A VIDA

Levanta-te! surge, rainha modesta,Que vens pudibunda da noite na festaTeu sceptro tomar;De traz das montanhas, o que é que tu sondas?O sol? não o temas, que ha muito nas ondasSe foi occultar.E a noite é tão triste sem ti, meiga lua!...Sem ti o regato perdido fluctúa,Não sabe onde vae;Pratêa-lhe as aguas co'a luz argentina,E as margens lhe alegra, que a densa neblinaAo ver-te, se esvae.A noite é bem triste sem ti, astro lindo;Mas quando apparecer, das nuvens abrindoOs pallidos véos,Tão linda e tão seria, teu gesto profundoParece o de virgem que vaga no mundo,Mas scisma nos céos.Sem ti as montanhas que ondeam distantesNo pardo horisonte, não tem habitantes,Ninguem móra lá;Mas quando as envolve de candidos mantos,Visões namoradas de aérios encantosTeu brilho lhes dá.Eu amo-te sempre! quer brilhes entre ondas,De nuvens gigantes, que timida escondasO casto fulgor;Bem como o futuro que sonha o poeta,Nos sonhos incertos, de mente inquietaJá gôso, já dor.Ás vezes amiga das velhas ruinas,O antigo mosteiro calada illuminasBeijando-lhe a cruz;E a cruz mutilada, já meio pendida,Ao ver-te, remoça; que tu lhe dás vidaCo'a magica luz.Ás vezes espreita por entre cyprestesA estancia dos mortos, e os tumulos véstesCom mantos de dó;Alli surprehendes a virgem que, ledaSe crê isolada... e um nome segreda,Que tu ouves só.E o homem não ama teus palidos mantos;Á vida aspirando, dedica seus cantosDo sol ao fulgor;Mas quando são findos os sonhos da vida,Quem vem afagal-o na extrema guarida?Teu mystico amor.Eu não, eu não gosto da luz orgulhosaD'esse astro que alegra co'a chamma pomposaDa vida o festim...O sol! não é elle que pinta os martyrios,Nem roxos amores, nem candidos lyrios;Mas tu, lua, sim.Que digam os sabios, que o sol sempre ardente,Se para nós surge n'um outro occidenteSumir-se lá vae...Mas eu, n'este mundo tambem passageiro,Quero antes a lua modesto lazeiro,Que vive e se esvae.J. S. da Silva Ferraz,O Novo Trovador, p. 163. Coimbra, 1856.

Levanta-te! surge, rainha modesta,Que vens pudibunda da noite na festaTeu sceptro tomar;De traz das montanhas, o que é que tu sondas?O sol? não o temas, que ha muito nas ondasSe foi occultar.E a noite é tão triste sem ti, meiga lua!...Sem ti o regato perdido fluctúa,Não sabe onde vae;Pratêa-lhe as aguas co'a luz argentina,E as margens lhe alegra, que a densa neblinaAo ver-te, se esvae.A noite é bem triste sem ti, astro lindo;Mas quando apparecer, das nuvens abrindoOs pallidos véos,Tão linda e tão seria, teu gesto profundoParece o de virgem que vaga no mundo,Mas scisma nos céos.Sem ti as montanhas que ondeam distantesNo pardo horisonte, não tem habitantes,Ninguem móra lá;Mas quando as envolve de candidos mantos,Visões namoradas de aérios encantosTeu brilho lhes dá.Eu amo-te sempre! quer brilhes entre ondas,De nuvens gigantes, que timida escondasO casto fulgor;Bem como o futuro que sonha o poeta,Nos sonhos incertos, de mente inquietaJá gôso, já dor.Ás vezes amiga das velhas ruinas,O antigo mosteiro calada illuminasBeijando-lhe a cruz;E a cruz mutilada, já meio pendida,Ao ver-te, remoça; que tu lhe dás vidaCo'a magica luz.Ás vezes espreita por entre cyprestesA estancia dos mortos, e os tumulos véstesCom mantos de dó;Alli surprehendes a virgem que, ledaSe crê isolada... e um nome segreda,Que tu ouves só.E o homem não ama teus palidos mantos;Á vida aspirando, dedica seus cantosDo sol ao fulgor;Mas quando são findos os sonhos da vida,Quem vem afagal-o na extrema guarida?Teu mystico amor.Eu não, eu não gosto da luz orgulhosaD'esse astro que alegra co'a chamma pomposaDa vida o festim...O sol! não é elle que pinta os martyrios,Nem roxos amores, nem candidos lyrios;Mas tu, lua, sim.Que digam os sabios, que o sol sempre ardente,Se para nós surge n'um outro occidenteSumir-se lá vae...Mas eu, n'este mundo tambem passageiro,Quero antes a lua modesto lazeiro,Que vive e se esvae.J. S. da Silva Ferraz,O Novo Trovador, p. 163. Coimbra, 1856.

Levanta-te! surge, rainha modesta,Que vens pudibunda da noite na festaTeu sceptro tomar;De traz das montanhas, o que é que tu sondas?O sol? não o temas, que ha muito nas ondasSe foi occultar.

Levanta-te! surge, rainha modesta,

Que vens pudibunda da noite na festa

Teu sceptro tomar;

De traz das montanhas, o que é que tu sondas?

O sol? não o temas, que ha muito nas ondas

Se foi occultar.

E a noite é tão triste sem ti, meiga lua!...Sem ti o regato perdido fluctúa,Não sabe onde vae;Pratêa-lhe as aguas co'a luz argentina,E as margens lhe alegra, que a densa neblinaAo ver-te, se esvae.

E a noite é tão triste sem ti, meiga lua!...

Sem ti o regato perdido fluctúa,

Não sabe onde vae;

Pratêa-lhe as aguas co'a luz argentina,

E as margens lhe alegra, que a densa neblina

Ao ver-te, se esvae.

A noite é bem triste sem ti, astro lindo;Mas quando apparecer, das nuvens abrindoOs pallidos véos,Tão linda e tão seria, teu gesto profundoParece o de virgem que vaga no mundo,Mas scisma nos céos.

A noite é bem triste sem ti, astro lindo;

Mas quando apparecer, das nuvens abrindo

Os pallidos véos,

Tão linda e tão seria, teu gesto profundo

Parece o de virgem que vaga no mundo,

Mas scisma nos céos.

Sem ti as montanhas que ondeam distantesNo pardo horisonte, não tem habitantes,Ninguem móra lá;Mas quando as envolve de candidos mantos,Visões namoradas de aérios encantosTeu brilho lhes dá.

Sem ti as montanhas que ondeam distantes

No pardo horisonte, não tem habitantes,

Ninguem móra lá;

Mas quando as envolve de candidos mantos,

Visões namoradas de aérios encantos

Teu brilho lhes dá.

Eu amo-te sempre! quer brilhes entre ondas,De nuvens gigantes, que timida escondasO casto fulgor;Bem como o futuro que sonha o poeta,Nos sonhos incertos, de mente inquietaJá gôso, já dor.

Eu amo-te sempre! quer brilhes entre ondas,

De nuvens gigantes, que timida escondas

O casto fulgor;

Bem como o futuro que sonha o poeta,

Nos sonhos incertos, de mente inquieta

Já gôso, já dor.

Ás vezes amiga das velhas ruinas,O antigo mosteiro calada illuminasBeijando-lhe a cruz;E a cruz mutilada, já meio pendida,Ao ver-te, remoça; que tu lhe dás vidaCo'a magica luz.

Ás vezes amiga das velhas ruinas,

O antigo mosteiro calada illuminas

Beijando-lhe a cruz;

E a cruz mutilada, já meio pendida,

Ao ver-te, remoça; que tu lhe dás vida

Co'a magica luz.

Ás vezes espreita por entre cyprestesA estancia dos mortos, e os tumulos véstesCom mantos de dó;Alli surprehendes a virgem que, ledaSe crê isolada... e um nome segreda,Que tu ouves só.

Ás vezes espreita por entre cyprestes

A estancia dos mortos, e os tumulos véstes

Com mantos de dó;

Alli surprehendes a virgem que, leda

Se crê isolada... e um nome segreda,

Que tu ouves só.

E o homem não ama teus palidos mantos;Á vida aspirando, dedica seus cantosDo sol ao fulgor;Mas quando são findos os sonhos da vida,Quem vem afagal-o na extrema guarida?Teu mystico amor.

E o homem não ama teus palidos mantos;

Á vida aspirando, dedica seus cantos

Do sol ao fulgor;

Mas quando são findos os sonhos da vida,

Quem vem afagal-o na extrema guarida?

Teu mystico amor.

Eu não, eu não gosto da luz orgulhosaD'esse astro que alegra co'a chamma pomposaDa vida o festim...O sol! não é elle que pinta os martyrios,Nem roxos amores, nem candidos lyrios;Mas tu, lua, sim.

Eu não, eu não gosto da luz orgulhosa

D'esse astro que alegra co'a chamma pomposa

Da vida o festim...

O sol! não é elle que pinta os martyrios,

Nem roxos amores, nem candidos lyrios;

Mas tu, lua, sim.

Que digam os sabios, que o sol sempre ardente,Se para nós surge n'um outro occidenteSumir-se lá vae...Mas eu, n'este mundo tambem passageiro,Quero antes a lua modesto lazeiro,Que vive e se esvae.

Que digam os sabios, que o sol sempre ardente,

Se para nós surge n'um outro occidente

Sumir-se lá vae...

Mas eu, n'este mundo tambem passageiro,

Quero antes a lua modesto lazeiro,

Que vive e se esvae.

J. S. da Silva Ferraz,O Novo Trovador, p. 163. Coimbra, 1856.

J. S. da Silva Ferraz,O Novo Trovador, p. 163. Coimbra, 1856.

A CRIANÇA:Ao longe! ao longe! quem ir lá me déraColher virente louro, ou linda flor,N'esse jardim d'eterna primavera,Todo cheio de luz e esplendor.O HOMEM:Tem o louro, veneno em suas bagas...Tem espinhos as rosas mais gentis...Avante! talvez possa minhas chagasCurar na solidão, viver feliz.O VELHO:Quem é d'esses jardins que vi formosos,Cobertos de perfume e de verdor?...Nos espinhos até sentia gozos,Agora de não vel-os sinto a dor.A ESPERANÇA:Caminha, louca, alem; caminha ávante!O que julgas o nada é tenue véo:Depois d'elle corrido, tens adianteBem mais lindo jardim, bem mais, o céo.1853A. C. Louzada,Grinalda, t. VI, p. 43.

A CRIANÇA:Ao longe! ao longe! quem ir lá me déraColher virente louro, ou linda flor,N'esse jardim d'eterna primavera,Todo cheio de luz e esplendor.O HOMEM:Tem o louro, veneno em suas bagas...Tem espinhos as rosas mais gentis...Avante! talvez possa minhas chagasCurar na solidão, viver feliz.O VELHO:Quem é d'esses jardins que vi formosos,Cobertos de perfume e de verdor?...Nos espinhos até sentia gozos,Agora de não vel-os sinto a dor.A ESPERANÇA:Caminha, louca, alem; caminha ávante!O que julgas o nada é tenue véo:Depois d'elle corrido, tens adianteBem mais lindo jardim, bem mais, o céo.1853A. C. Louzada,Grinalda, t. VI, p. 43.

A CRIANÇA:

A CRIANÇA:

Ao longe! ao longe! quem ir lá me déraColher virente louro, ou linda flor,N'esse jardim d'eterna primavera,Todo cheio de luz e esplendor.

Ao longe! ao longe! quem ir lá me déra

Colher virente louro, ou linda flor,

N'esse jardim d'eterna primavera,

Todo cheio de luz e esplendor.

O HOMEM:

O HOMEM:

Tem o louro, veneno em suas bagas...Tem espinhos as rosas mais gentis...Avante! talvez possa minhas chagasCurar na solidão, viver feliz.

Tem o louro, veneno em suas bagas...

Tem espinhos as rosas mais gentis...

Avante! talvez possa minhas chagas

Curar na solidão, viver feliz.

O VELHO:

O VELHO:

Quem é d'esses jardins que vi formosos,Cobertos de perfume e de verdor?...Nos espinhos até sentia gozos,Agora de não vel-os sinto a dor.

Quem é d'esses jardins que vi formosos,

Cobertos de perfume e de verdor?...

Nos espinhos até sentia gozos,

Agora de não vel-os sinto a dor.

A ESPERANÇA:

A ESPERANÇA:

Caminha, louca, alem; caminha ávante!O que julgas o nada é tenue véo:Depois d'elle corrido, tens adianteBem mais lindo jardim, bem mais, o céo.

Caminha, louca, alem; caminha ávante!

O que julgas o nada é tenue véo:

Depois d'elle corrido, tens adiante

Bem mais lindo jardim, bem mais, o céo.

1853A. C. Louzada,Grinalda, t. VI, p. 43.

1853

A. C. Louzada,Grinalda, t. VI, p. 43.

Oh senhora mãe,Deixe-me ir á festa,Que não ha nenhumaMais linda do que esta.Arcos, fogo e musica,Arraial tão lindo!...E moços e moçasConversando e rindo.Ir lá tambem posso;Já não sou pequena,Sou da mesma edadeDa Rita Morena.Estou já crescida,Sou quasi da alturaDa Rosa, que em breveCasa o senhor Cura.Já sei molinharComo um bom moleiro,No moinho do milho,E mais no alveiro.Já posso co' trigo;Já chego á moéga,Vou mesmo ao travouco,Se ás vezes adrega.Se no tremonadoA farinha é grada,Sei dar na estadêaGeitosa pancada.E se o grão cae poucoSobre a segurelha,Desando o torno,Desço mais a quelha.Quem faz d'estas cousasJá não é criança:Já póde ir ás festas,Já canta e já dança.Dê-me o chapéu fino,E a roupa asseada,Que eu ir lá não devoToda enfarinhada.Heide ir de chinellas,De meias de linho,Camisa mui branca...Mas não de farinha.Não quero se riaDe mim todo o povo;Dê-me a saia verde,Quero o gibão novo.Que se eu levo o outroTão coçado e antigo,Não virão os moçosConversar commigo.Eu quero mostrar-meNo largo da egreja,E mordam-se as outrasEmbora de inveja.E se perguntaremQuem é a gaiteira,Saibam pois que é filhaDa Thereza moleira.Henrique Augusto,A Grinalda, t. III, p. 7. Porto, 1860.

Oh senhora mãe,Deixe-me ir á festa,Que não ha nenhumaMais linda do que esta.Arcos, fogo e musica,Arraial tão lindo!...E moços e moçasConversando e rindo.Ir lá tambem posso;Já não sou pequena,Sou da mesma edadeDa Rita Morena.Estou já crescida,Sou quasi da alturaDa Rosa, que em breveCasa o senhor Cura.Já sei molinharComo um bom moleiro,No moinho do milho,E mais no alveiro.Já posso co' trigo;Já chego á moéga,Vou mesmo ao travouco,Se ás vezes adrega.Se no tremonadoA farinha é grada,Sei dar na estadêaGeitosa pancada.E se o grão cae poucoSobre a segurelha,Desando o torno,Desço mais a quelha.Quem faz d'estas cousasJá não é criança:Já póde ir ás festas,Já canta e já dança.Dê-me o chapéu fino,E a roupa asseada,Que eu ir lá não devoToda enfarinhada.Heide ir de chinellas,De meias de linho,Camisa mui branca...Mas não de farinha.Não quero se riaDe mim todo o povo;Dê-me a saia verde,Quero o gibão novo.Que se eu levo o outroTão coçado e antigo,Não virão os moçosConversar commigo.Eu quero mostrar-meNo largo da egreja,E mordam-se as outrasEmbora de inveja.E se perguntaremQuem é a gaiteira,Saibam pois que é filhaDa Thereza moleira.Henrique Augusto,A Grinalda, t. III, p. 7. Porto, 1860.

Oh senhora mãe,Deixe-me ir á festa,Que não ha nenhumaMais linda do que esta.

Oh senhora mãe,

Deixe-me ir á festa,

Que não ha nenhuma

Mais linda do que esta.

Arcos, fogo e musica,Arraial tão lindo!...E moços e moçasConversando e rindo.

Arcos, fogo e musica,

Arraial tão lindo!...

E moços e moças

Conversando e rindo.

Ir lá tambem posso;Já não sou pequena,Sou da mesma edadeDa Rita Morena.

Ir lá tambem posso;

Já não sou pequena,

Sou da mesma edade

Da Rita Morena.

Estou já crescida,Sou quasi da alturaDa Rosa, que em breveCasa o senhor Cura.

Estou já crescida,

Sou quasi da altura

Da Rosa, que em breve

Casa o senhor Cura.

Já sei molinharComo um bom moleiro,No moinho do milho,E mais no alveiro.

Já sei molinhar

Como um bom moleiro,

No moinho do milho,

E mais no alveiro.

Já posso co' trigo;Já chego á moéga,Vou mesmo ao travouco,Se ás vezes adrega.

Já posso co' trigo;

Já chego á moéga,

Vou mesmo ao travouco,

Se ás vezes adrega.

Se no tremonadoA farinha é grada,Sei dar na estadêaGeitosa pancada.

Se no tremonado

A farinha é grada,

Sei dar na estadêa

Geitosa pancada.

E se o grão cae poucoSobre a segurelha,Desando o torno,Desço mais a quelha.

E se o grão cae pouco

Sobre a segurelha,

Desando o torno,

Desço mais a quelha.

Quem faz d'estas cousasJá não é criança:Já póde ir ás festas,Já canta e já dança.

Quem faz d'estas cousas

Já não é criança:

Já póde ir ás festas,

Já canta e já dança.

Dê-me o chapéu fino,E a roupa asseada,Que eu ir lá não devoToda enfarinhada.

Dê-me o chapéu fino,

E a roupa asseada,

Que eu ir lá não devo

Toda enfarinhada.

Heide ir de chinellas,De meias de linho,Camisa mui branca...Mas não de farinha.

Heide ir de chinellas,

De meias de linho,

Camisa mui branca...

Mas não de farinha.

Não quero se riaDe mim todo o povo;Dê-me a saia verde,Quero o gibão novo.

Não quero se ria

De mim todo o povo;

Dê-me a saia verde,

Quero o gibão novo.

Que se eu levo o outroTão coçado e antigo,Não virão os moçosConversar commigo.

Que se eu levo o outro

Tão coçado e antigo,

Não virão os moços

Conversar commigo.

Eu quero mostrar-meNo largo da egreja,E mordam-se as outrasEmbora de inveja.

Eu quero mostrar-me

No largo da egreja,

E mordam-se as outras

Embora de inveja.

E se perguntaremQuem é a gaiteira,Saibam pois que é filhaDa Thereza moleira.

E se perguntarem

Quem é a gaiteira,

Saibam pois que é filha

Da Thereza moleira.

Henrique Augusto,A Grinalda, t. III, p. 7. Porto, 1860.

Henrique Augusto,A Grinalda, t. III, p. 7. Porto, 1860.

Uma vez que eu recolhia,Para dar aos meus amores,No jardim da poesiaUm ramo de varias flores,Trouxe, pousada na rosa,Leve e gentil mariposa.Olhando-a então mais de perto,Reconheci que a bellezaExcede muito, de certo,Nos reinos da naturezaAquella que um vate gera,E á qual eu já culto déra!Vi as escamas subtisEm forma de bellas pennas,Que dão ás azas matiz,E as delicadas antennas:E comecei a ver mais,Estudando os animaes.Vi a próvida formiga,Vi a aranha tecedeira,Vi a abelha nossa amiga,Vi a vêspa carniceira:E o sirgho, que a sêda tece,Com que os homens enriquece.Vi as conchas variadasNa fórma, grandeza e côres,Umas nas aguas salgadas,Lá vivem com seus amores;Outras nos rios e fontes;E outras nos valles e montes.Que bizarra a creação!Que o cantinho mais escuroNão deixara na exempçãoD'um habitante seguro!Que as entranhas d'outros têmEntes com vida tambem.Se á lyra desafinadaJá cantei a noite e o sol,Hoje, sem lyra, sem nada,Serei tambem rouxinol:Cantarei da naturezaSolida graça e belleza;E porque amor não me inspira,Já troquei a minha lyraPela casca d'um caracol.1862Augusto Luso,Grinalda, t. VI, p. 103.

Uma vez que eu recolhia,Para dar aos meus amores,No jardim da poesiaUm ramo de varias flores,Trouxe, pousada na rosa,Leve e gentil mariposa.Olhando-a então mais de perto,Reconheci que a bellezaExcede muito, de certo,Nos reinos da naturezaAquella que um vate gera,E á qual eu já culto déra!Vi as escamas subtisEm forma de bellas pennas,Que dão ás azas matiz,E as delicadas antennas:E comecei a ver mais,Estudando os animaes.Vi a próvida formiga,Vi a aranha tecedeira,Vi a abelha nossa amiga,Vi a vêspa carniceira:E o sirgho, que a sêda tece,Com que os homens enriquece.Vi as conchas variadasNa fórma, grandeza e côres,Umas nas aguas salgadas,Lá vivem com seus amores;Outras nos rios e fontes;E outras nos valles e montes.Que bizarra a creação!Que o cantinho mais escuroNão deixara na exempçãoD'um habitante seguro!Que as entranhas d'outros têmEntes com vida tambem.Se á lyra desafinadaJá cantei a noite e o sol,Hoje, sem lyra, sem nada,Serei tambem rouxinol:Cantarei da naturezaSolida graça e belleza;E porque amor não me inspira,Já troquei a minha lyraPela casca d'um caracol.1862Augusto Luso,Grinalda, t. VI, p. 103.

Uma vez que eu recolhia,Para dar aos meus amores,No jardim da poesiaUm ramo de varias flores,Trouxe, pousada na rosa,Leve e gentil mariposa.

Uma vez que eu recolhia,

Para dar aos meus amores,

No jardim da poesia

Um ramo de varias flores,

Trouxe, pousada na rosa,

Leve e gentil mariposa.

Olhando-a então mais de perto,Reconheci que a bellezaExcede muito, de certo,Nos reinos da naturezaAquella que um vate gera,E á qual eu já culto déra!

Olhando-a então mais de perto,

Reconheci que a belleza

Excede muito, de certo,

Nos reinos da natureza

Aquella que um vate gera,

E á qual eu já culto déra!

Vi as escamas subtisEm forma de bellas pennas,Que dão ás azas matiz,E as delicadas antennas:E comecei a ver mais,Estudando os animaes.

Vi as escamas subtis

Em forma de bellas pennas,

Que dão ás azas matiz,

E as delicadas antennas:

E comecei a ver mais,

Estudando os animaes.

Vi a próvida formiga,Vi a aranha tecedeira,Vi a abelha nossa amiga,Vi a vêspa carniceira:E o sirgho, que a sêda tece,Com que os homens enriquece.

Vi a próvida formiga,

Vi a aranha tecedeira,

Vi a abelha nossa amiga,

Vi a vêspa carniceira:

E o sirgho, que a sêda tece,

Com que os homens enriquece.

Vi as conchas variadasNa fórma, grandeza e côres,Umas nas aguas salgadas,Lá vivem com seus amores;Outras nos rios e fontes;E outras nos valles e montes.

Vi as conchas variadas

Na fórma, grandeza e côres,

Umas nas aguas salgadas,

Lá vivem com seus amores;

Outras nos rios e fontes;

E outras nos valles e montes.

Que bizarra a creação!Que o cantinho mais escuroNão deixara na exempçãoD'um habitante seguro!Que as entranhas d'outros têmEntes com vida tambem.

Que bizarra a creação!

Que o cantinho mais escuro

Não deixara na exempção

D'um habitante seguro!

Que as entranhas d'outros têm

Entes com vida tambem.

Se á lyra desafinadaJá cantei a noite e o sol,Hoje, sem lyra, sem nada,Serei tambem rouxinol:Cantarei da naturezaSolida graça e belleza;E porque amor não me inspira,Já troquei a minha lyraPela casca d'um caracol.

Se á lyra desafinada

Já cantei a noite e o sol,

Hoje, sem lyra, sem nada,

Serei tambem rouxinol:

Cantarei da natureza

Solida graça e belleza;

E porque amor não me inspira,

Já troquei a minha lyra

Pela casca d'um caracol.

1862Augusto Luso,Grinalda, t. VI, p. 103.

1862

Augusto Luso,Grinalda, t. VI, p. 103.

Nos toscos degráos da portaDe egreja rustica e antiga,Velha trémula mendigaImplorava compaixão.Quasi um seculo contadoDe atribulada existencia,Eil-a, enferma e na indigencia,Que á piedade estende a mão.Duas crianças brincavamA distancia, na alameda;Uma trajava de sêda,Da outra humilde era o trajar!Uma era rica, outra pobre,Ambas loiras e formosas,Nas faces a côr das rosas,Nos olhos o azul do ár.A rica, ao deixar os jogos,Vencida pelo cançassoViu a mendiga,—e ao regaçoUma esmola lhe lançou.Ella recebe-a; e a criança,Que a soccorre compassiva,Em préce fervente e viva,Aos anjos encommendou.De um ligeiro sentimentoDe vaidade possuida,Á criança mal vestidaDisse a do rico trajar:«O prazer de dar esmolasA ti e aos teus não é dado;Pobre como és, coitado,Aos pobres o que has de dar?»Então a criança pobre,Sem más sombras de desgosto,Tendo o sorriso no rostoDa egreja se aproximou,E após, serena, em silencio,Ao chegar junto da velha,Descobrindo-se, ajoelha,E a magra mão lhe beijou.E a mendiga, alvoroçada,Ao collo os braços lhe lança,E beija a pobre criança,Chorando de commoção!É assim que a caridadeDo pobre ao pobre consola;Nem só da mão sae a esmola,Sae tambem do coração.Julio Diniz, (Gomes Coelho)Grinalda, t. VI, p. 115.

Nos toscos degráos da portaDe egreja rustica e antiga,Velha trémula mendigaImplorava compaixão.Quasi um seculo contadoDe atribulada existencia,Eil-a, enferma e na indigencia,Que á piedade estende a mão.Duas crianças brincavamA distancia, na alameda;Uma trajava de sêda,Da outra humilde era o trajar!Uma era rica, outra pobre,Ambas loiras e formosas,Nas faces a côr das rosas,Nos olhos o azul do ár.A rica, ao deixar os jogos,Vencida pelo cançassoViu a mendiga,—e ao regaçoUma esmola lhe lançou.Ella recebe-a; e a criança,Que a soccorre compassiva,Em préce fervente e viva,Aos anjos encommendou.De um ligeiro sentimentoDe vaidade possuida,Á criança mal vestidaDisse a do rico trajar:«O prazer de dar esmolasA ti e aos teus não é dado;Pobre como és, coitado,Aos pobres o que has de dar?»Então a criança pobre,Sem más sombras de desgosto,Tendo o sorriso no rostoDa egreja se aproximou,E após, serena, em silencio,Ao chegar junto da velha,Descobrindo-se, ajoelha,E a magra mão lhe beijou.E a mendiga, alvoroçada,Ao collo os braços lhe lança,E beija a pobre criança,Chorando de commoção!É assim que a caridadeDo pobre ao pobre consola;Nem só da mão sae a esmola,Sae tambem do coração.Julio Diniz, (Gomes Coelho)Grinalda, t. VI, p. 115.

Nos toscos degráos da portaDe egreja rustica e antiga,Velha trémula mendigaImplorava compaixão.Quasi um seculo contadoDe atribulada existencia,Eil-a, enferma e na indigencia,Que á piedade estende a mão.

Nos toscos degráos da porta

De egreja rustica e antiga,

Velha trémula mendiga

Implorava compaixão.

Quasi um seculo contado

De atribulada existencia,

Eil-a, enferma e na indigencia,

Que á piedade estende a mão.

Duas crianças brincavamA distancia, na alameda;Uma trajava de sêda,Da outra humilde era o trajar!Uma era rica, outra pobre,Ambas loiras e formosas,Nas faces a côr das rosas,Nos olhos o azul do ár.

Duas crianças brincavam

A distancia, na alameda;

Uma trajava de sêda,

Da outra humilde era o trajar!

Uma era rica, outra pobre,

Ambas loiras e formosas,

Nas faces a côr das rosas,

Nos olhos o azul do ár.

A rica, ao deixar os jogos,Vencida pelo cançassoViu a mendiga,—e ao regaçoUma esmola lhe lançou.Ella recebe-a; e a criança,Que a soccorre compassiva,Em préce fervente e viva,Aos anjos encommendou.

A rica, ao deixar os jogos,

Vencida pelo cançasso

Viu a mendiga,—e ao regaço

Uma esmola lhe lançou.

Ella recebe-a; e a criança,

Que a soccorre compassiva,

Em préce fervente e viva,

Aos anjos encommendou.

De um ligeiro sentimentoDe vaidade possuida,Á criança mal vestidaDisse a do rico trajar:«O prazer de dar esmolasA ti e aos teus não é dado;Pobre como és, coitado,Aos pobres o que has de dar?»

De um ligeiro sentimento

De vaidade possuida,

Á criança mal vestida

Disse a do rico trajar:

«O prazer de dar esmolas

A ti e aos teus não é dado;

Pobre como és, coitado,

Aos pobres o que has de dar?»

Então a criança pobre,Sem más sombras de desgosto,Tendo o sorriso no rostoDa egreja se aproximou,E após, serena, em silencio,Ao chegar junto da velha,Descobrindo-se, ajoelha,E a magra mão lhe beijou.

Então a criança pobre,

Sem más sombras de desgosto,

Tendo o sorriso no rosto

Da egreja se aproximou,

E após, serena, em silencio,

Ao chegar junto da velha,

Descobrindo-se, ajoelha,

E a magra mão lhe beijou.

E a mendiga, alvoroçada,Ao collo os braços lhe lança,E beija a pobre criança,Chorando de commoção!É assim que a caridadeDo pobre ao pobre consola;Nem só da mão sae a esmola,Sae tambem do coração.

E a mendiga, alvoroçada,

Ao collo os braços lhe lança,

E beija a pobre criança,

Chorando de commoção!

É assim que a caridade

Do pobre ao pobre consola;

Nem só da mão sae a esmola,

Sae tambem do coração.

Julio Diniz, (Gomes Coelho)Grinalda, t. VI, p. 115.

Julio Diniz, (Gomes Coelho)Grinalda, t. VI, p. 115.

Os nossos avós jarretas,Lá nos tempos carunchosos,Ao lume, contando pêtas,Entre creados idosos,Passavam noutes seletas.Polkas, chás e contradançasSão cousas que nunca viram!Todas as suas mestrançasD'Africa os mouros sentiramNa ponta das fortes lanças.Tinham barbas não pequenas,Bigode em fórma avultada;Cabelleiras nazarenas,Nunca usaram nem pomadaQue lhes ungisse as melenas.Vinha o padre capellãoAs vidas dos santos lêr,E muitas vezes então,Quem a Asia fez tremerChorava de compunção!Crença tão sincera e piaCreou quasi homens divinos!Da descrença hoje a maniaCria apenas figurinosCom fórmas varias de enguia!Môsca subtil hoje pendeSob mesquinho bigode...Quem a tal miséria attendeCom razão duvidar pódeD'onde esta barba descende!Palavra de um portuguezValia como escriptura:Da barba cabellos trezHypotheca eram seguraQuando o grande Castro a fez!Palavras hoje, aos milhões,Não faltam,... isso é verdade;Mas vê-se tremer sezões,Quem teve tanta bondadeQue emprestou os seus tostões!No castello de FariaSustentou leal soldadoEssa herdada valentia,Com que um cidadão honradoA vida á patria offer'cia!Soube n'Africa o Menezes,Soube n'India o Mascarenhas,Mostrar ao mundo, mil vezes,Que eram mais firmes que penhasOs peitos dos portuguezes.Hoje a walsa e a contradansa ...Suprem bem Tanger e Diu;Foi outr'ora o Gama um pança,E o Albuquerque um sandioQue nem merecem lembrança!Do bom Faria a firmezaFaz hoje morrer de riso!Imbecil por naturezaCuidava, o pobre sem siso,Achar na morte a nobreza!Que parvo! Se se entregáraCom geitinho aos castelhanos,Talvez dinheiro alcançáraCom que rico aos lusitanosPara outra vez se passára!Com estes passos e trespassesDescobriu-se um grande int'resse!Os heroes são os cachaços,Que onde dinheiro appareceA honra lhes cae nos braços!Sópre o norte com excesso,Sópre o sul, leste ou poente,É bom vento, e bom succeso!Quem crava melhor o denteToca a méta do progresso!Ao antigo PortugalParece estar bem provadoQuanto o louvor caiba mal...Que é tontura ser honradoSem n'isso ganhar real.1867Visconde de Azevedo,A Grinalda, t. VI, p. 20.

Os nossos avós jarretas,Lá nos tempos carunchosos,Ao lume, contando pêtas,Entre creados idosos,Passavam noutes seletas.Polkas, chás e contradançasSão cousas que nunca viram!Todas as suas mestrançasD'Africa os mouros sentiramNa ponta das fortes lanças.Tinham barbas não pequenas,Bigode em fórma avultada;Cabelleiras nazarenas,Nunca usaram nem pomadaQue lhes ungisse as melenas.Vinha o padre capellãoAs vidas dos santos lêr,E muitas vezes então,Quem a Asia fez tremerChorava de compunção!Crença tão sincera e piaCreou quasi homens divinos!Da descrença hoje a maniaCria apenas figurinosCom fórmas varias de enguia!Môsca subtil hoje pendeSob mesquinho bigode...Quem a tal miséria attendeCom razão duvidar pódeD'onde esta barba descende!Palavra de um portuguezValia como escriptura:Da barba cabellos trezHypotheca eram seguraQuando o grande Castro a fez!Palavras hoje, aos milhões,Não faltam,... isso é verdade;Mas vê-se tremer sezões,Quem teve tanta bondadeQue emprestou os seus tostões!No castello de FariaSustentou leal soldadoEssa herdada valentia,Com que um cidadão honradoA vida á patria offer'cia!Soube n'Africa o Menezes,Soube n'India o Mascarenhas,Mostrar ao mundo, mil vezes,Que eram mais firmes que penhasOs peitos dos portuguezes.Hoje a walsa e a contradansa ...Suprem bem Tanger e Diu;Foi outr'ora o Gama um pança,E o Albuquerque um sandioQue nem merecem lembrança!Do bom Faria a firmezaFaz hoje morrer de riso!Imbecil por naturezaCuidava, o pobre sem siso,Achar na morte a nobreza!Que parvo! Se se entregáraCom geitinho aos castelhanos,Talvez dinheiro alcançáraCom que rico aos lusitanosPara outra vez se passára!Com estes passos e trespassesDescobriu-se um grande int'resse!Os heroes são os cachaços,Que onde dinheiro appareceA honra lhes cae nos braços!Sópre o norte com excesso,Sópre o sul, leste ou poente,É bom vento, e bom succeso!Quem crava melhor o denteToca a méta do progresso!Ao antigo PortugalParece estar bem provadoQuanto o louvor caiba mal...Que é tontura ser honradoSem n'isso ganhar real.1867Visconde de Azevedo,A Grinalda, t. VI, p. 20.

Os nossos avós jarretas,Lá nos tempos carunchosos,Ao lume, contando pêtas,Entre creados idosos,Passavam noutes seletas.

Os nossos avós jarretas,

Lá nos tempos carunchosos,

Ao lume, contando pêtas,

Entre creados idosos,

Passavam noutes seletas.

Polkas, chás e contradançasSão cousas que nunca viram!Todas as suas mestrançasD'Africa os mouros sentiramNa ponta das fortes lanças.

Polkas, chás e contradanças

São cousas que nunca viram!

Todas as suas mestranças

D'Africa os mouros sentiram

Na ponta das fortes lanças.

Tinham barbas não pequenas,Bigode em fórma avultada;Cabelleiras nazarenas,Nunca usaram nem pomadaQue lhes ungisse as melenas.

Tinham barbas não pequenas,

Bigode em fórma avultada;

Cabelleiras nazarenas,

Nunca usaram nem pomada

Que lhes ungisse as melenas.

Vinha o padre capellãoAs vidas dos santos lêr,E muitas vezes então,Quem a Asia fez tremerChorava de compunção!

Vinha o padre capellão

As vidas dos santos lêr,

E muitas vezes então,

Quem a Asia fez tremer

Chorava de compunção!

Crença tão sincera e piaCreou quasi homens divinos!Da descrença hoje a maniaCria apenas figurinosCom fórmas varias de enguia!

Crença tão sincera e pia

Creou quasi homens divinos!

Da descrença hoje a mania

Cria apenas figurinos

Com fórmas varias de enguia!

Môsca subtil hoje pendeSob mesquinho bigode...Quem a tal miséria attendeCom razão duvidar pódeD'onde esta barba descende!

Môsca subtil hoje pende

Sob mesquinho bigode...

Quem a tal miséria attende

Com razão duvidar póde

D'onde esta barba descende!

Palavra de um portuguezValia como escriptura:Da barba cabellos trezHypotheca eram seguraQuando o grande Castro a fez!

Palavra de um portuguez

Valia como escriptura:

Da barba cabellos trez

Hypotheca eram segura

Quando o grande Castro a fez!

Palavras hoje, aos milhões,Não faltam,... isso é verdade;Mas vê-se tremer sezões,Quem teve tanta bondadeQue emprestou os seus tostões!

Palavras hoje, aos milhões,

Não faltam,... isso é verdade;

Mas vê-se tremer sezões,

Quem teve tanta bondade

Que emprestou os seus tostões!

No castello de FariaSustentou leal soldadoEssa herdada valentia,Com que um cidadão honradoA vida á patria offer'cia!

No castello de Faria

Sustentou leal soldado

Essa herdada valentia,

Com que um cidadão honrado

A vida á patria offer'cia!

Soube n'Africa o Menezes,Soube n'India o Mascarenhas,Mostrar ao mundo, mil vezes,Que eram mais firmes que penhasOs peitos dos portuguezes.

Soube n'Africa o Menezes,

Soube n'India o Mascarenhas,

Mostrar ao mundo, mil vezes,

Que eram mais firmes que penhas

Os peitos dos portuguezes.

Hoje a walsa e a contradansa ...Suprem bem Tanger e Diu;Foi outr'ora o Gama um pança,E o Albuquerque um sandioQue nem merecem lembrança!

Hoje a walsa e a contradansa ...

Suprem bem Tanger e Diu;

Foi outr'ora o Gama um pança,

E o Albuquerque um sandio

Que nem merecem lembrança!

Do bom Faria a firmezaFaz hoje morrer de riso!Imbecil por naturezaCuidava, o pobre sem siso,Achar na morte a nobreza!

Do bom Faria a firmeza

Faz hoje morrer de riso!

Imbecil por natureza

Cuidava, o pobre sem siso,

Achar na morte a nobreza!

Que parvo! Se se entregáraCom geitinho aos castelhanos,Talvez dinheiro alcançáraCom que rico aos lusitanosPara outra vez se passára!

Que parvo! Se se entregára

Com geitinho aos castelhanos,

Talvez dinheiro alcançára

Com que rico aos lusitanos

Para outra vez se passára!

Com estes passos e trespassesDescobriu-se um grande int'resse!Os heroes são os cachaços,Que onde dinheiro appareceA honra lhes cae nos braços!

Com estes passos e trespasses

Descobriu-se um grande int'resse!

Os heroes são os cachaços,

Que onde dinheiro apparece

A honra lhes cae nos braços!

Sópre o norte com excesso,Sópre o sul, leste ou poente,É bom vento, e bom succeso!Quem crava melhor o denteToca a méta do progresso!

Sópre o norte com excesso,

Sópre o sul, leste ou poente,

É bom vento, e bom succeso!

Quem crava melhor o dente

Toca a méta do progresso!

Ao antigo PortugalParece estar bem provadoQuanto o louvor caiba mal...Que é tontura ser honradoSem n'isso ganhar real.

Ao antigo Portugal

Parece estar bem provado

Quanto o louvor caiba mal...

Que é tontura ser honrado

Sem n'isso ganhar real.

1867Visconde de Azevedo,A Grinalda, t. VI, p. 20.

1867Visconde de Azevedo,A Grinalda, t. VI, p. 20.

(Á morte de Carlos Alberto, rei do Piemonte)

Eil-o, o teu defensor, oh liberdade;Eil-o, no extremo leito! Á humanidadeO tributo pagou!Da nobre espada á lamina abraçado,Viveu soldado-rei, e, rei-soldadoSobre a espada expirou.Rasgou-lhe ovante as margens do destino;Foi-lhe rôta bordão de peregrinoEssa espada leal!Hoje é cruz. Do aço puro a cruz só resta,Sentinella da campa ao mundo attestaQue o heroe era mortal.Os Œdipos de um drama incerto e varioTalharam-te na purpura o sudario;Deixaram-te ermo e só!Salve, oh rei! Rei no solio e no abandono;Mais rei no exilio do que os reis no throno,Rei até sobre o pó.

Eil-o, o teu defensor, oh liberdade;Eil-o, no extremo leito! Á humanidadeO tributo pagou!Da nobre espada á lamina abraçado,Viveu soldado-rei, e, rei-soldadoSobre a espada expirou.Rasgou-lhe ovante as margens do destino;Foi-lhe rôta bordão de peregrinoEssa espada leal!Hoje é cruz. Do aço puro a cruz só resta,Sentinella da campa ao mundo attestaQue o heroe era mortal.Os Œdipos de um drama incerto e varioTalharam-te na purpura o sudario;Deixaram-te ermo e só!Salve, oh rei! Rei no solio e no abandono;Mais rei no exilio do que os reis no throno,Rei até sobre o pó.

Eil-o, o teu defensor, oh liberdade;Eil-o, no extremo leito! Á humanidadeO tributo pagou!Da nobre espada á lamina abraçado,Viveu soldado-rei, e, rei-soldadoSobre a espada expirou.

Eil-o, o teu defensor, oh liberdade;

Eil-o, no extremo leito! Á humanidade

O tributo pagou!

Da nobre espada á lamina abraçado,

Viveu soldado-rei, e, rei-soldado

Sobre a espada expirou.

Rasgou-lhe ovante as margens do destino;Foi-lhe rôta bordão de peregrinoEssa espada leal!Hoje é cruz. Do aço puro a cruz só resta,Sentinella da campa ao mundo attestaQue o heroe era mortal.

Rasgou-lhe ovante as margens do destino;

Foi-lhe rôta bordão de peregrino

Essa espada leal!

Hoje é cruz. Do aço puro a cruz só resta,

Sentinella da campa ao mundo attesta

Que o heroe era mortal.

Os Œdipos de um drama incerto e varioTalharam-te na purpura o sudario;Deixaram-te ermo e só!Salve, oh rei! Rei no solio e no abandono;Mais rei no exilio do que os reis no throno,Rei até sobre o pó.

Os Œdipos de um drama incerto e vario

Talharam-te na purpura o sudario;

Deixaram-te ermo e só!

Salve, oh rei! Rei no solio e no abandono;

Mais rei no exilio do que os reis no throno,

Rei até sobre o pó.

Salve, oh martyr, coroadoDos espinhos da paixão;N'uma nova cruz pregadoD'uma nova redempção!O teu Golgotha foi este.Aqui te cobre um cypresteMuita gloria e muita dôr;Aqui teus mares plantaste;Vencido, aqui triumphasteDe ti mesmo vencedor!O calix já trasbordava:Bebeste-o. Foi Deus que o quiz!...Deu a vida á Italia escrava,E a sua alma ao seu paiz.Não dobra a fronte suprema:Impondo o pó no diademaDos extranhos foge á lei,E, holocausto derradeiro,Expia a dor do guerreiroNa sepultura do rei!Foi longa aquella agonia!Foi curta aquella afflicção!Desceu rapida n'um diaDa cabeça ao coração.Entre as balas despedidas,Entre as phalanges caídas,Ficou tranquillo e de pé,Como o cedro da montanha,Que, da tormenta na sanha,As selvas prostradas vé!Pela Italia, Hespanha e FrançaDepois, calado, galgou;E por momentos descançaOnde o somno lhe faltou!Chega, observa, scisma e pára.O soldado de NaváraQuer ter por leito final,Quer por leito das batalhasEste berço de muralhasQue fez livre Portugal;Onde a nossa liberdadeMartyr, heroica nasceu,Pela sua magestadeHeroica e martyr morreu.Das glorias tuas, oh Douro,Accrescentaste o thesouroO que é ligando ao que foi,Cingiu teu braço robustoD'um heroe ao resto augustoA memoria d'outro heroe!Ambos firmes combateramPara a patria libertar;Ambos do throno desceram,Para a vida á patria dar;Ambos reis, ambos soldados,Ambos fieis a seus fados,Mostraram que no provirPodem ambos muitas vezes,No triumpho ou nos revezesEguaes da historia surgir.

Salve, oh martyr, coroadoDos espinhos da paixão;N'uma nova cruz pregadoD'uma nova redempção!O teu Golgotha foi este.Aqui te cobre um cypresteMuita gloria e muita dôr;Aqui teus mares plantaste;Vencido, aqui triumphasteDe ti mesmo vencedor!O calix já trasbordava:Bebeste-o. Foi Deus que o quiz!...Deu a vida á Italia escrava,E a sua alma ao seu paiz.Não dobra a fronte suprema:Impondo o pó no diademaDos extranhos foge á lei,E, holocausto derradeiro,Expia a dor do guerreiroNa sepultura do rei!Foi longa aquella agonia!Foi curta aquella afflicção!Desceu rapida n'um diaDa cabeça ao coração.Entre as balas despedidas,Entre as phalanges caídas,Ficou tranquillo e de pé,Como o cedro da montanha,Que, da tormenta na sanha,As selvas prostradas vé!Pela Italia, Hespanha e FrançaDepois, calado, galgou;E por momentos descançaOnde o somno lhe faltou!Chega, observa, scisma e pára.O soldado de NaváraQuer ter por leito final,Quer por leito das batalhasEste berço de muralhasQue fez livre Portugal;Onde a nossa liberdadeMartyr, heroica nasceu,Pela sua magestadeHeroica e martyr morreu.Das glorias tuas, oh Douro,Accrescentaste o thesouroO que é ligando ao que foi,Cingiu teu braço robustoD'um heroe ao resto augustoA memoria d'outro heroe!Ambos firmes combateramPara a patria libertar;Ambos do throno desceram,Para a vida á patria dar;Ambos reis, ambos soldados,Ambos fieis a seus fados,Mostraram que no provirPodem ambos muitas vezes,No triumpho ou nos revezesEguaes da historia surgir.

Salve, oh martyr, coroadoDos espinhos da paixão;N'uma nova cruz pregadoD'uma nova redempção!O teu Golgotha foi este.Aqui te cobre um cypresteMuita gloria e muita dôr;Aqui teus mares plantaste;Vencido, aqui triumphasteDe ti mesmo vencedor!

Salve, oh martyr, coroado

Dos espinhos da paixão;

N'uma nova cruz pregado

D'uma nova redempção!

O teu Golgotha foi este.

Aqui te cobre um cypreste

Muita gloria e muita dôr;

Aqui teus mares plantaste;

Vencido, aqui triumphaste

De ti mesmo vencedor!

O calix já trasbordava:Bebeste-o. Foi Deus que o quiz!...Deu a vida á Italia escrava,E a sua alma ao seu paiz.Não dobra a fronte suprema:Impondo o pó no diademaDos extranhos foge á lei,E, holocausto derradeiro,Expia a dor do guerreiroNa sepultura do rei!

O calix já trasbordava:

Bebeste-o. Foi Deus que o quiz!...

Deu a vida á Italia escrava,

E a sua alma ao seu paiz.

Não dobra a fronte suprema:

Impondo o pó no diadema

Dos extranhos foge á lei,

E, holocausto derradeiro,

Expia a dor do guerreiro

Na sepultura do rei!

Foi longa aquella agonia!Foi curta aquella afflicção!Desceu rapida n'um diaDa cabeça ao coração.Entre as balas despedidas,Entre as phalanges caídas,Ficou tranquillo e de pé,Como o cedro da montanha,Que, da tormenta na sanha,As selvas prostradas vé!

Foi longa aquella agonia!

Foi curta aquella afflicção!

Desceu rapida n'um dia

Da cabeça ao coração.

Entre as balas despedidas,

Entre as phalanges caídas,

Ficou tranquillo e de pé,

Como o cedro da montanha,

Que, da tormenta na sanha,

As selvas prostradas vé!

Pela Italia, Hespanha e FrançaDepois, calado, galgou;E por momentos descançaOnde o somno lhe faltou!Chega, observa, scisma e pára.O soldado de NaváraQuer ter por leito final,Quer por leito das batalhasEste berço de muralhasQue fez livre Portugal;

Pela Italia, Hespanha e França

Depois, calado, galgou;

E por momentos descança

Onde o somno lhe faltou!

Chega, observa, scisma e pára.

O soldado de Navára

Quer ter por leito final,

Quer por leito das batalhas

Este berço de muralhas

Que fez livre Portugal;

Onde a nossa liberdadeMartyr, heroica nasceu,Pela sua magestadeHeroica e martyr morreu.Das glorias tuas, oh Douro,Accrescentaste o thesouroO que é ligando ao que foi,Cingiu teu braço robustoD'um heroe ao resto augustoA memoria d'outro heroe!

Onde a nossa liberdade

Martyr, heroica nasceu,

Pela sua magestade

Heroica e martyr morreu.

Das glorias tuas, oh Douro,

Accrescentaste o thesouro

O que é ligando ao que foi,

Cingiu teu braço robusto

D'um heroe ao resto augusto

A memoria d'outro heroe!

Ambos firmes combateramPara a patria libertar;Ambos do throno desceram,Para a vida á patria dar;Ambos reis, ambos soldados,Ambos fieis a seus fados,Mostraram que no provirPodem ambos muitas vezes,No triumpho ou nos revezesEguaes da historia surgir.

Ambos firmes combateram

Para a patria libertar;

Ambos do throno desceram,

Para a vida á patria dar;

Ambos reis, ambos soldados,

Ambos fieis a seus fados,

Mostraram que no provir

Podem ambos muitas vezes,

No triumpho ou nos revezes

Eguaes da historia surgir.

Ferve o sangue, troveja a batalha!Tine o ferro, rebomba o canhão!Pavorosa sibila a metralha,Varre as filas, dispersa-as no chão.Lá galopam, se imbebem, se enlaçamUns aos outros, rivaes esquadrões;Corpo a corpo ferventes se abraçamEm sangrentos, crueis turbilhões.No lampejo do gladio vermelhoFulge o raio que a morte vibrou!...Sem seu filho a gemer deixa um velho,Seu esposo uma esposa deixou.D'essa immensa procella da guerra,D'esse ardente, confuso stridor,Que ficou? Uma corôa por terra,Uma bella cativa, um senhor!Pobre Italia, tão bella e tão tristeNo teu vasto, florído jardim!Foi-te ingrata a fortuna, cahiste;Mas a quéda de um povo tem fim.Infelizes! Da turba guerreiraFica um resto, que, prompto a morrer,Cobre a face co' a rôta bandeira,Para ao menos a affronta não vêr.Mudos prantos os rostos consommem,Dos valentes de Goito... Que adeus!Era a sombra de um rei e de um homem,Que passava em silencio entre os seus.E passava. Expirar não lograraSob o golpe que em vão procurou;Mas a vida que o céo lhe deixáraEntre os braços da patria a deixou.

Ferve o sangue, troveja a batalha!Tine o ferro, rebomba o canhão!Pavorosa sibila a metralha,Varre as filas, dispersa-as no chão.Lá galopam, se imbebem, se enlaçamUns aos outros, rivaes esquadrões;Corpo a corpo ferventes se abraçamEm sangrentos, crueis turbilhões.No lampejo do gladio vermelhoFulge o raio que a morte vibrou!...Sem seu filho a gemer deixa um velho,Seu esposo uma esposa deixou.D'essa immensa procella da guerra,D'esse ardente, confuso stridor,Que ficou? Uma corôa por terra,Uma bella cativa, um senhor!Pobre Italia, tão bella e tão tristeNo teu vasto, florído jardim!Foi-te ingrata a fortuna, cahiste;Mas a quéda de um povo tem fim.Infelizes! Da turba guerreiraFica um resto, que, prompto a morrer,Cobre a face co' a rôta bandeira,Para ao menos a affronta não vêr.Mudos prantos os rostos consommem,Dos valentes de Goito... Que adeus!Era a sombra de um rei e de um homem,Que passava em silencio entre os seus.E passava. Expirar não lograraSob o golpe que em vão procurou;Mas a vida que o céo lhe deixáraEntre os braços da patria a deixou.

Ferve o sangue, troveja a batalha!Tine o ferro, rebomba o canhão!Pavorosa sibila a metralha,Varre as filas, dispersa-as no chão.

Ferve o sangue, troveja a batalha!

Tine o ferro, rebomba o canhão!

Pavorosa sibila a metralha,

Varre as filas, dispersa-as no chão.

Lá galopam, se imbebem, se enlaçamUns aos outros, rivaes esquadrões;Corpo a corpo ferventes se abraçamEm sangrentos, crueis turbilhões.

Lá galopam, se imbebem, se enlaçam

Uns aos outros, rivaes esquadrões;

Corpo a corpo ferventes se abraçam

Em sangrentos, crueis turbilhões.

No lampejo do gladio vermelhoFulge o raio que a morte vibrou!...Sem seu filho a gemer deixa um velho,Seu esposo uma esposa deixou.

No lampejo do gladio vermelho

Fulge o raio que a morte vibrou!...

Sem seu filho a gemer deixa um velho,

Seu esposo uma esposa deixou.

D'essa immensa procella da guerra,D'esse ardente, confuso stridor,Que ficou? Uma corôa por terra,Uma bella cativa, um senhor!

D'essa immensa procella da guerra,

D'esse ardente, confuso stridor,

Que ficou? Uma corôa por terra,

Uma bella cativa, um senhor!

Pobre Italia, tão bella e tão tristeNo teu vasto, florído jardim!Foi-te ingrata a fortuna, cahiste;Mas a quéda de um povo tem fim.

Pobre Italia, tão bella e tão triste

No teu vasto, florído jardim!

Foi-te ingrata a fortuna, cahiste;

Mas a quéda de um povo tem fim.

Infelizes! Da turba guerreiraFica um resto, que, prompto a morrer,Cobre a face co' a rôta bandeira,Para ao menos a affronta não vêr.

Infelizes! Da turba guerreira

Fica um resto, que, prompto a morrer,

Cobre a face co' a rôta bandeira,

Para ao menos a affronta não vêr.

Mudos prantos os rostos consommem,Dos valentes de Goito... Que adeus!Era a sombra de um rei e de um homem,Que passava em silencio entre os seus.

Mudos prantos os rostos consommem,

Dos valentes de Goito... Que adeus!

Era a sombra de um rei e de um homem,

Que passava em silencio entre os seus.

E passava. Expirar não lograraSob o golpe que em vão procurou;Mas a vida que o céo lhe deixáraEntre os braços da patria a deixou.

E passava. Expirar não lograra

Sob o golpe que em vão procurou;

Mas a vida que o céo lhe deixára

Entre os braços da patria a deixou.

Salve, salve, oh magestadeMoribunda a succumbir!Como o espinho da saudadeTe havia fundo pungir!Como o homem soffreriaDo monarcha na agonia!Longe do que era tão seu,Da esposa e filhos briosos,E dos campos seus formosos,E do seu formoso céo!—Patria, adeus! Italia minha,Oh terra que tanto amei!Se te não fiz ser rainha,Não quiz mais tambem ser rei!Adeus, margens do Tessino,Sentença do meu destino!Adeus, povo que escolhi;Sê tu justo e livre e forte,Possa dar-te a minha morteO que em vida não vencí.—Assim dizia; e lançandoOs olhos em derredor,E vendo afflicto chorandoOutro povo aquella dor,Resoluto accrescentara:—O soldado de NaváraMorre contente afinal,Morre ao ecco das batalhas,N'este berço de muralhas,Que fez livre Portugal.—J. S.Mendes Leal,Canticos, p. 227. Lisboa, 1858.

Salve, salve, oh magestadeMoribunda a succumbir!Como o espinho da saudadeTe havia fundo pungir!Como o homem soffreriaDo monarcha na agonia!Longe do que era tão seu,Da esposa e filhos briosos,E dos campos seus formosos,E do seu formoso céo!—Patria, adeus! Italia minha,Oh terra que tanto amei!Se te não fiz ser rainha,Não quiz mais tambem ser rei!Adeus, margens do Tessino,Sentença do meu destino!Adeus, povo que escolhi;Sê tu justo e livre e forte,Possa dar-te a minha morteO que em vida não vencí.—Assim dizia; e lançandoOs olhos em derredor,E vendo afflicto chorandoOutro povo aquella dor,Resoluto accrescentara:—O soldado de NaváraMorre contente afinal,Morre ao ecco das batalhas,N'este berço de muralhas,Que fez livre Portugal.—J. S.Mendes Leal,Canticos, p. 227. Lisboa, 1858.

Salve, salve, oh magestadeMoribunda a succumbir!Como o espinho da saudadeTe havia fundo pungir!Como o homem soffreriaDo monarcha na agonia!Longe do que era tão seu,Da esposa e filhos briosos,E dos campos seus formosos,E do seu formoso céo!

Salve, salve, oh magestade

Moribunda a succumbir!

Como o espinho da saudade

Te havia fundo pungir!

Como o homem soffreria

Do monarcha na agonia!

Longe do que era tão seu,

Da esposa e filhos briosos,

E dos campos seus formosos,

E do seu formoso céo!

—Patria, adeus! Italia minha,Oh terra que tanto amei!Se te não fiz ser rainha,Não quiz mais tambem ser rei!Adeus, margens do Tessino,Sentença do meu destino!Adeus, povo que escolhi;Sê tu justo e livre e forte,Possa dar-te a minha morteO que em vida não vencí.—

—Patria, adeus! Italia minha,

Oh terra que tanto amei!

Se te não fiz ser rainha,

Não quiz mais tambem ser rei!

Adeus, margens do Tessino,

Sentença do meu destino!

Adeus, povo que escolhi;

Sê tu justo e livre e forte,

Possa dar-te a minha morte

O que em vida não vencí.—

Assim dizia; e lançandoOs olhos em derredor,E vendo afflicto chorandoOutro povo aquella dor,Resoluto accrescentara:—O soldado de NaváraMorre contente afinal,Morre ao ecco das batalhas,N'este berço de muralhas,Que fez livre Portugal.—

Assim dizia; e lançando

Os olhos em derredor,

E vendo afflicto chorando

Outro povo aquella dor,

Resoluto accrescentara:

—O soldado de Navára

Morre contente afinal,

Morre ao ecco das batalhas,

N'este berço de muralhas,

Que fez livre Portugal.—

J. S.Mendes Leal,Canticos, p. 227. Lisboa, 1858.

J. S.Mendes Leal,Canticos, p. 227. Lisboa, 1858.

Tu queres que eu conte um sonho que tive,Não sei se acordado, não sei se a dormir:Foi todo singelo, foi todo innocente,Tu córas—sorris-te; tens medo de ouvir?Não córes, escuta; não fujas de mim,Que o sonho foi sonho de casta invenção;Já crês—não duvidas—verás como é lindoO sonho innocente do meu coração.Eu via em teus labios um meigo sorriso,Em teus olhos negros um terno mirar,Teu seio de neve a arfar docemente.Sentia nas faces o teu respirar.E tu não fallavas, mas eu entendia,E tu não fallavas,—mas eu bem ouvíAmor!—na minh'alma a voz me dizia,E um beijo na fronte não sei se o sentí.Já vês, o meu sonho é sonho innocente,O resto eu te conto; como hades gostar!É todo singelo—de amores sómente,Verás que ao ouvil-o não hasde córar.Depois apertando teu corpo ligeiro,Cingindo teu collo no braço a tremer,Ouvi uma falla—e o que ella diziaAgora acordado não posso dizer.Não posso contar-t'a, só pude sentil-a,Não posso contar-t'a senão a sonharNo sonho innocente—no sonho de amoresQue tu, duvidosa, julgavas córar:Não posso contar-t'a, nem sei se acordadoO que ella dizia se póde entender;Eu sei que sonhando pensei que era sonho,E agora acordado a não posso esquecer.Mas tu porque escondes a face córada?Não tem nada o sonho que faça córar?É todo singello—é todo innocente,Que importa um abraço, se é dado a sonhar?Mas tu não te escondas, que eu fico calado,Não quero offender-te a casta isempção,Não torno a contar-te depois de acordadoO sonho innocente do meu coração.R. de Bulhão Pato.

Tu queres que eu conte um sonho que tive,Não sei se acordado, não sei se a dormir:Foi todo singelo, foi todo innocente,Tu córas—sorris-te; tens medo de ouvir?Não córes, escuta; não fujas de mim,Que o sonho foi sonho de casta invenção;Já crês—não duvidas—verás como é lindoO sonho innocente do meu coração.Eu via em teus labios um meigo sorriso,Em teus olhos negros um terno mirar,Teu seio de neve a arfar docemente.Sentia nas faces o teu respirar.E tu não fallavas, mas eu entendia,E tu não fallavas,—mas eu bem ouvíAmor!—na minh'alma a voz me dizia,E um beijo na fronte não sei se o sentí.Já vês, o meu sonho é sonho innocente,O resto eu te conto; como hades gostar!É todo singelo—de amores sómente,Verás que ao ouvil-o não hasde córar.Depois apertando teu corpo ligeiro,Cingindo teu collo no braço a tremer,Ouvi uma falla—e o que ella diziaAgora acordado não posso dizer.Não posso contar-t'a, só pude sentil-a,Não posso contar-t'a senão a sonharNo sonho innocente—no sonho de amoresQue tu, duvidosa, julgavas córar:Não posso contar-t'a, nem sei se acordadoO que ella dizia se póde entender;Eu sei que sonhando pensei que era sonho,E agora acordado a não posso esquecer.Mas tu porque escondes a face córada?Não tem nada o sonho que faça córar?É todo singello—é todo innocente,Que importa um abraço, se é dado a sonhar?Mas tu não te escondas, que eu fico calado,Não quero offender-te a casta isempção,Não torno a contar-te depois de acordadoO sonho innocente do meu coração.R. de Bulhão Pato.

Tu queres que eu conte um sonho que tive,Não sei se acordado, não sei se a dormir:Foi todo singelo, foi todo innocente,Tu córas—sorris-te; tens medo de ouvir?

Tu queres que eu conte um sonho que tive,

Não sei se acordado, não sei se a dormir:

Foi todo singelo, foi todo innocente,

Tu córas—sorris-te; tens medo de ouvir?

Não córes, escuta; não fujas de mim,Que o sonho foi sonho de casta invenção;Já crês—não duvidas—verás como é lindoO sonho innocente do meu coração.

Não córes, escuta; não fujas de mim,

Que o sonho foi sonho de casta invenção;

Já crês—não duvidas—verás como é lindo

O sonho innocente do meu coração.

Eu via em teus labios um meigo sorriso,Em teus olhos negros um terno mirar,Teu seio de neve a arfar docemente.Sentia nas faces o teu respirar.

Eu via em teus labios um meigo sorriso,

Em teus olhos negros um terno mirar,

Teu seio de neve a arfar docemente.

Sentia nas faces o teu respirar.

E tu não fallavas, mas eu entendia,E tu não fallavas,—mas eu bem ouvíAmor!—na minh'alma a voz me dizia,E um beijo na fronte não sei se o sentí.

E tu não fallavas, mas eu entendia,

E tu não fallavas,—mas eu bem ouví

Amor!—na minh'alma a voz me dizia,

E um beijo na fronte não sei se o sentí.

Já vês, o meu sonho é sonho innocente,O resto eu te conto; como hades gostar!É todo singelo—de amores sómente,Verás que ao ouvil-o não hasde córar.

Já vês, o meu sonho é sonho innocente,

O resto eu te conto; como hades gostar!

É todo singelo—de amores sómente,

Verás que ao ouvil-o não hasde córar.

Depois apertando teu corpo ligeiro,Cingindo teu collo no braço a tremer,Ouvi uma falla—e o que ella diziaAgora acordado não posso dizer.

Depois apertando teu corpo ligeiro,

Cingindo teu collo no braço a tremer,

Ouvi uma falla—e o que ella dizia

Agora acordado não posso dizer.

Não posso contar-t'a, só pude sentil-a,Não posso contar-t'a senão a sonharNo sonho innocente—no sonho de amoresQue tu, duvidosa, julgavas córar:

Não posso contar-t'a, só pude sentil-a,

Não posso contar-t'a senão a sonhar

No sonho innocente—no sonho de amores

Que tu, duvidosa, julgavas córar:

Não posso contar-t'a, nem sei se acordadoO que ella dizia se póde entender;Eu sei que sonhando pensei que era sonho,E agora acordado a não posso esquecer.

Não posso contar-t'a, nem sei se acordado

O que ella dizia se póde entender;

Eu sei que sonhando pensei que era sonho,

E agora acordado a não posso esquecer.

Mas tu porque escondes a face córada?Não tem nada o sonho que faça córar?É todo singello—é todo innocente,Que importa um abraço, se é dado a sonhar?

Mas tu porque escondes a face córada?

Não tem nada o sonho que faça córar?

É todo singello—é todo innocente,

Que importa um abraço, se é dado a sonhar?

Mas tu não te escondas, que eu fico calado,Não quero offender-te a casta isempção,Não torno a contar-te depois de acordadoO sonho innocente do meu coração.

Mas tu não te escondas, que eu fico calado,

Não quero offender-te a casta isempção,

Não torno a contar-te depois de acordado

O sonho innocente do meu coração.

R. de Bulhão Pato.

R. de Bulhão Pato.

Passei!—O povo na praçaSe apinhava todo alli;Olha-me a turba devassa,E chama-me doido, e rí.Retiniu a gargalhada,Soturna, fria, pausada,Perdeu-se ao longe,—penseiUm momento em mim;—vaidade!Á turba dei, por piedade,O meu desprezo, e passei!Porque luctas, sociedade,Contra o genio?—Não venceuTeus sophismas a verdadeNos labios de Galileu?E era um doido! De demenciaAlcunhaste a intelligenciaCujo peso te esmagou;Não chamaste louco ao TassoPor fender n'um vôo o espaçoQue o talento lhe apontou?E eu, doido; porque sósinhoNão imploro amor, nem dó!Firme trilho o meu caminho,Mas quero trilhal-o só.Ver-me só n'este degredo,Não profanar um segredo,Nem ir, mendigo servil,Pedir gloria; não careçoDe vender-me pelo preçoDe um sorriso estulto e vil.Se soffrí muito... calei-me,Repreza ficou a voz;No inferno d'alma abrazei-me...Mas eu era e a dor a sós.A ninguem pedi esmolaDe uma lagrima que rolaNas faces por compaixão;Foram só meus gemidos,Não quiz vêr prostituidosMysterios do coração.Tantas fui n'esta alma ardenteVisões lindas conceber!...Que desengano pungente!Encontrei uma mulherEm vez das visões divinas,Colloquei-me entre as ruinasDo meu passado e porvir;Olhei a vida de perto,Tinha um horisonte incerto,Quiz força para reagir;E tive-a. Da dependenciaAs algemas quebrei eu;Nem sequer a esta existenciaPedí o influxo do céo;Porque uma vez, não me esquece,Balbuciei uma prece,D'angustia soltei um ai,Da magoa o brado no anceioQue não teve ecco no seioDe um senhor, que é Deus... que é pae!Ao soffrimento puz termo,Suffoquei n'alma as paixões,E no peito achei um ermoDe affectos, de sensações;Parto de um golpe as cadeiasQue me anciavam: e nas veiasLivre o sangue tem calor;Encontro-me só, mas forte,Salvo o espirito da morte,De um marasmo assustador.D'estes hombros, n'um momento,Arrojei ao longe a cruz;E pedí ao pensamentoEm vez das trevas a luz.Quiz ver e vi: que não senteNinguem, que a palavra menteQue quer dizer—coração;É o homem meu inimigo,E ao que me bradou—amigo,—Recusei volver lhe a mão.Da mulher á face impuraQue me fallou em amorCom hypocrita candura,Com calculado fervor,Com mentido enthusiasmo,Cuspi acerbo sarcasmo;Forcei-a aos olhos baixar;E a mulher e o homem vingáramTamanha affronta e bradaram:Deixem o doido passar!O doido passa; não venhaSer-lhe de estorvo ninguem,N'um abysmo se despenhaRindo ao mal e rindo ao bem!Que vos importa se espandeSua alma assim?—se elle é grandePorque em si é grande a fé;Se vós tremeis por bem pouco...Porém vêdes sempre o loucoFirme, impassivel, de pé.Ernesto Marecos,Primeiras Inspirações, p. 119. Lisboa, 1865.

Passei!—O povo na praçaSe apinhava todo alli;Olha-me a turba devassa,E chama-me doido, e rí.Retiniu a gargalhada,Soturna, fria, pausada,Perdeu-se ao longe,—penseiUm momento em mim;—vaidade!Á turba dei, por piedade,O meu desprezo, e passei!Porque luctas, sociedade,Contra o genio?—Não venceuTeus sophismas a verdadeNos labios de Galileu?E era um doido! De demenciaAlcunhaste a intelligenciaCujo peso te esmagou;Não chamaste louco ao TassoPor fender n'um vôo o espaçoQue o talento lhe apontou?E eu, doido; porque sósinhoNão imploro amor, nem dó!Firme trilho o meu caminho,Mas quero trilhal-o só.Ver-me só n'este degredo,Não profanar um segredo,Nem ir, mendigo servil,Pedir gloria; não careçoDe vender-me pelo preçoDe um sorriso estulto e vil.Se soffrí muito... calei-me,Repreza ficou a voz;No inferno d'alma abrazei-me...Mas eu era e a dor a sós.A ninguem pedi esmolaDe uma lagrima que rolaNas faces por compaixão;Foram só meus gemidos,Não quiz vêr prostituidosMysterios do coração.Tantas fui n'esta alma ardenteVisões lindas conceber!...Que desengano pungente!Encontrei uma mulherEm vez das visões divinas,Colloquei-me entre as ruinasDo meu passado e porvir;Olhei a vida de perto,Tinha um horisonte incerto,Quiz força para reagir;E tive-a. Da dependenciaAs algemas quebrei eu;Nem sequer a esta existenciaPedí o influxo do céo;Porque uma vez, não me esquece,Balbuciei uma prece,D'angustia soltei um ai,Da magoa o brado no anceioQue não teve ecco no seioDe um senhor, que é Deus... que é pae!Ao soffrimento puz termo,Suffoquei n'alma as paixões,E no peito achei um ermoDe affectos, de sensações;Parto de um golpe as cadeiasQue me anciavam: e nas veiasLivre o sangue tem calor;Encontro-me só, mas forte,Salvo o espirito da morte,De um marasmo assustador.D'estes hombros, n'um momento,Arrojei ao longe a cruz;E pedí ao pensamentoEm vez das trevas a luz.Quiz ver e vi: que não senteNinguem, que a palavra menteQue quer dizer—coração;É o homem meu inimigo,E ao que me bradou—amigo,—Recusei volver lhe a mão.Da mulher á face impuraQue me fallou em amorCom hypocrita candura,Com calculado fervor,Com mentido enthusiasmo,Cuspi acerbo sarcasmo;Forcei-a aos olhos baixar;E a mulher e o homem vingáramTamanha affronta e bradaram:Deixem o doido passar!O doido passa; não venhaSer-lhe de estorvo ninguem,N'um abysmo se despenhaRindo ao mal e rindo ao bem!Que vos importa se espandeSua alma assim?—se elle é grandePorque em si é grande a fé;Se vós tremeis por bem pouco...Porém vêdes sempre o loucoFirme, impassivel, de pé.Ernesto Marecos,Primeiras Inspirações, p. 119. Lisboa, 1865.

Passei!—O povo na praçaSe apinhava todo alli;Olha-me a turba devassa,E chama-me doido, e rí.Retiniu a gargalhada,Soturna, fria, pausada,Perdeu-se ao longe,—penseiUm momento em mim;—vaidade!Á turba dei, por piedade,O meu desprezo, e passei!

Passei!—O povo na praça

Se apinhava todo alli;

Olha-me a turba devassa,

E chama-me doido, e rí.

Retiniu a gargalhada,

Soturna, fria, pausada,

Perdeu-se ao longe,—pensei

Um momento em mim;—vaidade!

Á turba dei, por piedade,

O meu desprezo, e passei!

Porque luctas, sociedade,Contra o genio?—Não venceuTeus sophismas a verdadeNos labios de Galileu?E era um doido! De demenciaAlcunhaste a intelligenciaCujo peso te esmagou;Não chamaste louco ao TassoPor fender n'um vôo o espaçoQue o talento lhe apontou?

Porque luctas, sociedade,

Contra o genio?—Não venceu

Teus sophismas a verdade

Nos labios de Galileu?

E era um doido! De demencia

Alcunhaste a intelligencia

Cujo peso te esmagou;

Não chamaste louco ao Tasso

Por fender n'um vôo o espaço

Que o talento lhe apontou?

E eu, doido; porque sósinhoNão imploro amor, nem dó!Firme trilho o meu caminho,Mas quero trilhal-o só.Ver-me só n'este degredo,Não profanar um segredo,Nem ir, mendigo servil,Pedir gloria; não careçoDe vender-me pelo preçoDe um sorriso estulto e vil.

E eu, doido; porque sósinho

Não imploro amor, nem dó!

Firme trilho o meu caminho,

Mas quero trilhal-o só.

Ver-me só n'este degredo,

Não profanar um segredo,

Nem ir, mendigo servil,

Pedir gloria; não careço

De vender-me pelo preço

De um sorriso estulto e vil.

Se soffrí muito... calei-me,Repreza ficou a voz;No inferno d'alma abrazei-me...Mas eu era e a dor a sós.A ninguem pedi esmolaDe uma lagrima que rolaNas faces por compaixão;Foram só meus gemidos,Não quiz vêr prostituidosMysterios do coração.

Se soffrí muito... calei-me,

Repreza ficou a voz;

No inferno d'alma abrazei-me...

Mas eu era e a dor a sós.

A ninguem pedi esmola

De uma lagrima que rola

Nas faces por compaixão;

Foram só meus gemidos,

Não quiz vêr prostituidos

Mysterios do coração.

Tantas fui n'esta alma ardenteVisões lindas conceber!...Que desengano pungente!Encontrei uma mulherEm vez das visões divinas,Colloquei-me entre as ruinasDo meu passado e porvir;Olhei a vida de perto,Tinha um horisonte incerto,Quiz força para reagir;

Tantas fui n'esta alma ardente

Visões lindas conceber!...

Que desengano pungente!

Encontrei uma mulher

Em vez das visões divinas,

Colloquei-me entre as ruinas

Do meu passado e porvir;

Olhei a vida de perto,

Tinha um horisonte incerto,

Quiz força para reagir;

E tive-a. Da dependenciaAs algemas quebrei eu;Nem sequer a esta existenciaPedí o influxo do céo;Porque uma vez, não me esquece,Balbuciei uma prece,D'angustia soltei um ai,Da magoa o brado no anceioQue não teve ecco no seioDe um senhor, que é Deus... que é pae!

E tive-a. Da dependencia

As algemas quebrei eu;

Nem sequer a esta existencia

Pedí o influxo do céo;

Porque uma vez, não me esquece,

Balbuciei uma prece,

D'angustia soltei um ai,

Da magoa o brado no anceio

Que não teve ecco no seio

De um senhor, que é Deus... que é pae!

Ao soffrimento puz termo,Suffoquei n'alma as paixões,E no peito achei um ermoDe affectos, de sensações;Parto de um golpe as cadeiasQue me anciavam: e nas veiasLivre o sangue tem calor;Encontro-me só, mas forte,Salvo o espirito da morte,De um marasmo assustador.

Ao soffrimento puz termo,

Suffoquei n'alma as paixões,

E no peito achei um ermo

De affectos, de sensações;

Parto de um golpe as cadeias

Que me anciavam: e nas veias

Livre o sangue tem calor;

Encontro-me só, mas forte,

Salvo o espirito da morte,

De um marasmo assustador.

D'estes hombros, n'um momento,Arrojei ao longe a cruz;E pedí ao pensamentoEm vez das trevas a luz.Quiz ver e vi: que não senteNinguem, que a palavra menteQue quer dizer—coração;É o homem meu inimigo,E ao que me bradou—amigo,—Recusei volver lhe a mão.

D'estes hombros, n'um momento,

Arrojei ao longe a cruz;

E pedí ao pensamento

Em vez das trevas a luz.

Quiz ver e vi: que não sente

Ninguem, que a palavra mente

Que quer dizer—coração;

É o homem meu inimigo,

E ao que me bradou—amigo,—

Recusei volver lhe a mão.

Da mulher á face impuraQue me fallou em amorCom hypocrita candura,Com calculado fervor,Com mentido enthusiasmo,Cuspi acerbo sarcasmo;Forcei-a aos olhos baixar;E a mulher e o homem vingáramTamanha affronta e bradaram:Deixem o doido passar!

Da mulher á face impura

Que me fallou em amor

Com hypocrita candura,

Com calculado fervor,

Com mentido enthusiasmo,

Cuspi acerbo sarcasmo;

Forcei-a aos olhos baixar;

E a mulher e o homem vingáram

Tamanha affronta e bradaram:

Deixem o doido passar!

O doido passa; não venhaSer-lhe de estorvo ninguem,N'um abysmo se despenhaRindo ao mal e rindo ao bem!Que vos importa se espandeSua alma assim?—se elle é grandePorque em si é grande a fé;Se vós tremeis por bem pouco...Porém vêdes sempre o loucoFirme, impassivel, de pé.

O doido passa; não venha

Ser-lhe de estorvo ninguem,

N'um abysmo se despenha

Rindo ao mal e rindo ao bem!

Que vos importa se espande

Sua alma assim?—se elle é grande

Porque em si é grande a fé;

Se vós tremeis por bem pouco...

Porém vêdes sempre o louco

Firme, impassivel, de pé.

Ernesto Marecos,Primeiras Inspirações, p. 119. Lisboa, 1865.

Ernesto Marecos,Primeiras Inspirações, p. 119. Lisboa, 1865.


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