do mesmo livro:«Devo ajuizar da minha precoce sensibilidade, recordando que, dous mezes antes, entrei, por noite alta, na sala onde meu pai estava amortalhado, sem mais companhia que quatro cirios de chamma azulada. Ajoelhei sem orar. Afastei da fronte do cadaver o capuz do habito, e beijei-lh'a. Puz tambem a bocca nas mãos glaciaes; senti um frio de que ainda o coração me guarda a memoria: o frio do ambiente dos mortos. A meu lado, ninguem. A irmã que eu tinha, alguns annos mais velha, encerrara-se com a sua dôr e{43}com o seu terror de cadaveres. E eu estava alli, destemeroso das sombras que desciam dos angulos do tecto á penumbra do clarão oscillatorio das tochas.»Camillo Castello-Branco trabalha como trabalhava Mozart,—para vencer as rebeldias do seu temperamento. O trabalho é, para elle, ao mesmo tempo, toxico e remedio.D'aqui o numero prodigioso das suas obras. N'estes ultimos tempos teem-se aggravado os padecimentos habituaes de Camillo Castello-Branco. Mas ainda assim que prodigiosa fecundidade a sua!Ha um anno tem publicado quatro livros, e já estão traçados tres novos romances que sãoCelestina,Scenas da tragedia humanaeInfanta capellista.É condão dos homens de letras o desentranharem-se em flôres do espirito quando o corpo mais se nega por enfermiço. Assim foi tambem Garrett, que já em 20 de setembro de 1838 escrevia para o Porto, a seu irmão:«Ha muito que devo resposta á tua de 13 de agosto e terás attribuido a demora talvez a outros motivos, sendo unicamente que não tenho saude para nada, e que o escrever sobre tudo me mata. Não tanto em cousas de meu gosto, e em correspondencias com os meus amigos,—mas tendo de roubar aos padecimentos corporaes e amofinações d'espirito os proprios momentos que a natureza exhausta pedia para socego,—fico incapaz até para o que aliás me daria gosto e ainda allivio.»{44}Era-lhe rebelde a saude, fatigava-o o escrever, e aquelle grande espirito estava sempre moço, sempre acordado, e publicava, depois da data d'esta carta, oFrei Luiz de Sousaem 1844; em 1845 asFlores sem fructoe oArco de Sant'Anna; em 1846 aPhilippa de Vilhenae asViagens na minha terra; em 1848 aSobrinha do marqueze, para dizer tudo, foi depois de 1838 que nos deu os mais delicados livros da sua gentil bibliotheca.Camillo Castello-Branco sente-se tambem doente, e ainda assim vou jurar que renunciaria á vida se o privassem de escrever os seus romances admiraveis de verdade, de analyse, decôr local, o que é, a meu vêr, um dos quilates mais preciosos do seu talento.Lê-o a gente, e acredita-o, e commove-se por mais que se lembre que está lendo uma novella.O segredo d'este prodigio ha-de morrer com Camillo Castello-Branco. Só elle sabe temperar a verdade com a ficção de modo que não offenda, por falta de naturalidade, os mais exquisitos paladares. É que a verdade, como sabem, nem sempre é verosimil.Ouçamol-o a este proposito:«Um meu amigo, que tinha conhecido muitos amigos infelizes, e tinha lido as minhas novellas, disse-me assim uma vez:«—Tenho observado que vossê inculca verdadeiras todas as suas historias.«—E vossê duvída?«—Duvido porque as acho verosimeis de mais.{45}«—Isso é um absurdo, com o devido respeito. Pois, se as minhas historias fossem impossiveis, seriam mais possiveis?«—A pergunta formulada d'esse modo é irrespondivel; mas o que eu queria dizer não é o que vossê entendeu.«—Faça favor de se explicar.«—Lá vou. A verdade é ás vezes mais inverosimil que a ficção. O engenho do romancista concatena os successos com tanta logica e coherencia que o espirito não póde negar-lhes a naturalidade. As occorrencias advem tão harmoniosas, os successos filiam-se e reproduzem-se tão espontaneamente, que o leitor póde, sem desaire da sua critica, pensar que o romancista é muitissimo mais correcto que a natureza. Ora agora, o modo como as cousas reaes se passam, os disparates que a gente observa, o desconcerto em que anda a previdencia do homem com o resultado phenomenico e sempre ordinario das realidades, isso, meu amigo, é o que os torna inverosimeis e inacreditaveis, se vossê ou eu as contarmos com a simplicidade e nudez de que ellas se vestiram aos nossos olhos. Sei eu acontecimentos que relatados, como eu os presenciei, seriam incriveis, e compostos com a mentira da arte seriam as delicias do leitor, que julga só verdadeiro o que é possivel ter acontecido. D'onde eu concluo que a arte é muito mais verosimil que a natureza, e que os seus romances são inacreditaveis por isso que são verosimeis.»{46}É este inquestionavelmente o grande segredo dos romances de Camillo Castello-Branco, o serem muitas vezes, para não dizer quasi sempre, mais verosimeis que a verdade.O que é certo é que não ha ahi author que seja mais lido, mais gostado, mais popular até. A razão d'isto já fica acima apontada,—é que Camillo Castello-Branco é, pelo seu temperamento, um romancista verdadeiramente nacional.—Eu já nem temperamento tenho! dizia-me elle outro dia. Creio que sou uma degeneração de todos os temperamentos.Ah! perdão, meu presado mestre, eu que tenho lido os seus ultimos livros e que os estou agora dissecando sobre a minha mesa de physiologista, acho que elles são extremamente eloquentes, sobejamente verdadeiros.A prodigiosa imaginação de Camillo Castello-Branco augmenta-lhe tambem a gravidade dos seus padecimentos; é ainda o romancista a fazer-se um romance para si mesmo.D'isto não tem elle culpa, que é tambem uma consequencia do seu mesmo temperamento. A excitabilidade nervosa de certas organisações leva-as muitas vezes a verem os acontecimentos pelo prisma da sua imaginação pessimista. É assim que o snr. Alexandre Herculano que, a meu vêr, tem o mesmo temperamento, escrevia inspirado pela revolução de 1836 umas formosas paginas, esplendidamente exageradas, que{47}fazem lembrar asRuinasde Volney e oLivro do povode Lamenais.Depois de fallarmos de Camillo Castello-Branco parece-nos ocioso estudar o mesmo temperamento em escriptores differentes, um dos quaes seria, se o houvessemos de fazer, o snr. Latino Coelho, cuja feição peninsular resalta dos seus escriptos politicos, cheios deverve, de mordacidade, de energia nervosa.{48}{49}VVisconde de CastilhoEstamos tratando do estylo e ainda o não definimos siquer. Emende-se a tempo o descuido, e aproveitemos a definição d'um grande estylista portuguez que nos vai preleccionar com maior clareza do que as regrinhas pretenciosamente concisas d'uns compendios de bem fallar que por ahi apparecem.O estylo é na opinião de Camillo Castello-Branco «a concepção das idéas, manifestada em formulas visiveis e transmissiveis; é a luz exterior reflectida da luz interna. É ainda, em sentido menos lato, a escolha harmoniosa das palavras, congruentes á elevação ou simplicidade do assumpto. Que e mais o estylo? E a physionomia distincta da obra, do author, do assumpto, do paiz e do seculo. É, finalmente, o que ahi ha menos material na arte de escrever.»{50}Anda visivelmente por isto a doutrina de Emilio Deschanel, e a verdade, que eu anteponho a todas as philosophias nebulosas, não fica tambem muito longe da definição de Camillo e da these do escriptor francez.Todo isso é o estylo.O estylo é o homem na sua dupla existencia. Temol-o provado, pelo que respeita á physiologia, e continuaremos a proval-o. Pelo que prende com a pessoa moral basta ler simplesmente um conto de Antonio de la Trueba, intituladoO estylo e o homem.Fallemos levemente da formosa historieta do contista hespanhol.Trueba recebe um dia uma carta que o chama urgentemente a Navalcarnero. Dá-se pressa em partir; parte.Ao chegar a Mósteles, um cabo da guarda civil, commandante do posto, exige-lhe o passaporte.Não se muníra Trueba de documentos officiaes, e contenta-se com dizer o seu nome.O cabo, que tem na algibeira osContos campesinos, duvida da identidade do viajante.Antonio de la Trueba quer sahir-se d'estes apertos, e appella para um expediente extremo.No correr do dialogo insinuára o cabo que Antonio de la Trueba devia de ser um homem de bem, porque o estylo é o homem; mas que se via obrigado a vedar-lhe a passagem até obter uma prova da sua identidade.{51}«Pois se o estylo é o homem—replicou Trueba—deixe-me recolher á casa da guarda onde escreverei um conto. Está costumado a lêr os meus livros; reconhecerá o homem no estylo.»O alvitre foi aceite.Trueba escreveu o conto, que era simplesmente a historia interessante da sua inesperada jornada, historia admiravel de sentimento e singeleza.O verdadeiro conto está n'essa narrativa. O guarda ouviu attento, e, terminada a leitura, disse apenas estas palavras:—D. Antonio de la Trueba, póde partir.Na opinião do author dosContos campesinostres cousas ha que teem uma physionomia unica,—a letra, o rosto e a alma.Procurem disfarçal-as; o observador intelligente ha-de sempre conhecel-as. A mascara ha-de cahir perante a observação,—ou véle o espirito ou cubra as faces, tanto importa. O estylo é o homem,—a alma é o temperamento, o que não se palpa é o que se vê, oeusubjectivo e oeuobjectivo. Por isso o estylo é mais perfido do que a onda,—atraiçôa.A alma é a luz; o corpo a lampada. O estylo é o reflexo que parte da chamma e que ao atravessar o candelabro mostra a transparencia do crystal ou o espelho scintillante do ouro.Que o estylo era o paiz, o clima, mostramol-o no capitulo antecedente, porque o homem, como os rios, reflecte a côr do céo sob que nasceu.{52}Diremos tambem, e de passagem, até onde o estylo é o seculo.A França do seculoXVIIIestá claramente representada nos romances licenciosos de Duclos e de Crebillon, filho, como nos quadros eroticos de Fragonard e Boucher.Em Portugal os poetas e os historiadores do seculoXVIeloquentemente revelam a época de maior esplendor que jámais atravessou a patria, assim como os annaes daAccademia real de historiabastam para pregoar, em suas declamações fatuas e vans, a decadencia da litteratura portugueza que veio depois a receber alento do grande espirito do marquez da Pombal.«Chaque siècle a son tour d'esprit», disse Fontenelle, e a historia nos está provando que Fontenelle não mentiu.Emilio Deschanel ponderou que «se o estylo era o homem, a litteratura era a sociedade.»Outra verdade profunda, outra illação da historia, que não só se deprehende da litteratura propriamente dita, senão que tambem se está revelando n'essa outra litteratura de pedra chamada architectura.Para o nosso caso, os monumentos são tão eloquentes como os livros.Já Victor Hugo notou, no romanceNotre Dame, que o Paris de LuizXVestava em Saint-Sulpice, o Paris de LuizXVIno Pantheon, e o Paris da republica na Escola de Medicina.Em Portugal, tambem o snr. Alexandre Herculano{53}observou que a Batalha era um poema de pedra e Mafra uma semsaboria de marmore,—que uma era grave como o vulto homerico de D. João I e que a outra representava uma geração effeminada que se fingia gente.Todavia promettemos logo ao principio ir apontando as excepções que fossem occorrendo, e ao proverbio de que o escriptor encarna o seculo em que viveu,—não nos esqueceremos de contrapôr que as fabulas de Florian são de 1792 e que em 93 Légouvé dava noTheatro-francezuma tragedia pastoril. Offenbach é um exemplo do nosso tempo; depois da guerra com o estrangeiro, depois dos dias sangrentos da communa, recomeça tranquillamente as suas operetas.Temo-nos desviado por atalhos que partem do nosso caminho, mas que não seguem a direcção que tomamos.Continuemos o nosso estudo sobre temperamentos, e fallemos hoje d'um escriptor, justamente laureado, poeta d'amenidades e branduras, cantor da natureza e do amor.É claro que fazemos referencia a Castilho, cujo temperamento exuberantemente se está espelhando nos seus livros.Escreve o author daChave do enigmafallando da sua infancia:«Fadada vinha pois, segundo cuido, aquella creança só para poeta, e poeta unicamente de branduras.»{54}Vendo-se ainda nas recordações longiquas do passado, continúa:«Foi a infancia do innocente, que eu ainda me recordo bem de ter conhecido, rosada, chilreada, alegrissima como quasi todas as auroras. Mas os penates do seu berço haviam sido na cidade, e os passaros cantores não se criam e educam bem senão pelas amenidades tranquillas e scismadoras d'esses campos.»A infancia bucolica de Castilho preparou-lhe a alma para os eternos florecimentos com que ainda hoje toda se expande em cadencias e perfumes. Nem siquer lhe faltou no paraiso dos primeiros annos uma creança amiga que lhe inundasse o coração com os alvores matinaes do santo amor da puericia. A sua indole, dil-o elle, «foi-se compondo com duas religiões que a final se reduzem a uma só: o culto das gemeas e eternas amantes universaes,—a natureza e a mulher.»Um dia appareceu n'este céo azulado e crystallino d'uma infancia suavemente idyllica, a primeira nuvem presaga de tempestade. O que aconteceu elle vol-o dirá, que ninguem melhor o pode dizer: «De repente outra doença, mais terrivel que a primeira, e menos esconjuravel do que ella, não paga com martyrisar-me, não contente de balançar-me por um fio largos mezes entre a vida e a morte, me atira vivo para um sepulchro. Eu respirava: mas os bellos olhos, idolatras das flôres e de Amalia, e vangloria de minha{55}mãi, não sabiam se ainda havia no céo o sol de Deus!»Privado de contemplar as paisagens dos seus primeiros amores, começou a saudade a reproduzir-lh'as na visão interior, a rememoral-as a toda a hora, a contornal-as no horisonte infinitamente suave d'um paraiso perdido.A fatalidade tinha-o atirado para um sepulchro, é certo, mas o sepulchro d'um poeta tem sempre flôres.Era recendente a urna espessa em que lhe ficava cerrada a infancia. Mas pelas estrophes perfumadas do passado recompoz Castilho os poemas inebriantes do futuro; pelos aromas da infancia adivinhou a primavera invisivel da mocidade.Pouco era o que tinha aprendido, mas de muito lhe serviu para o que viria saber. Onde lhe faltava a visão, porque as palpebras tinha-as para sempre fechadas, ahi lhe acudiam os olhos de seus irmãos, que viam por elle, ahi o soccorria a lição dos poetas bucolicos com que foi creado, ahi lhe entrava a flux pela alma e pelos ouvidos o dulcissimo conhecimento da natureza que idolatrava. Assim se fez e educou poeta ao murmurio placido do Mondego e do Tibre, de que não estava menos proximo. O rouxinol, privado de vista, tambem canta, como sinta os perfumes da primavera e a melopêa da corrente suspirosa. De musicas e aromas se formou a sua alma, por isso não ha ahi melhor poeta do amor, da melancolia, das flôres, das aves e das creanças.{56}O livroPrimaveracaracterisa-o perfeitamente; estão n'elle todas as branduras lymphaticas do seu teraperamento, todas as doçuras ineffaveis da sua alma. Uma vez só, como já dissemos em outro lugar, cahiram as boninas da sua lyra campestre sacudidas pela rajada violenta das paixões. OsCiumes do bardoe aNoite do castellorepresentavam um esforço ao qual se devia seguir, como a claridade da manhã após a negrura da tormenta, todos os idyllios suavemente elegiacos que dedilhou depois. Ha d'estas contradicções na vida dos escriptores, e nós, que voluntariamente nos obrigamos a apontar as excepções, não podemos deixar em silencio a seguinte, que é flagrante.Gomes Goelho, já gravemente doente, escrevia, n'uma hora de dolorosos soffrimentos, uns versos scintillantes devervepeninsular, que desmentem completamente o genero caracteristico do finado escriptor.A poesia de que venho fallando destina-se áGrinaldae, por obsequio de Nogueira Lima, transcrevo as tres primeiras quadras:Ai, quem me dera em Sevilha,Onde a travessa hespanholaSob a elegante mantilhaAs negras tranças enrola.Na arcada da sé formosaVêl-a entrar, tal como a sonho;{57}Entrecoquettee piedosa,Rosto, entre grave e risonho.Mergulhar na agua benzidaA mão pequena e eleganteE entre a turba, alli reunida,Distinguir o olhar do amante.A vida de Castilho tem sido o caminhar empós idéas generosas, principios nobres e santos, quaesquer que sejam, com o peito cheio de serenidade, ou o recebam hymnos ou chufas, ou o acclamem «Poeta» ou lhe gritem «Utopista». Não ha presentemente em Portugal homem que mais tenha sido aggredido e que mais razões tenha para ser respeitado. As vagas que se levantam no esforço de quererem submergir a sua corôa litteraria, batem d'encontro ao throno em que a patria já collocou, e para sempre, o cantor daPrimavera, e refervem, e espumam e, finalmente, desfazem-se.Elle, a cujos ouvidos resoam incessantemente as musicas da alma, não ouve siquer o acachoar das aguas impuras que não chegam a macular-lhe as plantas. Está embevecido na sua poesia, no seu sonhar perpetuo, nas suas dôces affeições.Um dia, desceu do solio litterario e entrou á escóla, levando comsigo a alegria, a musica, o amor{58}pelo estudo. Cercaram-no umas creanças pallidas e concentradas, que lhe faziam dó, e essas creanças, volvidos dias, amavam-se entre si, estimavam o mestre, já não riscavam os seus livros, e do intimo de suas almas immaculadas abençoavam o poeta cego e velho que lhes enchera de poesia o recesso humido e soturno da escóla. Mas levantaram-se as vagas, e referveram, e espumaram. Castilho recolheu-se ao ninho querido onde o estavam convidando as amenidades de todos os dias. As multidões gritavam «Utopista» e as vozes esmoreciam no ar. Não lhe deixaram fazer da escóla-cemiterio, cheia de escuridade e tristeza, a escóla-floresta gorgeada, alegre e festiva. Conseguiram que elle depozesse o livro da primeira communhão espiritual, mas não lhe poderam arrancar do peito o amor que elle ainda conserva á escóla, ás creanças e á legião dos seus poetas romanos com os quaes se entende muito melhor que com os impertinentes conservadores do velho ensino. Arrancaram-lhe das mãos o cathecismo preceptor, é certo, mas não lhe poderam empolgar a lyra das branduras predilectas. E recomeçou a cantar os seus idyllios, a suspirar as suas dôces elegias, pedindo aos seus amigos que o deixassem morrer com as mãos postas sobre as cabeças de seus filhos e com a lyra encostada ao coração.Não quer outra indemnisação em quanto fôr do mundo; depois que a morte arrefecer a escuridão dos seus olhos, pouco é, e de poeta, o que elle deseja para si:{59}«Depois que entre os abraços delirantesDe todos os que amei, findar meus dias,Sepultai-me n'um valle ignoto e fertil.Para marcar da sepultura o sitio,Sobre o cadaver, que vos foi tão caro,Mangeronas plantai, cuja verduraEm roda fechem variados lirios.Na raiz funda de soberba olaiaPouse a minha cabeça, e o tronco amigoSobre mim curve a copa florecente.Mil piteiras unidas, ostentandoNa hastea vaidosa as flôres amarellas,Em quadrado não grande me defendamDas incursões das cabras roedoras.Em meu tronco se escreva este epitaphio:Foi poeta amador da natureza:D'entre as sombras ancioso a procurava,Qual terno amante a bella fugitiva.Sobre isto pendurai sonora flauta,Que se revolva á discrição do vento.Não cerque os ossos meus, não mos ensombreNem teixo nem cypreste; arvores quatroQuizera só no meu jardim de morte.N'um canto a laranjeira graciosa,Que mescla util e dôce, a flôr e o fructo:N'outro a figueira sob as amplas folhasModesta occulte seus nectareos mimos:{60}Defronte um pecegueiro em fructos mostreQue amavel é pudor, quando enche facesDe pennugem subtil inda cobertas:No ultimo canto... (a escolha me confunde)Plantai no ultimo canto uma ginjeira,É a arvore da infancia até na altura;D'esta por sua mão colhe um meninoA mui ridente baga, e ri de ufano.Alguns tempos depois que a fria terraMeus restos encerrar, á minha olaiaVós, meus amigos, vós dareis meu nome,Pois de mim se nutriu, e eu serei n'ella.»Envelhece o homem mas sobrevive o poeta. O seu temperamento tem prevalecido o mesmo e já se tornaram em sazonados pomos de abundante outomno as flôres odorosas da septuagesima primavera. A sua alma conserva-se tranquilla, cheia de luz como o céo da Grecia, sob o qual poetou o seu Anacreonte, perfumada como os pomares tiburtinos do seu Horacio.O temperamento de Lopes de Mendonça era prophecia da fatalidade a que devia succumbir; o temperamento de Castilho assegura-lhe viver poeta e morrer, como o cysne da tradição fabulosa, ainda poeta.{61}

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«O genio é uma nevrose» proclamou d'uma vez o doutor Moreau, de Tours, aos quatro ventos do universo. Segundo elle, as esplendidas disposições d'espirito que fazem com que um homem suba acima do nivel commum, procedem das mesmas condições physiologicas que as diversas perturbações moraes cuja expressão é aloucurae oidiotismo.

Seja isto ou seja que a constante intuscepção dos homens intelligentes os concentra de tal modo que parece viverem exclusivamente para si mesmos, absortos apenas no seu mundo psychologico, o certo é que estes homens se nos afiguram a mais das vezes entrados d'uma melancolia excepcional. Ora o doutor Moreau quer que esta melancolia que Aristoteles notou{8}no seu tempo, seja simplesmente alienação mental, e escreve «que, por constituição melancolica, Aristoteles entendia a disposição do organismo mais favoravel ao desenvolvimento da loucura. Melancolia,—continua o nosso doutor,—era o termo generico, sob o qual os medicos e philosophos da antiguidade designavam todas as fórmas de delirio chronico; corresponde á nossa palavra: alienação mental, loucura.»

Aristoteles escreveu «que não havia um grande espirito que não tivesse um grau de loucura.» O doutor Moreau aproveita-se d'este dito e abona espirituosamente a verdade da sua these com o testemunho da antiguidade letrada. A excitação cerebral que precede e acompanha a inspiração, pareceu ao doutor de Tours o estado que mais analogia offerece com a loucura real, por isso que da accumulação insolita de forças vitaes n'um orgão,—palavras d'elle—duas consequencias são igualmente possiveis: mais energia nas funcções d'esse orgão mas tambem mais probabilidades de aberração e desvio d'essas mesmas funcções.

Emilio Deschanel, author d'um interessante livro que temos aberto diante de nós,Physiologia dos escriptores e dos artistas, não deixa sem commentarios as proposições do espirituoso doutor.

«Se se póde, em verdade,—escreve Deschanel—observar alguma cousa d'involuntario nos momentos sagrados da inspiração, esses momentos fugitivos não são tudo: subsiste toda a potencia innata e toda a força adquirida, toda a somma de experiencia humana,{9}de alegrias e dôres, que os precedem: toda a energia de escolha e de vontade que os segue,—se é que não os acompanha—: porque o que ha de involuntario é apenas apparente; e mesmo no enthusiasmo o genio não perde a sua bussola.»

Ainda algumas palavras do doutor Moreau para ouvirmos depois Emilio Deschanel:

«Todas as vezes que as faculdades intellectuaes ultrapassem a bitola ordinaria, especialmente nos casos em que ellas attinjam um grau de energia excepcional, podemos estar certos de que o estado nervopathico, sob uma fórma qualquer, influenciou o orgão do pensamento, quer idiopathicamente, quer por via da hereditariedade. O que é o mesmo que dizer que nos homens excepcionaes se reconhecem as mesmas condições d'origem ou de temperamento que nos alienados ou nos idiotas.»

Modifica Emilio Deschanel:

«O que é verdade, é que um pequeno numero de pessoas, maiores de trinta e cinco annos, goza um estado de saude completa; quasi todas soffrem mais ou menos, quer notoria quer secretamente, com mais razão, os homens de letras e os artistas, cujo estado nervoso hereditario e innato está sobreexcitado incessantemente. A concentração habitual em que vivem, a fermentação quasi contínua do cerebro, inflamma-os, gasta-os, mina-os. Brilham ardendo. São, a certos respeitos,meio doentes; isso é incontestavel. Parece que o pensamento lhes aproveita tudo quanto roubam ao{10}corpo. Ao passo que um se estiola, o outro se robustece; arruinam-se physicamente á medida que se constroem moralmente.—Mas se soubessem conservar o equilibrio entre o espirito e o corpo, iriam peor as cousas, e o seu talento d'elles perderia? Não, de certo! Pelo contrario, só tinha a ganhar.»

Estas ultimas palavras d'Emilio Deschanel parece deixarem brecha aberta á contestação, se acreditarmos que elle se propõe refutar completamente a these do doutor Moreau. Não. Deschanel protesta contra a exageração do doutor de Tours, mas aceita oestado-mixto, quer dizer, um estado que ao mesmo tempo participa da saude e da doença.

Emilio Deschanel compartilha pois da opinião d'outro medico francez, o doutor Bouchut, segundo o qual onervosismoé a molestia ordinaria dos homens de letras e dos artistas.

A antiguidade chamava-lhegenus imbecille, genus irritabile vatum. A sciencia moderna foi mais longe, muito mais longe:—adoptou uma palavra, e eis tudo,—O nervoso.

Nervosismo, estado-mixto, seja como fôr, tenha a denominação que tiver, o que é certo é que parece ser apanagio das pessoas cujo exercicio intellectual está em flagrante desproporção com a despeza d'actividade physica.

Os homens de letras estão por via de regra costumados á reclusão do estudo e á vida sedentaria do gabinete. N'essas longas horas do continuado labutar,{11}toda a vida se concentra no cerebro, para assim dizer;—d'aqui a excitação nervosa, um excesso d'actividade intellectual que não é equilibrado pelo exercicio muscular, pelo desenvolvimento do corpo.

A falta de saude, a debilidade, oestado-mixtoafigura-se-nos uma consequencia inevitavel. Toda a vida organica tem por base a renovação incessante da materia. A natureza quer expulsar de si o que é velho e morbido. A moderada actividade das fibras musculares tende pois a favorecer a transformação da materia, a regeneração da massa do sangue, e a dar um impulso benefico ao acto vital.

Os homens de letras descuram porém as conveniencias do organismo. Para elles a vida intellectual é tudo e,—dissipadores inconscientes!—vão-se atirando para o tumulo com uma pressa que o seu estado de continua excitabilidade lhes não permitte domar.

Abundam n'estas desafinações do systema nervoso os caprichos, as velleidades, os habitos exquisitos e bizarros, as idiosyncrasias.

Michelet, por exemplo, trabalha de manhã, tomando café em larga cópia. Balzac escrevia de noite e, como Michelet, ia esvasiando chavenas sem conto d'um café negro, carregado, nauseabundo. Bossuet escrevia n'um quarto frio com a cabeça coberta; de Schiller conta-se que mettia os pés em gelo para ter uma inspiração feliz.

Mozart, a sensitiva da musica, organisação extremamente nervosa, era victima de profunda melancolia.{12}Procurava vencel-a com o trabalho, com o trabalho louco e desregrado, a ponto de se levantar do piano para cahir no leito, exhausto de forças.

Paulo Janet, refutando n'um capitulo do seu livroLe cerveau et la penséea theoria do doutor Moreau, procura demonstrar que estas excentricidades não são provenientes da loucura sublime do genio. Quer-nos parecer porém que tanto exorbita Paulo Janet como o celebre medico de Tours. Os extremos são por via de regra viciosos, e, n'esta questão especialmente, afigura-se-nos que o meio termo é sobremodo aceitavel. Por tal razão propendemos para as modificações sensatas de Emilio Deschanel. Não se estabelece uma lei fatal, não nos referimos á totalidade absoluta; falla-se domaior numero, o que é incontestavel, como demonstra a longa experiencia dos factos. Cumpre notar que não fazemos propaganda scientifica, senão que estamos lançando ao papel uns estudos humoristicos para correrem em folhetim.

Prosigamos finalmente, deixando para academias e academicos esta grande questão do genio e da loucura. O nosso proposito é outro;—vejamos.

Emilio Deschanel, não menos espirituoso humorista que o doutor Moreau, procura demonstrar que o estylo revela o temperamento do escriptor.

É verdadeiramente a physiologia applicada á critica.

Através da eloquencia fogosa de Bossuet descobre Emilio Deschanel um temperamento nervoso-sanguineo. Pascal era nervoso-bilioso; é o seu estylo que nol-o diz.{13}

Basta lêr Voltaire para comprehender o doutor Raspail:

«Voltaire é o systema nervoso levado á suprema potencia.»

O marquez d'Argensou costumava definir Voltaire em poucas palavras:

«Todo nervos e todo fogo, era sensivel ás moscas.»

AsMaximasde La Rochefoucauld denunciam um nervoso-bilioso; João Jacques Rosseau é bilioso-melancolico.

N'este ultimo escriptor a educação influiu de certo muito sobre o temperamento. Rosseau foi creado com seu pai em cujo coração jámais cicatrisou a ferida dolorosa da viuvez. Escreve Rosseau fallando do pai:

«Quando elle me dizia:—João Jacques, fallemos de tua mãi; eu respondia-lhe:—Ah! meu pai, então vamos chorar? E só estas palavras lhe arrancavam lagrimas.»

Vem a proposito algumas palavras de Lamartine: «Rosseau foi educado pelas arvores, pelas aguas, pelos ventos, pelo céo, pelo sol, pelas estrellas; carecia ao mesmo tempo da educação de uma terna mãi e d'um pai laborioso: tudo isso lhe faltou[1].»

A solidão predispõe para a meditação, para a melancolia, e Rosseau foi creado pela natureza.{14}

Temos visto como Emilio Deschanel desenvolveu galhardamente a these de Buffon,—O estylo é o homem, encarregando-se de demonstrar que o seculo, o clima, o solo, a raça, o sexo, a idade, o temperamento, o caracter, a profissão, a hereditariedade physica e moral, a saude, o regimen e os costumes,—tudo isso se espelha na superficie ora limpida ora revolta do estylo.

É impossivel ir mais longe.

É impossivel saber aproveitar melhor o reflexo interior para fazer resaltar do prisma fornecido por Buffon scintillações de tal modo deslumbrantes e magicas.

APhysiologia dos escriptores e dos artistasé um espirituoso livro, e Emilio Deschanel um espirituoso escriptor que eu tenho conversado nos ultimos serões d'inverno.

Procuremos nós n'esta linguagem facil do folhetim, nortear a penna, a despeito de Paulo Janet, segundo o rumo dos trabalhos de critica natural de Emilio Deschanel.

Não podemos aventurar-nos, como elle, á vasta amplidão das aguas.

Navegaremos terra a terra, modestamente, velejando ao sabor da phantasia. Appliquemos tambem a physiologia á critica, e estudemos em alguns livros portuguezes a organisação d'alguns escriptores nacionaes.

Algumas vezes, é possivel, teremos de abrir excepção{15}para um escriptor que n'um ou n'outro relance, mesmo n'um ou n'outro livro, quiz ou pôde dissimular a sua organisação, o seu temperamento, a sua predisposição. Toda a regra tem excepções; esta ha-de tel-as tambem. O que é certo porém é que o homem, na sua dupla existencia, moral e physica, não póde encobrir-se por tanto tempo, que o physiologista litterario não chegue a encontrar a verdade com o escalpello da critica.

Estão-nos já acudindo á memoria algumas excepções. Aproveitemos uma.

O snr. visconde de Castilho cuja indole amena e suavissima se espraia em recamos scintillantes por todas as paginas dos seus formosos livros, escreveu d'uma vez um poema onde se agita tempestuosamente o sentimento mais violento que póde escandecer o coração do homem,—o ciume.

A sua bibliotheca tem porém só um livro de tempestades e luctas; todos os outros refulgem serenos como os lagos na primavera.

Oestado-mixtodos escriptores e dos artistas soffre tambem excepções, e n'ellas deve ter grande parte a hereditariedade.

Agora nos occorrem tres:

Um escriptor robusto, bem humorado, infatigavel—Alexandre Dumas, pai.

Um maestro todo alegria e saude,—Rossini.

Um pintor, cheio d'animação e de vida, em cujos quadros tudo é louro e rosado,—Rubens.{16}

Se estas excepções prejudicam por um lado a regra geral doestado-mixto, por outro tendem a provar que o estylo é a organisação—a doença ou a saude.

O vigoroso estomago de Alexandre Dumas, de cuja propriedade elle tantas vezes se ufanava, está, deixem-me dizel-o, nos seus livros.

Acharis phytalmos, de Pindaro, revela-se noGuilherme Tellde Rossini.

De Raphael basta citar asVirgens, que mereceram a Michelet estas palavras: «Virgens enormes, rosadas, refeitas, escandalosamente bellas.»

Ponhamos ponto, para comecarmos a fallar de escriptores portuguezes. Principiemos por um que tem um triste direito a ser o primeiro—porque morreu doudo.{17}

[1]J. J. Rousseaupor A. Lamartine.

[1]J. J. Rousseaupor A. Lamartine.

Ha phrases que envolvem uma prophecia, conceitos despretenciosos que parecem sahir do intimo da alma como um presentimento que de repente assalta o escriptor no remanso do gabinete.

A pag. 324 dasMemorias de litteratura contemporanea, de Lopes de Mendonça, encontro eu estas palavras:

«Ha vocações, que reproduzem os prodigios das sibyllas antigas. Prophetisam involuntariamente sobre a tripode, e deixam-se arrastrar pelo enthusiasmo das suas proprias palavras. O joven poeta não cantava, sómente para que as turbas se deixassem commover pela harmonia dos seus cantos: cantava porque lhe ardia no peito um fogo devorador, porque a sua alma{18}ébria e palpitante, lhe accendia a imaginação, e como lhe intimava que traduzisse aos outros a magia dos seus sonhos, o fervor dos seus desejos, o esplendido irradiar da sua esperança.»

É certo que os verdadeiros talentos, as almas privilegiadas para a gloria e para o martyrio,reproduzem os prodigios das sibyllas e prophetisam involuntariamente.

Lopes de Mendonça escrevendo asMemorias d'um doidoprophetisava tambem.

Aquelle immenso talento, febril, audaz, infatigavel, sabia que as organisações como a sua resistem corajosamente a lucta social até perderem a vida ou a razão.

Mauricio, o seu heroe, é o que geralmente se chama um doudo sublime,—que pensa, que joga, que ama, que aborrece, que porfia, que se sacrifica, que obedece fatalmente á excitabilidade do seu temperamento.

«Arremessado aos quatorze annos no tumulto da capital,—escreve Lopes de Mendonça—tivera de se sustentar, como Rousseau, do trabalho machinal do copista, e na estreiteza e improbas fadigas de tal profissão, póde entregar-se ao estudo. Lendo avidamente a historia, sobretudo a historia moderna, já a sua intelligencia penetrára em todos os problemas da politica, e a acção dos acontecimentos que se succediam com uma variedade propria das quadras revolucionarias, amadureceu a sua precoce experiencia.»

Tal era Mauricio, tal era Lopes de Mendonça. O{19}verdadeiro artista tanto quer á sua obra, que procura animal-a com a parte psychologica da propria individualidade.

D'aqui o encontrar-se frequentemente o author reproduzido no heroe.

A politica, a idéa fixa e a maxima aspiração de Lopes de Mendonça, que transpirava sempre nos seus livros e nos seus folhetins, não podia ser indifferente a Mauricio.

«Mostrára a sua vocação,—continúa Lopes de Mendonça—escrevendo alguns pamphletos, cheios de energia, e de vivacidade pittoresca. Lançára-se na critica implacavel de medidas que elle suppunha timidas e incompletas, porque reconhecera a distancia que o separava dos mediocres vultos, que dirigiam os negocios publicos.

«Apreciando, pelo que lêra, o que devia ser um homem d'estado, via os que governavam desperdiçando as fôrças d'uma situação excepcional em questões de mesquinha influencia, e nas intrigas, que manchavam todas as obras, grandes ou pequenas, da politica.»

Está claramente photographada n'estes periodos a ancia, a febre, a aspiração, o espirito de justiça e verdade, a coragem, o esforço, a persistencia de Lopes de Mendonça.

Queria elle,—aquelle espirito poderoso—que sahisse da espuma da revolução a verdadeira liberdade politica como tinha sahido—Venus moderna,—a verdadeira liberdade litteraria.{20}

E propunha-se os graves problemas da administração, e planeava as grandes medidas que correspondem ás grandes necessidades d'um paiz, e queria levantar sobre as bases da justiça e da moralidade todo o edificio do regimen liberal, e queria realisar em si o ideal perfeito e quasi impossivel d'um homem d'estado, e queria apartar do centro da acção politica as pequenas individualidades que prejudicam a marcha dos acontecimentos no interesse da patria, e ao mesmo tempo mantinha digna e corajosamente a revolução litteraria que se havia iniciado, e escrevia os seus livros, e sustentava durante onze annos o folhetim daRevolução de Setembro, e cumpria os encargos litterarios da academia real das sciencias de que era socio e bibliothecario, e versava os trabalhos parlamentares na legislatura de 1855, e desempenhava o magisterio, e queria saber, precipitar o tempo para adquirir o que só o futuro lhe podia ensinar, e lidava, pensava, trabalhava, para ter de sobreviver á ruina da propria intelligencia.

Cavou a si mesmo o tumulo, onde o contemplamos alguns annos meio vivo, meio cadaver.

«Lia, annotava,—escreve Julio Machado—commentava todos os livros, lidando desde o romper da manhã, dormindo duas horas apenas, e lastimando essas duas horas perdidas.

«Andava preoccupado, andava triste e inquieto. Haviam-lhe mentido todos os seus oraculos d'outr'ora, e já não acreditava mesmo em si proprio. Tornou-se-lhe{21}tudo escuro em redor. Não tinha uma venda nos olhos, mas principiou a tel-a na alma. Os seus amigos inquietaram-se do estado em que o viram. A extrema actividade de espirito perturbou-lhe a acção cerebral, mas a lealdade do seu caracter generoso nem então se desmentiu; imaginava-se rico, altamente collocado, offerecia-nos dos seus haveres, e instava para que aceitassemos.

«No breve intervallo que mediou da revelação d'esse estado á sua reclusão, comprou livros por toda a parte, muitos livros, todos os livros que encontrou. Mas, a essa hora já estava perdido.

«As faculdades da sua intelligencia haviam-se adulterado e estalaram como as cordas d'um instrumento[2].»

Estava irremediavelmente perdido,—estava louco; tinha morrido para a familia, para a sociedade, para a patria, e todavia vivia ainda em Rilhafolles. O seu estylo cadente, cheio, fogoso, elegante, a par da sua linguagem ás vezes incorrecta, denunciava para logo um temperamento nervoso-sanguineo.

A exaltação dos pensamentos, as scintillações differentes e successivas, a variedade febril dos tons, a riqueza caprichosa do colorido, a escolha variada dos assumptos, e até as mesmas imperfeições revelavam ao physiologista litterario a organisação de A. P. Lopes de Mendonça.{22}

NasMemorias d'um doudo, tudo é febril, tudo escalda, tudo denuncia o homem.

Lopes de Mendonça era realmente uma organisação de artista que participava da vivacidade cerebral do temperamento nervoso e da animação caracteristica do temperamento sanguineo. Era um escriptor modelado pela definição em que Emilio Deschanel procura daguerreotypar o artista: «Temperamento rico, sensibilidade ardente, imaginação fecunda, ao serviço d'um coração generoso, d'um bom senso delicado e d'uma razão elevada.»

Elle mesmo, o infeliz Lopes de Mendonça, apreciando um escriptor contemporaneo, definia o artista:

«Todo o segredo d'esta excitabilidade intellectual reside, não nos poupamos a repetil-o, em que é artista, completa e essencialmente artista. A sua razão philosophica, é mais d'uma vez desvairada pelos caprichos da sua phantasia. E todavia, o escriptor é logico, é racional e concludente, em cada uma das posições que alternativamente occupa. Hoje, reflectido e maduro, elevado ás austeras e mornas regiões do homem de estado, apresenta os mais sensatos alvitres, expõe os problemas com a mais fina e lucida critica, e corta os obstaculos, resguardando e salvando os interesses, percebendo todas as conveniencias, pesando todos os conflictos da opinião, e apalpando o terreno social como dextro e instruido estrategico.

«Ámanhã, desempedido e solto n'uma questão puramente litteraria, n'um ponto moral ou metaphysico,{23}vê-o-heis enthusiasta d'um brilhante paradoxo, comprazer-se em destruir as idéas recebidas, em ferir as convicções consagradas, e fazendotaboa rasadocriteriumpublico, pôr os recursos do seu talento ao serviço da sua impressão instantanea[3].»

Eis-aqui Lopes de Mendonça, segundo as suas mesmas palavras; eis aqui o artista. A sua vida foi uma serie de congestões, um incendiar-se lentamente nas labaredas que lhe requeimavam o coração e o cerebro. Tinha sonhado com a gloria, algumas vezes a entrevira, era festejado, era querido, tinha ganhado os primeiros lugares, tinha entrado nas primeiras salas, e elle, que tinha resistido á lucta, á insomnia, ao trabalho, sentiu-se desfallecer quando a lava da ultima congestão seccou, e para sempre, os louros da sua corôa.

Em toda a sua vida houve apenas um momento de tranquillo repouso,—foi o ultimo. Julio Machado, fallando da extrema dedicação da esposa de Lopes de Mendonça, escreve com a mimosa delicadesa que lhe é peculiar: «Um dia, ultimamente, elle sorriu-lhe. Os medicos disseram que ia salvar-se talvez. Ia salvar-se, ia. Ia morrer!»

Não havia já o crepitar das chammas, porque d'aquella volcanica combustão restavam apenas as cinzas d'um cerebro; o sopro da morte espalhou-as.

Acabou-se tudo.{24}

Alli agonisou nos braços da esposa carinhosa, esquecido da sociedade que mais d'uma vez o acclamára festivamente e que mais d'uma vez o apunhalára na couraça onde resvalaram todos os golpes dos detractores impotentes.

Julio Machado escreve ainda no seu ultimo e interessante livro—Da loucura e das manias em Portugal, fallando dos doudos de Rilhafolles:

«Lá esteve um, famoso e illustre, o mestre do folhetim em Portugal, e sua esposa alli foi todos os dias vêl-o e fazer-lhe companhia,—colhendo no céo a palma do combate terrestre e vendo sorrir-se para ella e abraçal-a meigamente aquelle ente querido, que havia representado um dos primeiros talentos d'esta terra, e que parecia, lucidamente, dizer-lhe com a vista que deve um dia ser feliz na eternidade a alma que n'esta vida teve dedicação pelo infortunio!»

Do homem que a fatalidade arrojou para os abysmos da loucura resta apenas um epitaphio;—pouco é, e transitorio. Mas de Lopes de Mendonça, do escriptor todo fogo e todo alma, todo colorido e sentimento, resta alguma cousa mais duradoura que o seu epitaphio,—os seus livros, nos quaes o physiologista poderá estudar largamente a vida impetupsa d'um temperamento nervoso-sanguineo.{25}

[2]Trechos de folhetim, pag. 128.[3]Memorias de litteratura contemporanea, pag. 328-329.

[2]Trechos de folhetim, pag. 128.

[3]Memorias de litteratura contemporanea, pag. 328-329.

Se o leitor entrasse na sala do parlamento portuguez durante as mais animadas sessões da legislatura de 1865 a 1866 e ouvisse trovejar do alto da tribuna uma voz sonora, cheia, precipitando-se em inflexões caprichosas e febris, que para logo denunciavam certa irritabilidade fogosa e violenta, facilmente adivinharia, sem o descortinar, um orador de temperamento nervoso-sanguineo, em plena virilidade, ebrio da gloria, que, de triumpho em triumpho, o impellira até ás regiões do olympo parlamentar.

Na sessão do dia 13 de Janeiro de 1866, por exemplo, em que se discutia o projecto de lei sobre a liberdade de imprensa, apostrophava o orador a que nos referimos:{26}

«É licito perguntar com um notavel estylista da França: «Que temem os governos da imprensa livre?»

«A guerra da discussão? Mas ao contrario lhes deve lisongear o seu amor proprio, e a sua dedicação patriotica, porque lhes rasga vastos plainos ás victorias de suas doutrinas e de seus principios!

«Guerra de injuria? Pois soffram-n'a, que é para isso que são homens publicos. Se pelas eminencias do poder não houvesse senão estradas de flôres, de triumphos e de victorias, aonde estariam as provas da sua abnegação e do seu merito? E tanto lhes havia de doer a injuria que lhes arrancasse um grito contra a liberdade?

«Guerra de epigramma? Mas diz Pelletan, e diz bem, que os homens de estado devem ser fortes de coração e de cabeça, não ter a sensibilidade de nervos d'umapetite-maitresse, e fazer mesmo a epiderme robusta para as affrontas!

«Guerra de calumnia? Mas os governos teem ao seu lado a magistratura judicial e a magistratura popular para afogarem as calumnias nas gargantas dos calumniadores! Fiemo-nos da magistratura e da sua vigilancia. Ella é como a mulher de Cesar; está acima de toda a suspeita. E aproveito a primeira occasião do meu discurso em que posso render a esta classe a minha mais profunda homenagem de respeito e culto. Com a franqueza do meu caracter o digo, senhores; quando desalentadamente atiro com os olhos para tanto rebaixamento moral da minha patria, com orgulho vejo{27}e com orgulho contemplo as togas da nossa magistratura ainda impollutas com os seus sacrarios ao lado!»

Mezes antes, na sessão de 19 de novembro de 1865, o mesmo orador propunha uma mensagem de sentimento ao parlamento inglez pela morte de lord Palmerston, e discursava sobre a proposta:

«Verdadeiros heroes... e perdôe-me a memoria de José Estevão se eu penso que os ha, e perdôe-me ella ainda mais se é exactamente, comparando-os aos rochedos no oceano, que elles me parecem maiores e mais sublimes!

«Penso assim, e quando por muitas vezes hei meditado n'aquella celebrada imagem d'esse grande e inspirado orador, sempre me tem parecido que o mais digno de admiração n'aquelle atrevimento oratorio, é a modestia sublime de José Estevão. É que para mim no confronto dos heroes com os rochedos, não perdem aquelles por nenhuma sombra. Bem sei que se a irregularidade ás vezes monstruosa da sua estructura póde ser um defeito para a arte; é ella tambem, e sempre, o involucro esculptural das almas fadadas para as grandes tempestades, e dos corações baptisados desde o primeiro dia na onda dos grandes martyrios! Osrochedos, osheroestopetam com as nuvens que teem por cima; lambem-lhes os pés as vagas da opinião humilhada e abatida, e além cançada de se espedaçar contra elles; e estendem os seus braços, que não vergam nunca, aos naufragos cuspidos já quasi exanimes d'essas vagas, como se fossem elles os destinados pela{28}impassibilidade da sua força, pelo seu contacto com a luz immensa, e pela sua proximidade da praia, a retemperarem a tibieza dos fracos, a reaccenderem o entendimento dos desesperados, e a apontarem o porto de salvação e das novas esperanças aos que a resaca do primeiro commettimento ia prostrando e sorvendo no pégo!

«Tudo isto era tambem José Estevão, e porque se arreceasse aquella sublime modestia de que uma vez lh'o conhecessem, por isso elle dizia mal dos rochedos!

«E depois os rochedos não cahem nunca! E são tambem assim os heroes; nem cahem quando morrem!

«Os heroes morrem de pé!

«Morrem de pé!

«Foi assim que morreu lord Palmerston. E tanto foi assim que elle morreu, que expirando aos oitenta e um annos de idade, a Inglaterra correu desvairada ao seu jazigo, accusando aquella morte de prematura para o seu partido e para o seu paiz.»

Quando o sceptro da eloquencia tribunicia resvalou das mãos inertes de José Estevão, era opinião geral da gente portugueza que tarde, ou talvez nunca, uma nova palavra, de tal modo ardente e scintillante, despertaria os echos adormecidos da camara electiva.

Mais d'uma penna authorisada manifestou publicamente que a phalange gloriosa dos oradores parlamentares portuguezes tinha morrido na pessoa de José{29}Estevão. Tenho sobre a minha banca um livro de Ricardo Guimarães,Narrativas e episodios da vida politica e parlamentar, que fornece uma prova do que vimos dizendo.

«Quem lhe herdou—escreve o author do livro citado fallando de José Estevão—o primado da palestra familiar, que elle exercia desaffrontado de rivaes?

«Por ora é elle herança jacente como o é, e será—Deus sabe porque tempo!—o sceptro dourado da eloquencia de que não poderam despojal-o em vida os mais possantes emulos, sceptro que ainda hoje pousa sobre o tumulo do orador, insignia indisputada d'aquella realeza do genio.»

Isto escrevia e publicava em 1863 Ricardo Guimarães; em 1865 entrava no parlamento José Cardoso Vieira de Castro.

Não é intento nosso fazer apreciações ou discutir personalidades. Todavia cumpre dizer que a entrada de Vieira de Castro nas lides parlamentares desabrochou no horisonte politico os primeiros alvores d'uma esperança. Vieira de Castro não era ainda o successor de José Estevão; promettia sel-o, depois d'um longo tirocinio parlamentar que lhe proporcionasse um pleno conhecimento dos mais reconditos segredos da eloquencia tribunicia. Vieira de Castro, ebrio dos triumphos que lograra na carreira universitaria, vinha cheio de mocidade e de inexperiencia, e abandonava-se aprazivelmente aos arrebatamentos da sua organisação e da sua idade, julgando de si para si que a melhor lente{30}para estudar os intrincados problemas da administração era o prisma dourado da sua phantasia ardente.

Palavra facil, copiosa, scintillante, ageitando-se ás sinuosidades da replica, sem se desviar do curso natural das idéas, tinha-a elle, como José Estevão.

A vida academica de Vieira de Castro, repleta de episodios pittorescos, aos quaes a opinião publica do paiz, mormente a dos homens de letras[4]não foi indifferente, inoculou nova seiva no espirito já de natural fogoso e opulento do author daPagina da Universidade. D'aqui, aquelle desabotoar incessante de vigorosos florecimentos na alma do futuro orador parlamentar, aquelle espanejar incessante de flôres variegadas e mimosas que elle espalhou ás rebatinhas nas paginas daBiographia de Camillo Castello-Branco.

N'este livro a imaginação de Vieira de Castro levantou-se em vôos alterosos e successivos. Era o phrenesi da aguia que pela primeira vez bate as azas nos páramos infinitos.

Cada pagina é um jardim; todo o livro é uma primavera. Mas o que é verdade é que a biographia de Camillo Castello-Branco está por fazer, apesar de elle mesmo nos ter dado em muitas das paginas dos seus preciosos livros, como asMemorias do carcere,No Bom Jesus-do Monte, e outros, á similhanca de Garrett,{31}copiosos apontamentos para se escrever a verdadeira noticia de sua vida.

Este defeito, que a maioria da opinião notou na Biographia deCamillo Castello-Branco, era ainda o senão que o mesmo tribunal encontrava nos seus formosos discursos de estreia parlamentar. A opa tribunicia não logrou abafar os impetos da eloquencia asiatica de Vieira de Castro. Os seus discursos todos se emmaranhavam em ramagens phantasiosas, em filagranas de caprichoso labor, ora alongando-se para cima como os leques ondulantes da palmeira, ora escondendo as violetas gentis da eloquencia nos taboleiros relvosos de um jardim oratoriano.

Era preciso desbravar trabalhosamente estes apertados labyrinthos de vegetação esplendida, para se encontrar a idéa que se estava affrontando sob os innumeros recamos d'uma chlamyde roçagante.

Eis-aqui a razão porque Vieira de Castro se não podia medir ainda com a estatua gigantesca de José Estevão.

Os outonos da idade haviam de ir pouco e pouco mondando aquellas exuberancias de vegetação litteraria, e então appareceria o pensamento com toda a sua lucidez no meio d'uma delicada moldura como apparece uma paisagem entre duas arvores em flôr, no alto d'uma estrada.

É esta a meu vêr a grande distancia que temporariamente separava Vieira de Castro de José Estevão. De resto era congenere a eloquencia,—o temperamento o mesmo.{32}

Na sessão do dia 4 de abril de 1865 procurava Vieira de Castro defender-se da censura que um deputado imputára á camara por se comprazer a cada momento em frequentes e estereis luctas de palavra.

O claro entendimento do novo deputado segredou-lhe que era elle mesmo o verdadeiro alvo de similhante accusação, e levantou-se para declamar.

São logo do principio do seu discurso estes periodos. «Demasias da palavra? Demasias da palavra tinha-as tambem o padre Antonio Vieira, no pulpito da igreja de Nossa Senhora da Bahia, quando interrogava a Deus; e as nações pasmadas diante das prodigiosas catadupas da eloquencia do oratoriano, hesitavam em pensar se fallava pelo seu verbo um inspirado do céo, ou um desvairado da terra.

«E já que estou na igreja, abro o livro que encontro sobre o altar. Aqui sim, aqui, na primeira pagina, não ha demasias de palavra, porque este primeiro versiculo soube dizer na mais bella e sublime de todas as phrases escriptas o maior e o mais estupendo de todos os milagres creados:Dixit Deus: fiat lux, et lux facta est.

«Santas demasias da palavra, que são como as demasias do sangue, ou no corpo de Catão, ou na liteira de Cicero, ou no sudario do Salvador!»

E aqui estava o seu espirito a trahil-o e a arremessar para o ambito da camara abadas de flôres que ao mesmo tempo lhe serviam de imputação e de gloria. E aqui estava a primavera a bracejar frondes e a{33}engrinaldar-se de festões quando mais a accusavam de perdularia e formosa.

O orador havia porém de modificar-se como o escriptor se modificou. Nos ultimos opusculos de Vieira de Castro o estylo não se enredava já nos antigos dedalos, mas era formoso, gentil e magistralmente modelado; a linguagem derivava fluente, correcta e portugueza de lei. Todavia o temperamento do escriptor estava patente. Todos os seus livros, todos os seus escriptos, antigos e modernos, dão testemunho da exaltação cerebral das organisações nervosas e da extrema actividade dos vasos sanguineos no colorido vivo, animado e brilhante da sua penna.

Mas infelizmente o orador não teve ensejo de se modificar.

Uma grande catastrophe ainda recente despenhou este homem do alto das suas esperanças e dos seus triumphos. Foi ainda uma dolorosa consequencia do seu temperamento como denunciam estas palavras de Julio Machado, escriptas horas depois da catastrophe:

«Temperamento ardente, caracter inquieto e febril, denunciára muitas vezes, logo ao entrar da vida, a violencia das suas paixões e o enthusiasmo exaltado d'ellas. Magoas de coração, ambições quebradas, feridas do orgulho, esperanças illudidas, fortuna exhausta, crenças mortas, figuravam-se-lhe ser doenças da alma a que não era dado resistir, e não podia tolerar os miseraveis que se sujeitavam a ir vivendo cada um com o seu mal.»{34}

Ou ainda estas:

«Todavia, não sei dizer-lhes como, não sei dizer-lhes porque, elle proprio o não sabe talvez, perdeu tudo e principiou a desmoronar o castello que erguera. Caracter fugaz, e sempre um pouco louco, parecia ter gosto ás vezes em vêr desabar o edificio da sua felicidade e da sua gloria. Não era resultado do acaso nem carencia de habilidade, era falta de paciencia, phrenesi nervoso, estonteamento febril.»

O temperamento de Lopes de Mendonça levara-o á loucura e da loucura á morte; o temperamento de Vieira de Castro arrastára-o ao carcere e do carcere ao desterro.

Ambos sobreviveram á sua ruina, ambos viram escrever-se o epitaphio que a posteridade lhes destinava, ambos sonharam os sonhos côr de rosa das imaginações ardentes, ambos dormiram nos braços da gloria as dôces horas da embriaguez terrena, ambos entraram nos salões luxuosos da vida aristocratica, e ambos cahiram, quando o horisonte se lhes afigurava dilatar-se para os deixar respirar mais livremente.

Ambos viveram finalmente, porque um está no tumulo e outro no exilio.

Eu conheci Vieira de Castro n'uma noite de festa.

Era ainda feliz.

Dous annos depois d'essa noite, despenhou-se. Emquanto o processo estava affecto aos tribunaes, não fallaria d'elle, mas hoje, que já a posteridade começou para o homem d'outr'ora, não duvidei aproveitar{35}o seu nome que pertence á historia do passado, e a historia é indefesa para todos.

Não offendi a sua memoria, não ri da sua desgraça. Inscrevi o seu nome n'este pequeno catalogo de escriptores nacionaes, que estamos estudando physiologicamente.

Dos nervosos-sanguineos temos fallado que farte; occupar-nos-hemos d'outros temperamentos que estão convidando a nossa analyse.{36}

{37}

[4]Vêr—José Cardoso Vieira de Castro, antes e depois do seu julgamento, por seu irmão Antonio Manoel Lopes Vieira de Castro, pag. 19 e seguintes.

[4]Vêr—José Cardoso Vieira de Castro, antes e depois do seu julgamento, por seu irmão Antonio Manoel Lopes Vieira de Castro, pag. 19 e seguintes.

«O verdadeiro talento, como o vismara, borboleta das Indias, toma a côr da planta sobre que vive», escreveu Stendhal. Seria difficil resumir tão profunda verdade em mais formoso conceito.

É conhecido até onde a critica moderna tem estudado a influencia do clima sobre o espirito do homem. Montesquieu e Herder levaram ao exagero a theoria climatologica. Proudhon contrapõe reflectidamente á doutrina de Herder: «Todo o systema descança sobre o fatalismo geographico, chimico e organico; sol, clima; planicies e montanhas; rios, lagos e mares; d'onde se deduzem successivamente, por cada latitude e meridiano, a flora e a fauna, depois o homem; finalmente, a sociedade e sua historia. Nada{38}temos a censurar; sómente perguntaremos o para que servem então a liberdade e o progresso, e o para que nos aproveita a intelligencia?»

A objecção é sensata. Emilio Deschanel não vai tão longe como Herder, sem todavia rejeitar a theoria, e tanto não vai tão longe, que escreve estas palavras: «Esta doutrina de Hippocrates, de Platão, de Aristoteles, d'Eratosthenes, de Varrão, de Montesquieu, de Voltaire, de Rousseau, de Herder, tem sido aceite e continuada em nossos dias com muita distincção. Tornou-se a base da criticanaturista, que é a critica natural levada ao extremo. A terra, segundo esta doutrina, é a prophecia da historia. Dize-me d'onde vieste, dir-te-hei quem és. E reciprocamente, sabendo quem tu és, dir-te-hei d'onde vieste.»

Caminhando mais terra a terra, ser-nos-ha facil reconhecer que ha no homem, na lingua, na litteratura, na arte, e até na religião um reflexo da natureza que lhes foi berço,—reflexo que a ausencia do torrão natal e a identificação com um novo clima póde attenuar, no homem, consideravelmente. O que é certo, e tem sido muitas rezes notado, é que, por exemplo, as linguas do Norte se distinguem pela rudeza das articulações das linguas do Meio-dia incomparavelmente melodiosas; que as litteraturas septentrionaes teem uma riqueza de pensamento que se póde contrapôr á riqueza de sensibilidade das linguas meridionaes; que a musica do Norte é magestosa, grave, solemne, ao passo que a musica do Meio-dia é caracterisada{39}pela variedade das inflexões, pela harmonia, e pelo sentimentalismo.

Cumpre notar,—aproveitando uma observação de Deschanel,—que umas vezes e pela similhança e outras pelo contraste que o clima se reproduz na litteratura. «Ideal de belleza,—diz elle,—ideal de fealdade, que importa! Na religião dos negros, o diabo, dizem, é branco. E isto, pela mesma razão que na religião dos brancos—dos brancos que acreditam no diabo—o diabo é preto. Porque é que os poetas latinos, quando querem pintar a graça e a belleza das mulheres, lhes dão mais vezes cabellos louros do que cabellos pretos? É porque entre elles, em Italia, quasi todas as mulheres teem cabellos negros.—Reciprocamente, quando os poetas celebram a miudo as bellezas morenas, logo se adivinha que são do Norte, clima das bellezas louras.»

Isto é realmente verdade. Diz o proloquio: «Só se deseja o que só se não tem.»

Já deixamos dito que Emilio Deschanel não leva a influencia do clima até ao fatalismo geographico. A suaPhysiologianão é uma theoria absoluta, uma demonstração didactica, como elle mesmo diz, mas simplesmente umacauseriesobre a litteratura e sobre a arte. Nós, que procuramos seguir o caminho de Deschanel, não podemos acreditar que seja a terra aprophecia da historia, mas firmemente cremos que todo o homem tem muito do seu paiz como a flôr tem muito do sitio onde desabrochou. E depois o homem,—como{40}notou Lamartine—é planta até certa idade, e a alma tem as raizes no solo, no ar e no céo que lhe formaram os sentidos. D'aqui a absorpção dos fluidos que andavam espalhados no ambiente da patria.

Não será difficil estudar-se na nossa litteratura o temperamento predominante dos portuguezes. Dous livros nos caracterisam perfeitamente,—Os Lusiadase aMenina e moça. Fomos sempre o povo das saudades e da vida concentrada do mar, que o mesmo é dizer tambem da saudade.

Longe, por esse azul dos vastos mares,Na soidão melancolica das aguasOuvi gemer a lamentosa Alcyone,E com ella gemeu minha saudade.

Longe, por esse azul dos vastos mares,Na soidão melancolica das aguasOuvi gemer a lamentosa Alcyone,E com ella gemeu minha saudade.

Muita da nossa melhor litteratura são chronicas de viagem e poemas d'amor. Nós, a nação que formamos a monarchia á sombra da cruz, herdamos, no vasto espolio que recebemos de Roma, a lyra melancolica de Virgilio, que foi o poeta mais christão do paganismo e de quem disse Victor Hugo

Il chantait presque á l'heure ou Jèsus vagissait.

Il chantait presque á l'heure ou Jèsus vagissait.

Depois a mesma indole da lingua, cujos numeros são d'uma saudosa melancolia, como notou Garrett,{41}as perturbações subitas da atmosphera, o aspecto suavemente triste da natureza, a solidão do navio, do bivaque e do claustro, deram-nos este caracter sombrio que nos distingue, predispozeram-nos para o temperamento nervoso-melancolico que é o predominante.

O nosso clima favorece as molestias intestinaes—d'aqui o mau humor, a hypocondria, o azedume, a satyra, que está perfeitamente representada em Bocage.

Ao contrario, os gregos, cujo céo era todo alegria e esplendores, tinham uma palavra propria para designarem o seu estado normal—Eucolos, o que diz simplesmente,—ter bons intestinos.

A França representa na civilisação moderna o papel de mediadora e interprete; notou-o Edgar Quinet.

Pela sua posição topographica communica com a Italia e com a Allemanha, e creou tambem uma phrase para designar as influencias beneficas que recebe d'esta communicação—en belle humeur; por outro lado está ligada aos paizes de Calderon e Camões, d'onde lhe sopram as auras murmurosas que pozeram em vibrato a lyra plangente de Lamartine.

A meu vêr, um dos maiores escriptores da Europa, que mais salientemente deixa vêr a influencia do seu clima natal,—é Camillo Castello-Branco. Basta lêl-o, nos seus numerosos volumes, para se conhecer o temperamento portuguez.

É que Camillo Castello-Branco é primeiro que tudo um escriptor nacional. Nos seus romances anda o idylio{42}triste, suave, sublime de doçura e pungimento a par da satyra envenenada, da critica mordaz, do epigramma lacerante. Os seus livros, como os quadros de Rembrand, teem a magia do claro-escuro que caracterisa a escóla hollandeza.

É facil encontrar n'elles Moliere a par de Millevoye.

A educação de Camillo Castello-Branco devia influir gravemente no seu temperamento como aconteceu com Rousseau. São do livroNo Bom Jesus do Monteestes pequenos quadros retrospectivos da sua primeira vida:

«Tinha eu nove annos e era orphão.

«Dous mezes depois d'este desamparo, com o tenro coração fistulado de saudade, a desbordar de lagrimas, e os ouvidos ainda resoando-me á alma o estertor da agonia de meu pai, é que eu, pela primeira vez, entrei no sanctuario do Bom Jesus.»

Ainda do mesmo livro:

«Devo ajuizar da minha precoce sensibilidade, recordando que, dous mezes antes, entrei, por noite alta, na sala onde meu pai estava amortalhado, sem mais companhia que quatro cirios de chamma azulada. Ajoelhei sem orar. Afastei da fronte do cadaver o capuz do habito, e beijei-lh'a. Puz tambem a bocca nas mãos glaciaes; senti um frio de que ainda o coração me guarda a memoria: o frio do ambiente dos mortos. A meu lado, ninguem. A irmã que eu tinha, alguns annos mais velha, encerrara-se com a sua dôr e{43}com o seu terror de cadaveres. E eu estava alli, destemeroso das sombras que desciam dos angulos do tecto á penumbra do clarão oscillatorio das tochas.»

Camillo Castello-Branco trabalha como trabalhava Mozart,—para vencer as rebeldias do seu temperamento. O trabalho é, para elle, ao mesmo tempo, toxico e remedio.

D'aqui o numero prodigioso das suas obras. N'estes ultimos tempos teem-se aggravado os padecimentos habituaes de Camillo Castello-Branco. Mas ainda assim que prodigiosa fecundidade a sua!

Ha um anno tem publicado quatro livros, e já estão traçados tres novos romances que sãoCelestina,Scenas da tragedia humanaeInfanta capellista.

É condão dos homens de letras o desentranharem-se em flôres do espirito quando o corpo mais se nega por enfermiço. Assim foi tambem Garrett, que já em 20 de setembro de 1838 escrevia para o Porto, a seu irmão:

«Ha muito que devo resposta á tua de 13 de agosto e terás attribuido a demora talvez a outros motivos, sendo unicamente que não tenho saude para nada, e que o escrever sobre tudo me mata. Não tanto em cousas de meu gosto, e em correspondencias com os meus amigos,—mas tendo de roubar aos padecimentos corporaes e amofinações d'espirito os proprios momentos que a natureza exhausta pedia para socego,—fico incapaz até para o que aliás me daria gosto e ainda allivio.»{44}

Era-lhe rebelde a saude, fatigava-o o escrever, e aquelle grande espirito estava sempre moço, sempre acordado, e publicava, depois da data d'esta carta, oFrei Luiz de Sousaem 1844; em 1845 asFlores sem fructoe oArco de Sant'Anna; em 1846 aPhilippa de Vilhenae asViagens na minha terra; em 1848 aSobrinha do marqueze, para dizer tudo, foi depois de 1838 que nos deu os mais delicados livros da sua gentil bibliotheca.

Camillo Castello-Branco sente-se tambem doente, e ainda assim vou jurar que renunciaria á vida se o privassem de escrever os seus romances admiraveis de verdade, de analyse, decôr local, o que é, a meu vêr, um dos quilates mais preciosos do seu talento.

Lê-o a gente, e acredita-o, e commove-se por mais que se lembre que está lendo uma novella.

O segredo d'este prodigio ha-de morrer com Camillo Castello-Branco. Só elle sabe temperar a verdade com a ficção de modo que não offenda, por falta de naturalidade, os mais exquisitos paladares. É que a verdade, como sabem, nem sempre é verosimil.

Ouçamol-o a este proposito:

«Um meu amigo, que tinha conhecido muitos amigos infelizes, e tinha lido as minhas novellas, disse-me assim uma vez:

«—Tenho observado que vossê inculca verdadeiras todas as suas historias.

«—E vossê duvída?

«—Duvido porque as acho verosimeis de mais.{45}

«—Isso é um absurdo, com o devido respeito. Pois, se as minhas historias fossem impossiveis, seriam mais possiveis?

«—A pergunta formulada d'esse modo é irrespondivel; mas o que eu queria dizer não é o que vossê entendeu.

«—Faça favor de se explicar.

«—Lá vou. A verdade é ás vezes mais inverosimil que a ficção. O engenho do romancista concatena os successos com tanta logica e coherencia que o espirito não póde negar-lhes a naturalidade. As occorrencias advem tão harmoniosas, os successos filiam-se e reproduzem-se tão espontaneamente, que o leitor póde, sem desaire da sua critica, pensar que o romancista é muitissimo mais correcto que a natureza. Ora agora, o modo como as cousas reaes se passam, os disparates que a gente observa, o desconcerto em que anda a previdencia do homem com o resultado phenomenico e sempre ordinario das realidades, isso, meu amigo, é o que os torna inverosimeis e inacreditaveis, se vossê ou eu as contarmos com a simplicidade e nudez de que ellas se vestiram aos nossos olhos. Sei eu acontecimentos que relatados, como eu os presenciei, seriam incriveis, e compostos com a mentira da arte seriam as delicias do leitor, que julga só verdadeiro o que é possivel ter acontecido. D'onde eu concluo que a arte é muito mais verosimil que a natureza, e que os seus romances são inacreditaveis por isso que são verosimeis.»{46}

É este inquestionavelmente o grande segredo dos romances de Camillo Castello-Branco, o serem muitas vezes, para não dizer quasi sempre, mais verosimeis que a verdade.

O que é certo é que não ha ahi author que seja mais lido, mais gostado, mais popular até. A razão d'isto já fica acima apontada,—é que Camillo Castello-Branco é, pelo seu temperamento, um romancista verdadeiramente nacional.

—Eu já nem temperamento tenho! dizia-me elle outro dia. Creio que sou uma degeneração de todos os temperamentos.

Ah! perdão, meu presado mestre, eu que tenho lido os seus ultimos livros e que os estou agora dissecando sobre a minha mesa de physiologista, acho que elles são extremamente eloquentes, sobejamente verdadeiros.

A prodigiosa imaginação de Camillo Castello-Branco augmenta-lhe tambem a gravidade dos seus padecimentos; é ainda o romancista a fazer-se um romance para si mesmo.

D'isto não tem elle culpa, que é tambem uma consequencia do seu mesmo temperamento. A excitabilidade nervosa de certas organisações leva-as muitas vezes a verem os acontecimentos pelo prisma da sua imaginação pessimista. É assim que o snr. Alexandre Herculano que, a meu vêr, tem o mesmo temperamento, escrevia inspirado pela revolução de 1836 umas formosas paginas, esplendidamente exageradas, que{47}fazem lembrar asRuinasde Volney e oLivro do povode Lamenais.

Depois de fallarmos de Camillo Castello-Branco parece-nos ocioso estudar o mesmo temperamento em escriptores differentes, um dos quaes seria, se o houvessemos de fazer, o snr. Latino Coelho, cuja feição peninsular resalta dos seus escriptos politicos, cheios deverve, de mordacidade, de energia nervosa.{48}

{49}

Estamos tratando do estylo e ainda o não definimos siquer. Emende-se a tempo o descuido, e aproveitemos a definição d'um grande estylista portuguez que nos vai preleccionar com maior clareza do que as regrinhas pretenciosamente concisas d'uns compendios de bem fallar que por ahi apparecem.

O estylo é na opinião de Camillo Castello-Branco «a concepção das idéas, manifestada em formulas visiveis e transmissiveis; é a luz exterior reflectida da luz interna. É ainda, em sentido menos lato, a escolha harmoniosa das palavras, congruentes á elevação ou simplicidade do assumpto. Que e mais o estylo? E a physionomia distincta da obra, do author, do assumpto, do paiz e do seculo. É, finalmente, o que ahi ha menos material na arte de escrever.»{50}

Anda visivelmente por isto a doutrina de Emilio Deschanel, e a verdade, que eu anteponho a todas as philosophias nebulosas, não fica tambem muito longe da definição de Camillo e da these do escriptor francez.

Todo isso é o estylo.

O estylo é o homem na sua dupla existencia. Temol-o provado, pelo que respeita á physiologia, e continuaremos a proval-o. Pelo que prende com a pessoa moral basta ler simplesmente um conto de Antonio de la Trueba, intituladoO estylo e o homem.

Fallemos levemente da formosa historieta do contista hespanhol.

Trueba recebe um dia uma carta que o chama urgentemente a Navalcarnero. Dá-se pressa em partir; parte.

Ao chegar a Mósteles, um cabo da guarda civil, commandante do posto, exige-lhe o passaporte.

Não se muníra Trueba de documentos officiaes, e contenta-se com dizer o seu nome.

O cabo, que tem na algibeira osContos campesinos, duvida da identidade do viajante.

Antonio de la Trueba quer sahir-se d'estes apertos, e appella para um expediente extremo.

No correr do dialogo insinuára o cabo que Antonio de la Trueba devia de ser um homem de bem, porque o estylo é o homem; mas que se via obrigado a vedar-lhe a passagem até obter uma prova da sua identidade.{51}

«Pois se o estylo é o homem—replicou Trueba—deixe-me recolher á casa da guarda onde escreverei um conto. Está costumado a lêr os meus livros; reconhecerá o homem no estylo.»

O alvitre foi aceite.

Trueba escreveu o conto, que era simplesmente a historia interessante da sua inesperada jornada, historia admiravel de sentimento e singeleza.

O verdadeiro conto está n'essa narrativa. O guarda ouviu attento, e, terminada a leitura, disse apenas estas palavras:

—D. Antonio de la Trueba, póde partir.

Na opinião do author dosContos campesinostres cousas ha que teem uma physionomia unica,—a letra, o rosto e a alma.

Procurem disfarçal-as; o observador intelligente ha-de sempre conhecel-as. A mascara ha-de cahir perante a observação,—ou véle o espirito ou cubra as faces, tanto importa. O estylo é o homem,—a alma é o temperamento, o que não se palpa é o que se vê, oeusubjectivo e oeuobjectivo. Por isso o estylo é mais perfido do que a onda,—atraiçôa.

A alma é a luz; o corpo a lampada. O estylo é o reflexo que parte da chamma e que ao atravessar o candelabro mostra a transparencia do crystal ou o espelho scintillante do ouro.

Que o estylo era o paiz, o clima, mostramol-o no capitulo antecedente, porque o homem, como os rios, reflecte a côr do céo sob que nasceu.{52}

Diremos tambem, e de passagem, até onde o estylo é o seculo.

A França do seculoXVIIIestá claramente representada nos romances licenciosos de Duclos e de Crebillon, filho, como nos quadros eroticos de Fragonard e Boucher.

Em Portugal os poetas e os historiadores do seculoXVIeloquentemente revelam a época de maior esplendor que jámais atravessou a patria, assim como os annaes daAccademia real de historiabastam para pregoar, em suas declamações fatuas e vans, a decadencia da litteratura portugueza que veio depois a receber alento do grande espirito do marquez da Pombal.

«Chaque siècle a son tour d'esprit», disse Fontenelle, e a historia nos está provando que Fontenelle não mentiu.

Emilio Deschanel ponderou que «se o estylo era o homem, a litteratura era a sociedade.»

Outra verdade profunda, outra illação da historia, que não só se deprehende da litteratura propriamente dita, senão que tambem se está revelando n'essa outra litteratura de pedra chamada architectura.

Para o nosso caso, os monumentos são tão eloquentes como os livros.

Já Victor Hugo notou, no romanceNotre Dame, que o Paris de LuizXVestava em Saint-Sulpice, o Paris de LuizXVIno Pantheon, e o Paris da republica na Escola de Medicina.

Em Portugal, tambem o snr. Alexandre Herculano{53}observou que a Batalha era um poema de pedra e Mafra uma semsaboria de marmore,—que uma era grave como o vulto homerico de D. João I e que a outra representava uma geração effeminada que se fingia gente.

Todavia promettemos logo ao principio ir apontando as excepções que fossem occorrendo, e ao proverbio de que o escriptor encarna o seculo em que viveu,—não nos esqueceremos de contrapôr que as fabulas de Florian são de 1792 e que em 93 Légouvé dava noTheatro-francezuma tragedia pastoril. Offenbach é um exemplo do nosso tempo; depois da guerra com o estrangeiro, depois dos dias sangrentos da communa, recomeça tranquillamente as suas operetas.

Temo-nos desviado por atalhos que partem do nosso caminho, mas que não seguem a direcção que tomamos.

Continuemos o nosso estudo sobre temperamentos, e fallemos hoje d'um escriptor, justamente laureado, poeta d'amenidades e branduras, cantor da natureza e do amor.

É claro que fazemos referencia a Castilho, cujo temperamento exuberantemente se está espelhando nos seus livros.

Escreve o author daChave do enigmafallando da sua infancia:

«Fadada vinha pois, segundo cuido, aquella creança só para poeta, e poeta unicamente de branduras.»{54}

Vendo-se ainda nas recordações longiquas do passado, continúa:

«Foi a infancia do innocente, que eu ainda me recordo bem de ter conhecido, rosada, chilreada, alegrissima como quasi todas as auroras. Mas os penates do seu berço haviam sido na cidade, e os passaros cantores não se criam e educam bem senão pelas amenidades tranquillas e scismadoras d'esses campos.»

A infancia bucolica de Castilho preparou-lhe a alma para os eternos florecimentos com que ainda hoje toda se expande em cadencias e perfumes. Nem siquer lhe faltou no paraiso dos primeiros annos uma creança amiga que lhe inundasse o coração com os alvores matinaes do santo amor da puericia. A sua indole, dil-o elle, «foi-se compondo com duas religiões que a final se reduzem a uma só: o culto das gemeas e eternas amantes universaes,—a natureza e a mulher.»

Um dia appareceu n'este céo azulado e crystallino d'uma infancia suavemente idyllica, a primeira nuvem presaga de tempestade. O que aconteceu elle vol-o dirá, que ninguem melhor o pode dizer: «De repente outra doença, mais terrivel que a primeira, e menos esconjuravel do que ella, não paga com martyrisar-me, não contente de balançar-me por um fio largos mezes entre a vida e a morte, me atira vivo para um sepulchro. Eu respirava: mas os bellos olhos, idolatras das flôres e de Amalia, e vangloria de minha{55}mãi, não sabiam se ainda havia no céo o sol de Deus!»

Privado de contemplar as paisagens dos seus primeiros amores, começou a saudade a reproduzir-lh'as na visão interior, a rememoral-as a toda a hora, a contornal-as no horisonte infinitamente suave d'um paraiso perdido.

A fatalidade tinha-o atirado para um sepulchro, é certo, mas o sepulchro d'um poeta tem sempre flôres.

Era recendente a urna espessa em que lhe ficava cerrada a infancia. Mas pelas estrophes perfumadas do passado recompoz Castilho os poemas inebriantes do futuro; pelos aromas da infancia adivinhou a primavera invisivel da mocidade.

Pouco era o que tinha aprendido, mas de muito lhe serviu para o que viria saber. Onde lhe faltava a visão, porque as palpebras tinha-as para sempre fechadas, ahi lhe acudiam os olhos de seus irmãos, que viam por elle, ahi o soccorria a lição dos poetas bucolicos com que foi creado, ahi lhe entrava a flux pela alma e pelos ouvidos o dulcissimo conhecimento da natureza que idolatrava. Assim se fez e educou poeta ao murmurio placido do Mondego e do Tibre, de que não estava menos proximo. O rouxinol, privado de vista, tambem canta, como sinta os perfumes da primavera e a melopêa da corrente suspirosa. De musicas e aromas se formou a sua alma, por isso não ha ahi melhor poeta do amor, da melancolia, das flôres, das aves e das creanças.{56}

O livroPrimaveracaracterisa-o perfeitamente; estão n'elle todas as branduras lymphaticas do seu teraperamento, todas as doçuras ineffaveis da sua alma. Uma vez só, como já dissemos em outro lugar, cahiram as boninas da sua lyra campestre sacudidas pela rajada violenta das paixões. OsCiumes do bardoe aNoite do castellorepresentavam um esforço ao qual se devia seguir, como a claridade da manhã após a negrura da tormenta, todos os idyllios suavemente elegiacos que dedilhou depois. Ha d'estas contradicções na vida dos escriptores, e nós, que voluntariamente nos obrigamos a apontar as excepções, não podemos deixar em silencio a seguinte, que é flagrante.

Gomes Goelho, já gravemente doente, escrevia, n'uma hora de dolorosos soffrimentos, uns versos scintillantes devervepeninsular, que desmentem completamente o genero caracteristico do finado escriptor.

A poesia de que venho fallando destina-se áGrinaldae, por obsequio de Nogueira Lima, transcrevo as tres primeiras quadras:

Ai, quem me dera em Sevilha,Onde a travessa hespanholaSob a elegante mantilhaAs negras tranças enrola.Na arcada da sé formosaVêl-a entrar, tal como a sonho;{57}Entrecoquettee piedosa,Rosto, entre grave e risonho.Mergulhar na agua benzidaA mão pequena e eleganteE entre a turba, alli reunida,Distinguir o olhar do amante.

Ai, quem me dera em Sevilha,Onde a travessa hespanholaSob a elegante mantilhaAs negras tranças enrola.

Na arcada da sé formosaVêl-a entrar, tal como a sonho;{57}Entrecoquettee piedosa,Rosto, entre grave e risonho.

Mergulhar na agua benzidaA mão pequena e eleganteE entre a turba, alli reunida,Distinguir o olhar do amante.

A vida de Castilho tem sido o caminhar empós idéas generosas, principios nobres e santos, quaesquer que sejam, com o peito cheio de serenidade, ou o recebam hymnos ou chufas, ou o acclamem «Poeta» ou lhe gritem «Utopista». Não ha presentemente em Portugal homem que mais tenha sido aggredido e que mais razões tenha para ser respeitado. As vagas que se levantam no esforço de quererem submergir a sua corôa litteraria, batem d'encontro ao throno em que a patria já collocou, e para sempre, o cantor daPrimavera, e refervem, e espumam e, finalmente, desfazem-se.

Elle, a cujos ouvidos resoam incessantemente as musicas da alma, não ouve siquer o acachoar das aguas impuras que não chegam a macular-lhe as plantas. Está embevecido na sua poesia, no seu sonhar perpetuo, nas suas dôces affeições.

Um dia, desceu do solio litterario e entrou á escóla, levando comsigo a alegria, a musica, o amor{58}pelo estudo. Cercaram-no umas creanças pallidas e concentradas, que lhe faziam dó, e essas creanças, volvidos dias, amavam-se entre si, estimavam o mestre, já não riscavam os seus livros, e do intimo de suas almas immaculadas abençoavam o poeta cego e velho que lhes enchera de poesia o recesso humido e soturno da escóla. Mas levantaram-se as vagas, e referveram, e espumaram. Castilho recolheu-se ao ninho querido onde o estavam convidando as amenidades de todos os dias. As multidões gritavam «Utopista» e as vozes esmoreciam no ar. Não lhe deixaram fazer da escóla-cemiterio, cheia de escuridade e tristeza, a escóla-floresta gorgeada, alegre e festiva. Conseguiram que elle depozesse o livro da primeira communhão espiritual, mas não lhe poderam arrancar do peito o amor que elle ainda conserva á escóla, ás creanças e á legião dos seus poetas romanos com os quaes se entende muito melhor que com os impertinentes conservadores do velho ensino. Arrancaram-lhe das mãos o cathecismo preceptor, é certo, mas não lhe poderam empolgar a lyra das branduras predilectas. E recomeçou a cantar os seus idyllios, a suspirar as suas dôces elegias, pedindo aos seus amigos que o deixassem morrer com as mãos postas sobre as cabeças de seus filhos e com a lyra encostada ao coração.

Não quer outra indemnisação em quanto fôr do mundo; depois que a morte arrefecer a escuridão dos seus olhos, pouco é, e de poeta, o que elle deseja para si:{59}

«Depois que entre os abraços delirantesDe todos os que amei, findar meus dias,Sepultai-me n'um valle ignoto e fertil.Para marcar da sepultura o sitio,Sobre o cadaver, que vos foi tão caro,Mangeronas plantai, cuja verduraEm roda fechem variados lirios.Na raiz funda de soberba olaiaPouse a minha cabeça, e o tronco amigoSobre mim curve a copa florecente.Mil piteiras unidas, ostentandoNa hastea vaidosa as flôres amarellas,Em quadrado não grande me defendamDas incursões das cabras roedoras.Em meu tronco se escreva este epitaphio:Foi poeta amador da natureza:D'entre as sombras ancioso a procurava,Qual terno amante a bella fugitiva.Sobre isto pendurai sonora flauta,Que se revolva á discrição do vento.Não cerque os ossos meus, não mos ensombreNem teixo nem cypreste; arvores quatroQuizera só no meu jardim de morte.N'um canto a laranjeira graciosa,Que mescla util e dôce, a flôr e o fructo:N'outro a figueira sob as amplas folhasModesta occulte seus nectareos mimos:{60}Defronte um pecegueiro em fructos mostreQue amavel é pudor, quando enche facesDe pennugem subtil inda cobertas:No ultimo canto... (a escolha me confunde)Plantai no ultimo canto uma ginjeira,É a arvore da infancia até na altura;D'esta por sua mão colhe um meninoA mui ridente baga, e ri de ufano.Alguns tempos depois que a fria terraMeus restos encerrar, á minha olaiaVós, meus amigos, vós dareis meu nome,Pois de mim se nutriu, e eu serei n'ella.»

«Depois que entre os abraços delirantesDe todos os que amei, findar meus dias,Sepultai-me n'um valle ignoto e fertil.Para marcar da sepultura o sitio,Sobre o cadaver, que vos foi tão caro,Mangeronas plantai, cuja verduraEm roda fechem variados lirios.Na raiz funda de soberba olaiaPouse a minha cabeça, e o tronco amigoSobre mim curve a copa florecente.Mil piteiras unidas, ostentandoNa hastea vaidosa as flôres amarellas,Em quadrado não grande me defendamDas incursões das cabras roedoras.Em meu tronco se escreva este epitaphio:

Foi poeta amador da natureza:D'entre as sombras ancioso a procurava,Qual terno amante a bella fugitiva.

Sobre isto pendurai sonora flauta,Que se revolva á discrição do vento.Não cerque os ossos meus, não mos ensombreNem teixo nem cypreste; arvores quatroQuizera só no meu jardim de morte.N'um canto a laranjeira graciosa,Que mescla util e dôce, a flôr e o fructo:N'outro a figueira sob as amplas folhasModesta occulte seus nectareos mimos:{60}Defronte um pecegueiro em fructos mostreQue amavel é pudor, quando enche facesDe pennugem subtil inda cobertas:No ultimo canto... (a escolha me confunde)Plantai no ultimo canto uma ginjeira,É a arvore da infancia até na altura;D'esta por sua mão colhe um meninoA mui ridente baga, e ri de ufano.Alguns tempos depois que a fria terraMeus restos encerrar, á minha olaiaVós, meus amigos, vós dareis meu nome,Pois de mim se nutriu, e eu serei n'ella.»

Envelhece o homem mas sobrevive o poeta. O seu temperamento tem prevalecido o mesmo e já se tornaram em sazonados pomos de abundante outomno as flôres odorosas da septuagesima primavera. A sua alma conserva-se tranquilla, cheia de luz como o céo da Grecia, sob o qual poetou o seu Anacreonte, perfumada como os pomares tiburtinos do seu Horacio.

O temperamento de Lopes de Mendonça era prophecia da fatalidade a que devia succumbir; o temperamento de Castilho assegura-lhe viver poeta e morrer, como o cysne da tradição fabulosa, ainda poeta.{61}


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