PARTE IOS LYRICOS PORTUGUEZES
São bellas, bem o sei, essas estrellas,Mil côres divinaes tem essas flôres;Mas eu não tenho, amor, olhos para ellas;Em toda a naturezaNão vejo outra bellezaSe não a ti, a ti!Divina, ai! sim, será a voz que afinaSaudosa, na ramagem densa, umbrosa,Será; mas eu do rouxinol que trinaNão oiço a melodia,Nem sinto outra harmoniaSe não a ti, a ti.Respira, n'aura que entre as flôres gira,Celeste incenso de perfume agreste.Sei... não sinto: minha alma não aspiraNão percebe, não tomaSe não o doce aromaQue vem de ti, de ti.Formosos são os pômos saborosos,É um mimo de nectar o racimo;E eu tenho fome e sêde... sequiosos,Famintos meus desejosEstão... mas é de beijos,É só de ti, de ti.Macia, deve a relva luzidiaDo leito ser, por certo, em que me deito;Mas quem, ao pé de ti, quem poderiaSentir outras caricias,Tocar n'outras deliciasSe não em ti, em ti!A ti! ai, a ti n'os meus sentidosTodos n'um confundidos,Sentem, ouvem, respiram;Em ti, por ti deliram.Em ti, a minha sorte,A minha vida em ti;E quando venha a morte,Será morrer por ti.Almeida Garrett,Folhas Cahidas, p. 169. Lisboa, 1869.
São bellas, bem o sei, essas estrellas,Mil côres divinaes tem essas flôres;Mas eu não tenho, amor, olhos para ellas;Em toda a naturezaNão vejo outra bellezaSe não a ti, a ti!Divina, ai! sim, será a voz que afinaSaudosa, na ramagem densa, umbrosa,Será; mas eu do rouxinol que trinaNão oiço a melodia,Nem sinto outra harmoniaSe não a ti, a ti.Respira, n'aura que entre as flôres gira,Celeste incenso de perfume agreste.Sei... não sinto: minha alma não aspiraNão percebe, não tomaSe não o doce aromaQue vem de ti, de ti.Formosos são os pômos saborosos,É um mimo de nectar o racimo;E eu tenho fome e sêde... sequiosos,Famintos meus desejosEstão... mas é de beijos,É só de ti, de ti.Macia, deve a relva luzidiaDo leito ser, por certo, em que me deito;Mas quem, ao pé de ti, quem poderiaSentir outras caricias,Tocar n'outras deliciasSe não em ti, em ti!A ti! ai, a ti n'os meus sentidosTodos n'um confundidos,Sentem, ouvem, respiram;Em ti, por ti deliram.Em ti, a minha sorte,A minha vida em ti;E quando venha a morte,Será morrer por ti.Almeida Garrett,Folhas Cahidas, p. 169. Lisboa, 1869.
São bellas, bem o sei, essas estrellas,Mil côres divinaes tem essas flôres;Mas eu não tenho, amor, olhos para ellas;Em toda a naturezaNão vejo outra bellezaSe não a ti, a ti!
São bellas, bem o sei, essas estrellas,
Mil côres divinaes tem essas flôres;
Mas eu não tenho, amor, olhos para ellas;
Em toda a natureza
Não vejo outra belleza
Se não a ti, a ti!
Divina, ai! sim, será a voz que afinaSaudosa, na ramagem densa, umbrosa,Será; mas eu do rouxinol que trinaNão oiço a melodia,Nem sinto outra harmoniaSe não a ti, a ti.
Divina, ai! sim, será a voz que afina
Saudosa, na ramagem densa, umbrosa,
Será; mas eu do rouxinol que trina
Não oiço a melodia,
Nem sinto outra harmonia
Se não a ti, a ti.
Respira, n'aura que entre as flôres gira,Celeste incenso de perfume agreste.Sei... não sinto: minha alma não aspiraNão percebe, não tomaSe não o doce aromaQue vem de ti, de ti.
Respira, n'aura que entre as flôres gira,
Celeste incenso de perfume agreste.
Sei... não sinto: minha alma não aspira
Não percebe, não toma
Se não o doce aroma
Que vem de ti, de ti.
Formosos são os pômos saborosos,É um mimo de nectar o racimo;E eu tenho fome e sêde... sequiosos,Famintos meus desejosEstão... mas é de beijos,É só de ti, de ti.
Formosos são os pômos saborosos,
É um mimo de nectar o racimo;
E eu tenho fome e sêde... sequiosos,
Famintos meus desejos
Estão... mas é de beijos,
É só de ti, de ti.
Macia, deve a relva luzidiaDo leito ser, por certo, em que me deito;Mas quem, ao pé de ti, quem poderiaSentir outras caricias,Tocar n'outras deliciasSe não em ti, em ti!
Macia, deve a relva luzidia
Do leito ser, por certo, em que me deito;
Mas quem, ao pé de ti, quem poderia
Sentir outras caricias,
Tocar n'outras delicias
Se não em ti, em ti!
A ti! ai, a ti n'os meus sentidosTodos n'um confundidos,Sentem, ouvem, respiram;Em ti, por ti deliram.Em ti, a minha sorte,A minha vida em ti;E quando venha a morte,Será morrer por ti.
A ti! ai, a ti n'os meus sentidos
Todos n'um confundidos,
Sentem, ouvem, respiram;
Em ti, por ti deliram.
Em ti, a minha sorte,
A minha vida em ti;
E quando venha a morte,
Será morrer por ti.
Almeida Garrett,Folhas Cahidas, p. 169. Lisboa, 1869.
Almeida Garrett,Folhas Cahidas, p. 169. Lisboa, 1869.
(N'um album)
Ah! despreza o meu retratoQue eu lhe queria aqui pôr!Tem medo que lhe desfeieO seu livro de primor?Pois saiba que por despiqueEu sei tambem ser pintor:Co' esta penna por pincel,E a tinta do meu tinteiro,Vou fazer o seu retratoAqui já de corpo inteiro.Vamos a isto. SentadaNa cadeiramoyen-âge,O cabelloen chaitellaines,As mangas soltas. É o traje.Em longas prégas negrasCaía o velludo e arraste,De si com desdem regioCom o pésinho o affaste...N'essa attitude! Está bem:Agora mais um geitinho;A airosa cabeça a um ladoE o lindo pé no banquinho.Aqui estão os contornos, são estes,Nem Daguerre lh'os tira melhor;Este é o ar, esta apose, eu lh'o juroE o trajar que lhe fica melhor.Vamos agora ao difficil:Tirar feição por feição;Entendel-as, que é o ponto,E dar-lhe a justa expressão.Os olhos são côr da noite,Da noite em seu começar,Quando inda é joven, incertaE o dia vem de acabar.Tem uma luz que vae longe,Que faz gosto de queimar:É uma especie de lumeQue serve só de abrazar.Na bocca ha um sorriso amavel,Amavel é... mas queriaSaber se é todo bondadeOu se meio é zombaria.Ninguem m'o diz? O retratoIncompleto ficará,Que n'estas duas feiçõesTodo o sêr, toda a alma está.Pois fiel como um espelhoÉ tudo o que n'elle fiz;E o que lhe falta, que é muito,Tambem o espelho o não diz.Almeida Garrett,Folhas Cahidas, p. 208.
Ah! despreza o meu retratoQue eu lhe queria aqui pôr!Tem medo que lhe desfeieO seu livro de primor?Pois saiba que por despiqueEu sei tambem ser pintor:Co' esta penna por pincel,E a tinta do meu tinteiro,Vou fazer o seu retratoAqui já de corpo inteiro.Vamos a isto. SentadaNa cadeiramoyen-âge,O cabelloen chaitellaines,As mangas soltas. É o traje.Em longas prégas negrasCaía o velludo e arraste,De si com desdem regioCom o pésinho o affaste...N'essa attitude! Está bem:Agora mais um geitinho;A airosa cabeça a um ladoE o lindo pé no banquinho.Aqui estão os contornos, são estes,Nem Daguerre lh'os tira melhor;Este é o ar, esta apose, eu lh'o juroE o trajar que lhe fica melhor.Vamos agora ao difficil:Tirar feição por feição;Entendel-as, que é o ponto,E dar-lhe a justa expressão.Os olhos são côr da noite,Da noite em seu começar,Quando inda é joven, incertaE o dia vem de acabar.Tem uma luz que vae longe,Que faz gosto de queimar:É uma especie de lumeQue serve só de abrazar.Na bocca ha um sorriso amavel,Amavel é... mas queriaSaber se é todo bondadeOu se meio é zombaria.Ninguem m'o diz? O retratoIncompleto ficará,Que n'estas duas feiçõesTodo o sêr, toda a alma está.Pois fiel como um espelhoÉ tudo o que n'elle fiz;E o que lhe falta, que é muito,Tambem o espelho o não diz.Almeida Garrett,Folhas Cahidas, p. 208.
Ah! despreza o meu retratoQue eu lhe queria aqui pôr!Tem medo que lhe desfeieO seu livro de primor?Pois saiba que por despiqueEu sei tambem ser pintor:Co' esta penna por pincel,E a tinta do meu tinteiro,Vou fazer o seu retratoAqui já de corpo inteiro.
Ah! despreza o meu retrato
Que eu lhe queria aqui pôr!
Tem medo que lhe desfeie
O seu livro de primor?
Pois saiba que por despique
Eu sei tambem ser pintor:
Co' esta penna por pincel,
E a tinta do meu tinteiro,
Vou fazer o seu retrato
Aqui já de corpo inteiro.
Vamos a isto. SentadaNa cadeiramoyen-âge,O cabelloen chaitellaines,As mangas soltas. É o traje.
Vamos a isto. Sentada
Na cadeiramoyen-âge,
O cabelloen chaitellaines,
As mangas soltas. É o traje.
Em longas prégas negrasCaía o velludo e arraste,De si com desdem regioCom o pésinho o affaste...
Em longas prégas negras
Caía o velludo e arraste,
De si com desdem regio
Com o pésinho o affaste...
N'essa attitude! Está bem:Agora mais um geitinho;A airosa cabeça a um ladoE o lindo pé no banquinho.
N'essa attitude! Está bem:
Agora mais um geitinho;
A airosa cabeça a um lado
E o lindo pé no banquinho.
Aqui estão os contornos, são estes,Nem Daguerre lh'os tira melhor;Este é o ar, esta apose, eu lh'o juroE o trajar que lhe fica melhor.
Aqui estão os contornos, são estes,
Nem Daguerre lh'os tira melhor;
Este é o ar, esta apose, eu lh'o juro
E o trajar que lhe fica melhor.
Vamos agora ao difficil:Tirar feição por feição;Entendel-as, que é o ponto,E dar-lhe a justa expressão.
Vamos agora ao difficil:
Tirar feição por feição;
Entendel-as, que é o ponto,
E dar-lhe a justa expressão.
Os olhos são côr da noite,Da noite em seu começar,Quando inda é joven, incertaE o dia vem de acabar.
Os olhos são côr da noite,
Da noite em seu começar,
Quando inda é joven, incerta
E o dia vem de acabar.
Tem uma luz que vae longe,Que faz gosto de queimar:É uma especie de lumeQue serve só de abrazar.
Tem uma luz que vae longe,
Que faz gosto de queimar:
É uma especie de lume
Que serve só de abrazar.
Na bocca ha um sorriso amavel,Amavel é... mas queriaSaber se é todo bondadeOu se meio é zombaria.
Na bocca ha um sorriso amavel,
Amavel é... mas queria
Saber se é todo bondade
Ou se meio é zombaria.
Ninguem m'o diz? O retratoIncompleto ficará,Que n'estas duas feiçõesTodo o sêr, toda a alma está.
Ninguem m'o diz? O retrato
Incompleto ficará,
Que n'estas duas feições
Todo o sêr, toda a alma está.
Pois fiel como um espelhoÉ tudo o que n'elle fiz;E o que lhe falta, que é muito,Tambem o espelho o não diz.
Pois fiel como um espelho
É tudo o que n'elle fiz;
E o que lhe falta, que é muito,
Tambem o espelho o não diz.
Almeida Garrett,Folhas Cahidas, p. 208.
Almeida Garrett,Folhas Cahidas, p. 208.
Como a vibora gerado,No coração se formouEste amor amaldiçoadoQue á nascença o espedaçou.Para elle nascer morri;E em meu cadaver nutrido,Foi a vida que eu perdiA vida que tem vivido.Almeida Garrett,Folhas Cahidas, p. 196.
Como a vibora gerado,No coração se formouEste amor amaldiçoadoQue á nascença o espedaçou.Para elle nascer morri;E em meu cadaver nutrido,Foi a vida que eu perdiA vida que tem vivido.Almeida Garrett,Folhas Cahidas, p. 196.
Como a vibora gerado,No coração se formouEste amor amaldiçoadoQue á nascença o espedaçou.
Como a vibora gerado,
No coração se formou
Este amor amaldiçoado
Que á nascença o espedaçou.
Para elle nascer morri;E em meu cadaver nutrido,Foi a vida que eu perdiA vida que tem vivido.
Para elle nascer morri;
E em meu cadaver nutrido,
Foi a vida que eu perdi
A vida que tem vivido.
Almeida Garrett,Folhas Cahidas, p. 196.
Almeida Garrett,Folhas Cahidas, p. 196.
Este inferno de amar como eu amo!Quem m'o poz aqui n'alma... quem foi?Esta chamma que alenta e consomme,Que é a vida, e que a vida destroe,Como é que se veiu a atear,Quando, ai quando se hade ella apagar?Eu não sei, nem me lembra, o passado,A outra vida que d'antes vivíEra um sonho talvez... foi um sonho,Em que paz tão serena a dormí!Oh que doce era aquelle sonhar...Quem me veiu, ai de mim! despertar?Só me lembra que um dia formosoEu passei... dava o sol tanta luz!E os meus olhos, que vagos giravam,Em seus olhos ardentes os puz.Que fez ella? eu que fiz? Não n'o sei;Mas n'essa hora a viver comecei...Almeida Garrett,Folhas Cahidas, p. 149.
Este inferno de amar como eu amo!Quem m'o poz aqui n'alma... quem foi?Esta chamma que alenta e consomme,Que é a vida, e que a vida destroe,Como é que se veiu a atear,Quando, ai quando se hade ella apagar?Eu não sei, nem me lembra, o passado,A outra vida que d'antes vivíEra um sonho talvez... foi um sonho,Em que paz tão serena a dormí!Oh que doce era aquelle sonhar...Quem me veiu, ai de mim! despertar?Só me lembra que um dia formosoEu passei... dava o sol tanta luz!E os meus olhos, que vagos giravam,Em seus olhos ardentes os puz.Que fez ella? eu que fiz? Não n'o sei;Mas n'essa hora a viver comecei...Almeida Garrett,Folhas Cahidas, p. 149.
Este inferno de amar como eu amo!Quem m'o poz aqui n'alma... quem foi?Esta chamma que alenta e consomme,Que é a vida, e que a vida destroe,Como é que se veiu a atear,Quando, ai quando se hade ella apagar?
Este inferno de amar como eu amo!
Quem m'o poz aqui n'alma... quem foi?
Esta chamma que alenta e consomme,
Que é a vida, e que a vida destroe,
Como é que se veiu a atear,
Quando, ai quando se hade ella apagar?
Eu não sei, nem me lembra, o passado,A outra vida que d'antes vivíEra um sonho talvez... foi um sonho,Em que paz tão serena a dormí!Oh que doce era aquelle sonhar...Quem me veiu, ai de mim! despertar?
Eu não sei, nem me lembra, o passado,
A outra vida que d'antes viví
Era um sonho talvez... foi um sonho,
Em que paz tão serena a dormí!
Oh que doce era aquelle sonhar...
Quem me veiu, ai de mim! despertar?
Só me lembra que um dia formosoEu passei... dava o sol tanta luz!E os meus olhos, que vagos giravam,Em seus olhos ardentes os puz.Que fez ella? eu que fiz? Não n'o sei;Mas n'essa hora a viver comecei...
Só me lembra que um dia formoso
Eu passei... dava o sol tanta luz!
E os meus olhos, que vagos giravam,
Em seus olhos ardentes os puz.
Que fez ella? eu que fiz? Não n'o sei;
Mas n'essa hora a viver comecei...
Almeida Garrett,Folhas Cahidas, p. 149.
Almeida Garrett,Folhas Cahidas, p. 149.
Quando eu sonhava, era assimQue nos meus sonhos a via;E era assim que me fugia,Apenas eu despertava,Essa imagem fugidiaQue nunca pude alcançar.Agora que estou despertoAgora a vejo fixar...Para quê?—Quando era vaga,Uma ideia, um pensamento,Um raio de estrella incertoNo immenso firmamento,Uma chimera, um vão sonho,Eu sonhava—mas vivia:Prazer não sabia o que era,Mas dôr, não n'a conhecia...............................Almeida Garrett,Folhas Cahidas, p. 190.
Quando eu sonhava, era assimQue nos meus sonhos a via;E era assim que me fugia,Apenas eu despertava,Essa imagem fugidiaQue nunca pude alcançar.Agora que estou despertoAgora a vejo fixar...Para quê?—Quando era vaga,Uma ideia, um pensamento,Um raio de estrella incertoNo immenso firmamento,Uma chimera, um vão sonho,Eu sonhava—mas vivia:Prazer não sabia o que era,Mas dôr, não n'a conhecia...............................Almeida Garrett,Folhas Cahidas, p. 190.
Quando eu sonhava, era assimQue nos meus sonhos a via;E era assim que me fugia,Apenas eu despertava,Essa imagem fugidiaQue nunca pude alcançar.
Quando eu sonhava, era assim
Que nos meus sonhos a via;
E era assim que me fugia,
Apenas eu despertava,
Essa imagem fugidia
Que nunca pude alcançar.
Agora que estou despertoAgora a vejo fixar...Para quê?—Quando era vaga,Uma ideia, um pensamento,Um raio de estrella incertoNo immenso firmamento,Uma chimera, um vão sonho,Eu sonhava—mas vivia:Prazer não sabia o que era,Mas dôr, não n'a conhecia...............................
Agora que estou desperto
Agora a vejo fixar...
Para quê?—Quando era vaga,
Uma ideia, um pensamento,
Um raio de estrella incerto
No immenso firmamento,
Uma chimera, um vão sonho,
Eu sonhava—mas vivia:
Prazer não sabia o que era,
Mas dôr, não n'a conhecia...
............................
Almeida Garrett,Folhas Cahidas, p. 190.
Almeida Garrett,Folhas Cahidas, p. 190.
Acabava alli a terraNos derradeiros rochedos,A deserta árida serraPor entre os negros penedosSó deixa viver mesquinhoTriste pinheiro maninho.E os ventos despregadosSopravam rijos na rama,E os céos turvos, annuviados,O mar que incessante brama...Tudo alli era bravezaDe selvagem natureza.Ahi, na quebra do monte,Entre uns juncos mal-medrados,Sêcco o rio, sêcca a fonte,Hervas e matos queimados,Ahi n'essa bruta serra,Ahi foi um céo na terra.Alli sós no mundo, sós,Sancto Deus! como vivemos!Como eramos tudo nósE de nada mais soubemos!Como nos folgava a vidaDe tudo o mais esquecida!Que longos beijos sem fim,Que fallar dos olhos mudo!Como ella vivia em mim,Como eu tinha n'ella tudo,Minh'alma em sua razão,Meu sangue em seu coração!Os anjos aquelles diasContaram na eternidade:Que essas horas fugidias,Seculos na intensidade,Por millennios marca DeusQuando as dá aos que são seus.Ai! sim, foi a tragos largos,Longos, fundos que a bebíDo prazer a taça:—amargosDepois... depois os sentiOs travos que ella deixou...Mas como eu ninguem gosou.Ninguem: que é preciso amarComo eu amei—ser amadoComo eu fui; dar e tomarDo outro sêr a quem se ha dado,Toda a razão, toda a vidaQue em nós se annulla perdida.Ai, ai! que pesados annosTardios depois vieram!Oh! que fataes desenganos,Ramo a ramo, a desfizeramA minha choça na serra,Lá onde se acaba a terra!Se o visse... não quero vel-oAquelle sitio encantado;Certo estou não conhecel-o,Tão outro estará mudado,Mudado como eu, como ella,Que a vejo sem conhecel-a!Inda alli acaba a terra,Mas já o céo não começa;Que aquella visão da serraSumiu-se na treva espessa,E deixou núa a brutezaD'essa agreste natureza.Almeida Garrett,Folhas Cahidas, p. 177.
Acabava alli a terraNos derradeiros rochedos,A deserta árida serraPor entre os negros penedosSó deixa viver mesquinhoTriste pinheiro maninho.E os ventos despregadosSopravam rijos na rama,E os céos turvos, annuviados,O mar que incessante brama...Tudo alli era bravezaDe selvagem natureza.Ahi, na quebra do monte,Entre uns juncos mal-medrados,Sêcco o rio, sêcca a fonte,Hervas e matos queimados,Ahi n'essa bruta serra,Ahi foi um céo na terra.Alli sós no mundo, sós,Sancto Deus! como vivemos!Como eramos tudo nósE de nada mais soubemos!Como nos folgava a vidaDe tudo o mais esquecida!Que longos beijos sem fim,Que fallar dos olhos mudo!Como ella vivia em mim,Como eu tinha n'ella tudo,Minh'alma em sua razão,Meu sangue em seu coração!Os anjos aquelles diasContaram na eternidade:Que essas horas fugidias,Seculos na intensidade,Por millennios marca DeusQuando as dá aos que são seus.Ai! sim, foi a tragos largos,Longos, fundos que a bebíDo prazer a taça:—amargosDepois... depois os sentiOs travos que ella deixou...Mas como eu ninguem gosou.Ninguem: que é preciso amarComo eu amei—ser amadoComo eu fui; dar e tomarDo outro sêr a quem se ha dado,Toda a razão, toda a vidaQue em nós se annulla perdida.Ai, ai! que pesados annosTardios depois vieram!Oh! que fataes desenganos,Ramo a ramo, a desfizeramA minha choça na serra,Lá onde se acaba a terra!Se o visse... não quero vel-oAquelle sitio encantado;Certo estou não conhecel-o,Tão outro estará mudado,Mudado como eu, como ella,Que a vejo sem conhecel-a!Inda alli acaba a terra,Mas já o céo não começa;Que aquella visão da serraSumiu-se na treva espessa,E deixou núa a brutezaD'essa agreste natureza.Almeida Garrett,Folhas Cahidas, p. 177.
Acabava alli a terraNos derradeiros rochedos,A deserta árida serraPor entre os negros penedosSó deixa viver mesquinhoTriste pinheiro maninho.
Acabava alli a terra
Nos derradeiros rochedos,
A deserta árida serra
Por entre os negros penedos
Só deixa viver mesquinho
Triste pinheiro maninho.
E os ventos despregadosSopravam rijos na rama,E os céos turvos, annuviados,O mar que incessante brama...Tudo alli era bravezaDe selvagem natureza.
E os ventos despregados
Sopravam rijos na rama,
E os céos turvos, annuviados,
O mar que incessante brama...
Tudo alli era braveza
De selvagem natureza.
Ahi, na quebra do monte,Entre uns juncos mal-medrados,Sêcco o rio, sêcca a fonte,Hervas e matos queimados,Ahi n'essa bruta serra,Ahi foi um céo na terra.
Ahi, na quebra do monte,
Entre uns juncos mal-medrados,
Sêcco o rio, sêcca a fonte,
Hervas e matos queimados,
Ahi n'essa bruta serra,
Ahi foi um céo na terra.
Alli sós no mundo, sós,Sancto Deus! como vivemos!Como eramos tudo nósE de nada mais soubemos!Como nos folgava a vidaDe tudo o mais esquecida!
Alli sós no mundo, sós,
Sancto Deus! como vivemos!
Como eramos tudo nós
E de nada mais soubemos!
Como nos folgava a vida
De tudo o mais esquecida!
Que longos beijos sem fim,Que fallar dos olhos mudo!Como ella vivia em mim,Como eu tinha n'ella tudo,Minh'alma em sua razão,Meu sangue em seu coração!
Que longos beijos sem fim,
Que fallar dos olhos mudo!
Como ella vivia em mim,
Como eu tinha n'ella tudo,
Minh'alma em sua razão,
Meu sangue em seu coração!
Os anjos aquelles diasContaram na eternidade:Que essas horas fugidias,Seculos na intensidade,Por millennios marca DeusQuando as dá aos que são seus.
Os anjos aquelles dias
Contaram na eternidade:
Que essas horas fugidias,
Seculos na intensidade,
Por millennios marca Deus
Quando as dá aos que são seus.
Ai! sim, foi a tragos largos,Longos, fundos que a bebíDo prazer a taça:—amargosDepois... depois os sentiOs travos que ella deixou...Mas como eu ninguem gosou.
Ai! sim, foi a tragos largos,
Longos, fundos que a bebí
Do prazer a taça:—amargos
Depois... depois os senti
Os travos que ella deixou...
Mas como eu ninguem gosou.
Ninguem: que é preciso amarComo eu amei—ser amadoComo eu fui; dar e tomarDo outro sêr a quem se ha dado,Toda a razão, toda a vidaQue em nós se annulla perdida.
Ninguem: que é preciso amar
Como eu amei—ser amado
Como eu fui; dar e tomar
Do outro sêr a quem se ha dado,
Toda a razão, toda a vida
Que em nós se annulla perdida.
Ai, ai! que pesados annosTardios depois vieram!Oh! que fataes desenganos,Ramo a ramo, a desfizeramA minha choça na serra,Lá onde se acaba a terra!
Ai, ai! que pesados annos
Tardios depois vieram!
Oh! que fataes desenganos,
Ramo a ramo, a desfizeram
A minha choça na serra,
Lá onde se acaba a terra!
Se o visse... não quero vel-oAquelle sitio encantado;Certo estou não conhecel-o,Tão outro estará mudado,Mudado como eu, como ella,Que a vejo sem conhecel-a!
Se o visse... não quero vel-o
Aquelle sitio encantado;
Certo estou não conhecel-o,
Tão outro estará mudado,
Mudado como eu, como ella,
Que a vejo sem conhecel-a!
Inda alli acaba a terra,Mas já o céo não começa;Que aquella visão da serraSumiu-se na treva espessa,E deixou núa a brutezaD'essa agreste natureza.
Inda alli acaba a terra,
Mas já o céo não começa;
Que aquella visão da serra
Sumiu-se na treva espessa,
E deixou núa a bruteza
D'essa agreste natureza.
Almeida Garrett,Folhas Cahidas, p. 177.
Almeida Garrett,Folhas Cahidas, p. 177.
Quem disse á estrella o caminhoQue ella hade seguir no céo?A fabricar o seu ninhoComo é que a ave aprendeu?Quem diz á planta: florece!E ao mudo verme que teceSua mortalha de sedaOs fios quem lh'os enreda?Ensinou alguem á abelhaQue no prado anda a zumbirSe á flôr branca ou á vermelhaO seu mel hade ir pedir?Que eras tu meu sêr, querida,Teus olhos a minha vida,Teu amor todo o meu bem...Ai! não m'o disse ninguem.Como a abelha corre ao prado,Como no céo gira a estrella,Como a todo o ente o seu fadoPor instincto se revela,Eu no teu seio divinoVim cumprir o meu destino...Vim, que em ti só sei viver,Só por ti posso morrer.Almeida Garrett,FolhasCahidas, p. 151.
Quem disse á estrella o caminhoQue ella hade seguir no céo?A fabricar o seu ninhoComo é que a ave aprendeu?Quem diz á planta: florece!E ao mudo verme que teceSua mortalha de sedaOs fios quem lh'os enreda?Ensinou alguem á abelhaQue no prado anda a zumbirSe á flôr branca ou á vermelhaO seu mel hade ir pedir?Que eras tu meu sêr, querida,Teus olhos a minha vida,Teu amor todo o meu bem...Ai! não m'o disse ninguem.Como a abelha corre ao prado,Como no céo gira a estrella,Como a todo o ente o seu fadoPor instincto se revela,Eu no teu seio divinoVim cumprir o meu destino...Vim, que em ti só sei viver,Só por ti posso morrer.Almeida Garrett,FolhasCahidas, p. 151.
Quem disse á estrella o caminhoQue ella hade seguir no céo?A fabricar o seu ninhoComo é que a ave aprendeu?Quem diz á planta: florece!E ao mudo verme que teceSua mortalha de sedaOs fios quem lh'os enreda?
Quem disse á estrella o caminho
Que ella hade seguir no céo?
A fabricar o seu ninho
Como é que a ave aprendeu?
Quem diz á planta: florece!
E ao mudo verme que tece
Sua mortalha de seda
Os fios quem lh'os enreda?
Ensinou alguem á abelhaQue no prado anda a zumbirSe á flôr branca ou á vermelhaO seu mel hade ir pedir?Que eras tu meu sêr, querida,Teus olhos a minha vida,Teu amor todo o meu bem...Ai! não m'o disse ninguem.
Ensinou alguem á abelha
Que no prado anda a zumbir
Se á flôr branca ou á vermelha
O seu mel hade ir pedir?
Que eras tu meu sêr, querida,
Teus olhos a minha vida,
Teu amor todo o meu bem...
Ai! não m'o disse ninguem.
Como a abelha corre ao prado,Como no céo gira a estrella,Como a todo o ente o seu fadoPor instincto se revela,Eu no teu seio divinoVim cumprir o meu destino...Vim, que em ti só sei viver,Só por ti posso morrer.
Como a abelha corre ao prado,
Como no céo gira a estrella,
Como a todo o ente o seu fado
Por instincto se revela,
Eu no teu seio divino
Vim cumprir o meu destino...
Vim, que em ti só sei viver,
Só por ti posso morrer.
Almeida Garrett,FolhasCahidas, p. 151.
Almeida Garrett,Folhas
Cahidas, p. 151.
Era assim, tinha esse olhar,A mesma graça, o mesmo ár,Córava da mesma côr,Aquella visão que eu viQuando eu sonhava de amor,Quando em sonhos me perdi.Toda assim; o pórte altivo,O semblante pensativo,E uma suave tristezaQue por toda ella descia,Como um véo que lhe envolvia,Que lhe adoçava a belleza.Era assim; o seu fallar,Ingenuo e quasi vulgar,Tinha o poder da rasãoQue penetra, não seduz;Não era fogo, era luzQue mandava ao coração.Nos olhos tinha esse lume,No seio o mesmo perfume,Um cheiro a rosas celestes,Rosas brancas, puras, finas,Viçosas como boninas,Singelas sem ser agrestes.Mas não és tu... ai! não és:Toda a illusão se desfez.Não és aquella que eu vi,Não és a mesma visão,Que essa tinha coração,Tinha, que eu bem lh'o senti.Almeida Garrett.Folhas Cahidas, p. 188.
Era assim, tinha esse olhar,A mesma graça, o mesmo ár,Córava da mesma côr,Aquella visão que eu viQuando eu sonhava de amor,Quando em sonhos me perdi.Toda assim; o pórte altivo,O semblante pensativo,E uma suave tristezaQue por toda ella descia,Como um véo que lhe envolvia,Que lhe adoçava a belleza.Era assim; o seu fallar,Ingenuo e quasi vulgar,Tinha o poder da rasãoQue penetra, não seduz;Não era fogo, era luzQue mandava ao coração.Nos olhos tinha esse lume,No seio o mesmo perfume,Um cheiro a rosas celestes,Rosas brancas, puras, finas,Viçosas como boninas,Singelas sem ser agrestes.Mas não és tu... ai! não és:Toda a illusão se desfez.Não és aquella que eu vi,Não és a mesma visão,Que essa tinha coração,Tinha, que eu bem lh'o senti.Almeida Garrett.Folhas Cahidas, p. 188.
Era assim, tinha esse olhar,A mesma graça, o mesmo ár,Córava da mesma côr,Aquella visão que eu viQuando eu sonhava de amor,Quando em sonhos me perdi.
Era assim, tinha esse olhar,
A mesma graça, o mesmo ár,
Córava da mesma côr,
Aquella visão que eu vi
Quando eu sonhava de amor,
Quando em sonhos me perdi.
Toda assim; o pórte altivo,O semblante pensativo,E uma suave tristezaQue por toda ella descia,Como um véo que lhe envolvia,Que lhe adoçava a belleza.
Toda assim; o pórte altivo,
O semblante pensativo,
E uma suave tristeza
Que por toda ella descia,
Como um véo que lhe envolvia,
Que lhe adoçava a belleza.
Era assim; o seu fallar,Ingenuo e quasi vulgar,Tinha o poder da rasãoQue penetra, não seduz;Não era fogo, era luzQue mandava ao coração.
Era assim; o seu fallar,
Ingenuo e quasi vulgar,
Tinha o poder da rasão
Que penetra, não seduz;
Não era fogo, era luz
Que mandava ao coração.
Nos olhos tinha esse lume,No seio o mesmo perfume,Um cheiro a rosas celestes,Rosas brancas, puras, finas,Viçosas como boninas,Singelas sem ser agrestes.
Nos olhos tinha esse lume,
No seio o mesmo perfume,
Um cheiro a rosas celestes,
Rosas brancas, puras, finas,
Viçosas como boninas,
Singelas sem ser agrestes.
Mas não és tu... ai! não és:Toda a illusão se desfez.Não és aquella que eu vi,Não és a mesma visão,Que essa tinha coração,Tinha, que eu bem lh'o senti.
Mas não és tu... ai! não és:
Toda a illusão se desfez.
Não és aquella que eu vi,
Não és a mesma visão,
Que essa tinha coração,
Tinha, que eu bem lh'o senti.
Almeida Garrett.Folhas Cahidas, p. 188.
Almeida Garrett.Folhas Cahidas, p. 188.
Se estou contente, querida,Com esta immensa ternuraDe que me enche o teu amor?—Não. Ai, não! falta-me a vida,Succumbe-me a alma á ventura:O excesso do goso é dor.Doe-me alma, sim; e a tristezaVaga, inerte e sem motivoNo coração me poisou.Absorto em tua belleza,Não sei se morro ou se vivo,Porque a vida me parou.É que não ha sêr bastantePara este gosar sem fimQue me inunda o coração,Tremo d'elle, e deliranteSinto que se exhaure em mimOu a vida—ou a rasão.Almeida Garrett,Folhas Cahidas, pag. 153.
Se estou contente, querida,Com esta immensa ternuraDe que me enche o teu amor?—Não. Ai, não! falta-me a vida,Succumbe-me a alma á ventura:O excesso do goso é dor.Doe-me alma, sim; e a tristezaVaga, inerte e sem motivoNo coração me poisou.Absorto em tua belleza,Não sei se morro ou se vivo,Porque a vida me parou.É que não ha sêr bastantePara este gosar sem fimQue me inunda o coração,Tremo d'elle, e deliranteSinto que se exhaure em mimOu a vida—ou a rasão.Almeida Garrett,Folhas Cahidas, pag. 153.
Se estou contente, querida,Com esta immensa ternuraDe que me enche o teu amor?—Não. Ai, não! falta-me a vida,Succumbe-me a alma á ventura:O excesso do goso é dor.
Se estou contente, querida,
Com esta immensa ternura
De que me enche o teu amor?
—Não. Ai, não! falta-me a vida,
Succumbe-me a alma á ventura:
O excesso do goso é dor.
Doe-me alma, sim; e a tristezaVaga, inerte e sem motivoNo coração me poisou.Absorto em tua belleza,Não sei se morro ou se vivo,Porque a vida me parou.
Doe-me alma, sim; e a tristeza
Vaga, inerte e sem motivo
No coração me poisou.
Absorto em tua belleza,
Não sei se morro ou se vivo,
Porque a vida me parou.
É que não ha sêr bastantePara este gosar sem fimQue me inunda o coração,Tremo d'elle, e deliranteSinto que se exhaure em mimOu a vida—ou a rasão.
É que não ha sêr bastante
Para este gosar sem fim
Que me inunda o coração,
Tremo d'elle, e delirante
Sinto que se exhaure em mim
Ou a vida—ou a rasão.
Almeida Garrett,Folhas Cahidas, pag. 153.
Almeida Garrett,Folhas Cahidas, pag. 153.
(Parabola)
Eu tive um condiscipulo amantissimoQue era um santo rapaz, e nada cábula,Trasmontâno: por nome Antão Verissimo,E, como eu, estudava para rábula.Tinha por vil a herdada vida agricola,E rindo-se, assignava na matricula.Sapato engraixadinho, e meia finaSubstituiu á tamanca costumada;Á véstea de burel—capa e batina,Gôrro ao grosso chapéo, Paschoaes á enxada;A senhoria ao tu, á brôa o trigo...E um viver novo ao seu viver antigo.Se o habito por si fizesse o monge,Sem precisar disposições internas,Se para um côxo em pouco tempo ir longeLhe bastasse o cuidar que tinha pernas;Sem duvida seria Antão VerissimoEstudante, e estudante chapadissimo.Como lavrando desbancava a mil,Suppoz, que estudar leis e segar ervaSeria o mesmo, não sabendo o:nilInvita dices, faciesve Minerva;E um Canon de Genuense (que diz muito!):Não tentes o que excede o teu bestunto.Os termos de Paschoal e CavallarioGastava a procurar o dia inteiroNo martyr, descosido diccionario;E á noite decorava ao candieiro.Ir á aula, almoçar, jantar, cear,Só tinha vago; o mais era estudar.Dizem, que—quem porfia mata caça;Julgo proverbio de cabeça tôsca.Vamos á historia: Um dia na vidraçaViu o nosso doctor azoada môscaEsvoaçar, zunir, andar marrando,Passagem pelo vidro procurando.Pôz de parte um momento a Lei Mental,E co'os olhos no insecto, exclama assim:«Oh! que teimoso e estupido animal!Embora teimes, teimarás sem fim:Por entre ti e o sol não vês que estáUm vidro, que passagem te não dá?«Segue o exemplo das mais, que andam com gostoA dançar sobre aquelle assucareiro;Do amigo que ali dorme chucha o rosto,Depois esmóe a andar no travesseiro.»Eu, que dormir fingia, e não dormia,Da tal offerta em troco assim dizia:—Déste á môsca um conselho prudentissimo;Tão bons os dês tu sempre em sendo rábula!Mas és qual Frei Thomaz, Antão Verissimo,Ou como o homem da tranca, na parabola,Dez vidros furaria esse animalAntes que entendas uma Lei Mental.Entre ti e a sciencia ha vidros baços;Nem tu, nem cem de ti os romperiam;Vende o candieiro, a lôba, os calhamaços,Torna-te ás terras que batatas criam.É melhor ser um farto lavrador,Do que um mirrado e estupido doctor.Manda ao inferno os livros sybillinos,Vem para a cama conversar commigo;De Horacio eu fallarei, tu de pepinos,Depois eu de Virgilio e tu de trigo.Tire das leis com que dar uso aos queixosQuem póde; e cada qual gire em seus eixos.—N'esta fabula historica se intímaO que ninguem ignora e não se observa:A tal sentença velha, obra mui primaDo:Nada faças, se o não quer Minerva.Isto é, que um genio, que nasceu de encôlhasNão vá metter-se a redactor de folhas:Que um mestre sapateiro afreguezado,Não vá ser na tragedia actor primeiro,Que em transportes de principe ultrajadoRalhará como mestre sapateiro;Quem nasceu para chufas e chalaçaNem epopêas, nem tragedias faça;Que aquelle que nasceu para ladrão,Seja ladrão de estrada e não juiz;Procurador, letrado ou escrivão;Que um bóde se não metta a ser derviz,Nem um burro a academico; nem... nem...Exemplos d'isto numero não têm.A. F. de Castilho,Excavações Poeticas, p. 138. Lisboa, 1844.
Eu tive um condiscipulo amantissimoQue era um santo rapaz, e nada cábula,Trasmontâno: por nome Antão Verissimo,E, como eu, estudava para rábula.Tinha por vil a herdada vida agricola,E rindo-se, assignava na matricula.Sapato engraixadinho, e meia finaSubstituiu á tamanca costumada;Á véstea de burel—capa e batina,Gôrro ao grosso chapéo, Paschoaes á enxada;A senhoria ao tu, á brôa o trigo...E um viver novo ao seu viver antigo.Se o habito por si fizesse o monge,Sem precisar disposições internas,Se para um côxo em pouco tempo ir longeLhe bastasse o cuidar que tinha pernas;Sem duvida seria Antão VerissimoEstudante, e estudante chapadissimo.Como lavrando desbancava a mil,Suppoz, que estudar leis e segar ervaSeria o mesmo, não sabendo o:nilInvita dices, faciesve Minerva;E um Canon de Genuense (que diz muito!):Não tentes o que excede o teu bestunto.Os termos de Paschoal e CavallarioGastava a procurar o dia inteiroNo martyr, descosido diccionario;E á noite decorava ao candieiro.Ir á aula, almoçar, jantar, cear,Só tinha vago; o mais era estudar.Dizem, que—quem porfia mata caça;Julgo proverbio de cabeça tôsca.Vamos á historia: Um dia na vidraçaViu o nosso doctor azoada môscaEsvoaçar, zunir, andar marrando,Passagem pelo vidro procurando.Pôz de parte um momento a Lei Mental,E co'os olhos no insecto, exclama assim:«Oh! que teimoso e estupido animal!Embora teimes, teimarás sem fim:Por entre ti e o sol não vês que estáUm vidro, que passagem te não dá?«Segue o exemplo das mais, que andam com gostoA dançar sobre aquelle assucareiro;Do amigo que ali dorme chucha o rosto,Depois esmóe a andar no travesseiro.»Eu, que dormir fingia, e não dormia,Da tal offerta em troco assim dizia:—Déste á môsca um conselho prudentissimo;Tão bons os dês tu sempre em sendo rábula!Mas és qual Frei Thomaz, Antão Verissimo,Ou como o homem da tranca, na parabola,Dez vidros furaria esse animalAntes que entendas uma Lei Mental.Entre ti e a sciencia ha vidros baços;Nem tu, nem cem de ti os romperiam;Vende o candieiro, a lôba, os calhamaços,Torna-te ás terras que batatas criam.É melhor ser um farto lavrador,Do que um mirrado e estupido doctor.Manda ao inferno os livros sybillinos,Vem para a cama conversar commigo;De Horacio eu fallarei, tu de pepinos,Depois eu de Virgilio e tu de trigo.Tire das leis com que dar uso aos queixosQuem póde; e cada qual gire em seus eixos.—N'esta fabula historica se intímaO que ninguem ignora e não se observa:A tal sentença velha, obra mui primaDo:Nada faças, se o não quer Minerva.Isto é, que um genio, que nasceu de encôlhasNão vá metter-se a redactor de folhas:Que um mestre sapateiro afreguezado,Não vá ser na tragedia actor primeiro,Que em transportes de principe ultrajadoRalhará como mestre sapateiro;Quem nasceu para chufas e chalaçaNem epopêas, nem tragedias faça;Que aquelle que nasceu para ladrão,Seja ladrão de estrada e não juiz;Procurador, letrado ou escrivão;Que um bóde se não metta a ser derviz,Nem um burro a academico; nem... nem...Exemplos d'isto numero não têm.A. F. de Castilho,Excavações Poeticas, p. 138. Lisboa, 1844.
Eu tive um condiscipulo amantissimoQue era um santo rapaz, e nada cábula,Trasmontâno: por nome Antão Verissimo,E, como eu, estudava para rábula.Tinha por vil a herdada vida agricola,E rindo-se, assignava na matricula.
Eu tive um condiscipulo amantissimo
Que era um santo rapaz, e nada cábula,
Trasmontâno: por nome Antão Verissimo,
E, como eu, estudava para rábula.
Tinha por vil a herdada vida agricola,
E rindo-se, assignava na matricula.
Sapato engraixadinho, e meia finaSubstituiu á tamanca costumada;Á véstea de burel—capa e batina,Gôrro ao grosso chapéo, Paschoaes á enxada;A senhoria ao tu, á brôa o trigo...E um viver novo ao seu viver antigo.
Sapato engraixadinho, e meia fina
Substituiu á tamanca costumada;
Á véstea de burel—capa e batina,
Gôrro ao grosso chapéo, Paschoaes á enxada;
A senhoria ao tu, á brôa o trigo...
E um viver novo ao seu viver antigo.
Se o habito por si fizesse o monge,Sem precisar disposições internas,Se para um côxo em pouco tempo ir longeLhe bastasse o cuidar que tinha pernas;Sem duvida seria Antão VerissimoEstudante, e estudante chapadissimo.
Se o habito por si fizesse o monge,
Sem precisar disposições internas,
Se para um côxo em pouco tempo ir longe
Lhe bastasse o cuidar que tinha pernas;
Sem duvida seria Antão Verissimo
Estudante, e estudante chapadissimo.
Como lavrando desbancava a mil,Suppoz, que estudar leis e segar ervaSeria o mesmo, não sabendo o:nilInvita dices, faciesve Minerva;E um Canon de Genuense (que diz muito!):Não tentes o que excede o teu bestunto.
Como lavrando desbancava a mil,
Suppoz, que estudar leis e segar erva
Seria o mesmo, não sabendo o:nil
Invita dices, faciesve Minerva;
E um Canon de Genuense (que diz muito!):
Não tentes o que excede o teu bestunto.
Os termos de Paschoal e CavallarioGastava a procurar o dia inteiroNo martyr, descosido diccionario;E á noite decorava ao candieiro.Ir á aula, almoçar, jantar, cear,Só tinha vago; o mais era estudar.
Os termos de Paschoal e Cavallario
Gastava a procurar o dia inteiro
No martyr, descosido diccionario;
E á noite decorava ao candieiro.
Ir á aula, almoçar, jantar, cear,
Só tinha vago; o mais era estudar.
Dizem, que—quem porfia mata caça;Julgo proverbio de cabeça tôsca.Vamos á historia: Um dia na vidraçaViu o nosso doctor azoada môscaEsvoaçar, zunir, andar marrando,Passagem pelo vidro procurando.
Dizem, que—quem porfia mata caça;
Julgo proverbio de cabeça tôsca.
Vamos á historia: Um dia na vidraça
Viu o nosso doctor azoada môsca
Esvoaçar, zunir, andar marrando,
Passagem pelo vidro procurando.
Pôz de parte um momento a Lei Mental,E co'os olhos no insecto, exclama assim:«Oh! que teimoso e estupido animal!Embora teimes, teimarás sem fim:Por entre ti e o sol não vês que estáUm vidro, que passagem te não dá?
Pôz de parte um momento a Lei Mental,
E co'os olhos no insecto, exclama assim:
«Oh! que teimoso e estupido animal!
Embora teimes, teimarás sem fim:
Por entre ti e o sol não vês que está
Um vidro, que passagem te não dá?
«Segue o exemplo das mais, que andam com gostoA dançar sobre aquelle assucareiro;Do amigo que ali dorme chucha o rosto,Depois esmóe a andar no travesseiro.»Eu, que dormir fingia, e não dormia,Da tal offerta em troco assim dizia:
«Segue o exemplo das mais, que andam com gosto
A dançar sobre aquelle assucareiro;
Do amigo que ali dorme chucha o rosto,
Depois esmóe a andar no travesseiro.»
Eu, que dormir fingia, e não dormia,
Da tal offerta em troco assim dizia:
—Déste á môsca um conselho prudentissimo;Tão bons os dês tu sempre em sendo rábula!Mas és qual Frei Thomaz, Antão Verissimo,Ou como o homem da tranca, na parabola,Dez vidros furaria esse animalAntes que entendas uma Lei Mental.
—Déste á môsca um conselho prudentissimo;
Tão bons os dês tu sempre em sendo rábula!
Mas és qual Frei Thomaz, Antão Verissimo,
Ou como o homem da tranca, na parabola,
Dez vidros furaria esse animal
Antes que entendas uma Lei Mental.
Entre ti e a sciencia ha vidros baços;Nem tu, nem cem de ti os romperiam;Vende o candieiro, a lôba, os calhamaços,Torna-te ás terras que batatas criam.É melhor ser um farto lavrador,Do que um mirrado e estupido doctor.
Entre ti e a sciencia ha vidros baços;
Nem tu, nem cem de ti os romperiam;
Vende o candieiro, a lôba, os calhamaços,
Torna-te ás terras que batatas criam.
É melhor ser um farto lavrador,
Do que um mirrado e estupido doctor.
Manda ao inferno os livros sybillinos,Vem para a cama conversar commigo;De Horacio eu fallarei, tu de pepinos,Depois eu de Virgilio e tu de trigo.Tire das leis com que dar uso aos queixosQuem póde; e cada qual gire em seus eixos.—
Manda ao inferno os livros sybillinos,
Vem para a cama conversar commigo;
De Horacio eu fallarei, tu de pepinos,
Depois eu de Virgilio e tu de trigo.
Tire das leis com que dar uso aos queixos
Quem póde; e cada qual gire em seus eixos.—
N'esta fabula historica se intímaO que ninguem ignora e não se observa:A tal sentença velha, obra mui primaDo:Nada faças, se o não quer Minerva.Isto é, que um genio, que nasceu de encôlhasNão vá metter-se a redactor de folhas:
N'esta fabula historica se intíma
O que ninguem ignora e não se observa:
A tal sentença velha, obra mui prima
Do:Nada faças, se o não quer Minerva.
Isto é, que um genio, que nasceu de encôlhas
Não vá metter-se a redactor de folhas:
Que um mestre sapateiro afreguezado,Não vá ser na tragedia actor primeiro,Que em transportes de principe ultrajadoRalhará como mestre sapateiro;Quem nasceu para chufas e chalaçaNem epopêas, nem tragedias faça;
Que um mestre sapateiro afreguezado,
Não vá ser na tragedia actor primeiro,
Que em transportes de principe ultrajado
Ralhará como mestre sapateiro;
Quem nasceu para chufas e chalaça
Nem epopêas, nem tragedias faça;
Que aquelle que nasceu para ladrão,Seja ladrão de estrada e não juiz;Procurador, letrado ou escrivão;
Que aquelle que nasceu para ladrão,
Seja ladrão de estrada e não juiz;
Procurador, letrado ou escrivão;
Que um bóde se não metta a ser derviz,Nem um burro a academico; nem... nem...Exemplos d'isto numero não têm.
Que um bóde se não metta a ser derviz,
Nem um burro a academico; nem... nem...
Exemplos d'isto numero não têm.
A. F. de Castilho,Excavações Poeticas, p. 138. Lisboa, 1844.
A. F. de Castilho,Excavações Poeticas, p. 138. Lisboa, 1844.
Solevantando o corpo, os olhos fitos,As magras mãos cruzadas sobre o peito,Vêde-o, tão moço, velador de angustias,Pela alta noite em solitario leito.Por essas faces pallidas, cavadas,Olhae, em fio as lagrimas deslizam;E como o pulso, que apressado bate,Do coração os éstos harmonisam!É que nas veias lhe circula a febre,É que a fronte lhe alaga o suór frio;É que lá dentro á dôr que o vae roendo,Responde horrivel intimo cicío.Encostado na mão o rosto acceso,Fitou os olhos humidos de prantoNa alampada mortal ali pendente,E lá comsigo modulou um canto.É um hymno de amor e de esperança?É oração de angustia e de saudade?Resignado na dôr saúda a morte,Ou vibra aos céos blasphemia d'impiedade?É isso tudo tumultuando incertoNo delirio febril d'aquella mente,Que, baloiçada á borda do sepulchro,Volve apóz si a vista longamente.É a poesia a murmurar-lhe n'alma,Ultima nota de quebrada lyra;É o gemido do tombar do cedro;É triste adeus do trovador que expira:DESESPERANÇA«Meia-noite bateu, volvendo ao nadaUm dia mais, e caminhando eu sigo!Vejo-te bem, oh campa mysteriosa...Eu vou, eu vou! Breve serei comtigo!Qual tufão que ao passar agita o pégo,Meu placido existir turvou a sorte.Halito impuro de pulmões raladosMe diz que n'elles se assentou a morte.Em quanto mil e mil no largo mundoDormem em paz no mundo, eu velo e penso,E julgo ouvir as preces por finados,E ver a tumba e o fumegar do incenso.Se dormito um momento, acordo em sustos;Pulos me dá o coração no peito,E abraço e beijo de uma vida extinctaO ultimo socio, o doloroso leito.De um abysmo insondado ás agras bordasInsanavel doença me ha guiado,E disse-me:—No fundo, o esquecimento:Désce; mas desce com andar pausado.—E eu lento vou descendo, e sondo as trevas:Busco parar; parar um só instante!Mas a cruel, travando-me da dextra,Me faz cair no fundo, e grita—Avante!—Por que escutar o transito das horas?Algumas d'ellas trar-me ha conforto?Não! Esses golpes que no bronze ferem,São para mim como dobrar por morto.Morto! morto!—me clama a consciencia;Diz-m'o este respirar rouco e profundo;Ai! porque frémes coração de fogo,Dentro de um peito corrompido e immundo!Beber um ár diáphano e suave,Que renovou da tarde o brando vento,E convertel-o, no aspirar continuo,Em bafo apodrecido e peçonhento!Estender para o amigo a mão mirrada,E elle negar a mão ao pobre amigo;Querer unil-o ao seio descarnado,E elle fugir, temendo o seu perigo!E vêr após um dia inda cem dias,Nús de esperança, ferteis de amargura,Soccorrer-me ao provir, e achal-o um ermo,E só, bem lá no extremo, a sepultura!Agora!... quando a vida me sorria,Agora... que meu éstro se accendêra,Que eu me enlaçava a um mundo d'esperanças,Como se enlaça pelo campo a hera,Deixar tudo e partir, sósinho e mudo;Varrer-me o nome escuro esquecimento,Não ter um ecco de louvor, que afagueDo desgraçado o humilde monumento!Oh tu, sêde de um nome glorioso,Que tão fagueiros sonhos me tecias,Fugiste, e só me resta a pobre herançaDe vêr a luz do sol mais alguns dias.Vestem-se os campos de verdor primeiro:Já das aves canções no bosque eccôam;Não para mim, que só escuto attentoFunéreos dobres que no templo sôam.E eu que existo, e que penso, e falo e vivo,Irei tão cedo repousar na terra?!Oh, meu Deus, oh meu Deus! um anno ao menos;Um louro só... e meu sepulchro cerra;É tão bom respirar, e a luz brilhanteDo sol oriental saudar no outeiro!Ai, na manhã saudal-a posso ainda;Mas será este o inverno derradeiro!Quando de pômos o vergel fôr cheio;Quando ondear o trigo na planura,Quando pender com aureo fructo a vide,Eu tambem penderei na sepultura.Dos que me cercam no turbado aspecto,Na voz que prende desusado enleio,No pranto a furto, no fingido riso,Fatal sentença de morrer eu leio.Vistes vós criminoso que hão lançadoSeus juizes nos trances da agonia,Em oratorio estreito, onde não entraSuavissima luz do claro dia;Diante a cruz, ao lado o sacerdote,O cadafalso, o crime, o algoz na mente,O povo tumultuoso, o extremo arranco,O céo e inferno, e as maldições da gente:Se adormece, lá surge um pesadello,Com os martyrios da sua alma accorde:Desperto logo, e á terra se arremessa,E os punhos cerra, e delirante os morde.Sobre as lageas do duro pavimentoDe vergões e de sangue o rosto cobre;Ergue-se e escuta com cabellos hirtosDo sino ao longe o compassado dobre.Sem esperança!...Não! Do cadafalsoSóbe as escadas o perdão ás vezes;Porém, a mim... não me dirão: És salvo!E o meu supplicio durará por mezes.Dizer posso:—Existi! que a dor conheço!Do goso a taça só provei por horas;E serei teu, calado cemiterio,Que, engenho, gloria, amor, tudo devoras.Se o furacão rugiu, e o debil troncoDe arvore tenra espedaçou passando,Quem se doeu de a ver jazendo em terra?Tal é o meu destino miserando!Numem do santo amor, mulher querida,Anjo do céo, encanto da existencia,Ora por mim a Deus, que hade escutar-te,Por ti me salve a mão da provídencia.Vem; aperta-me a dextra... Oh foge, foge!Um beijo ardente aos labios te voára;E n'este beijo venenoso a morteTalvez este infeliz só te entregára!Se eu podesse viver... como teus diasCercaria de amor suave e puro!Como te fôra placido o presente;Quanto risonho o aspecto do futuro!Porém, medonho espectro ante meus olhosComo sombra infernal perpetuo ondeia,Bradando-me, que vae partir-se o fioCom que da minha vida se urde a teia.Entregue á seducção emquanto eu durmo,No turbilhão do mundo heide deixar-te!Quem velará por ti, pomba innocente?Quem do prejurio poderá salvar-te?Quando eu cerrar os olhos moribundosTu verterás por mim pranto saudoso;Mas quem me diz que não virá o risoBanhar teu rosto triste e lacrimoso?Ai, o extincto só herda o esquecimento!Um novo amor te agitará o peito:E a dura lagea cubrirá meus ossosFrios, despidos sobre terreo leito!Oh Deus, por que este calix de agoniaAté ás bordas de amargor me encheste?Se eu devia acabar na juventude,Por que ao mundo e aos seus sonhos me prendeste.Virgem do meu amor, porque perdel-a?Porque entre nós a campa hade assentar-se!Tua suprema paz em goso ou doresDo mortal que em ti crê, póde turbar-se?Não haver quem me salve! e vir um diaEm que de minha o nome inda lhe désse!Então, senhor, o umbral da eternidade,Talvez sem um queixume transpozesse.Mas, qual flôr em botão pendida e murchaSem de fragancias perfumar a brisa,Eu poeta, eu amante, ir esconder-meSob uma lousa desprezada e lisa!Porque? Qual foi meu crime, oh Deus terrivel?Em te adorar que fui, senão insano?...O teu fatal poder hoje maldigo!O que te chama pae, mente: és tyranno.E se aos pés de teu throno os ais não chegam;Se os gemidos da terra os áres sómem;Se a providencia é crença van, mentida,Porque geraste a intelligencia do homem?Porque da virgem no sorrir posesteSanto presagio de suprema dita,E apontaste ao poeta a immensidadeNa ancia da gloria, que em sua alma habita!A immensidade!... E que me importa herdal-a,Se na terra passei sem ser sentido?Que val eterno vaguear no espaço,Se nosso nome se afundou no olvido?..........................................Alexandre Herculano,Harpa do Crente, p. 63. 2.ª edição. Lisboa, 1860.
Solevantando o corpo, os olhos fitos,As magras mãos cruzadas sobre o peito,Vêde-o, tão moço, velador de angustias,Pela alta noite em solitario leito.Por essas faces pallidas, cavadas,Olhae, em fio as lagrimas deslizam;E como o pulso, que apressado bate,Do coração os éstos harmonisam!É que nas veias lhe circula a febre,É que a fronte lhe alaga o suór frio;É que lá dentro á dôr que o vae roendo,Responde horrivel intimo cicío.Encostado na mão o rosto acceso,Fitou os olhos humidos de prantoNa alampada mortal ali pendente,E lá comsigo modulou um canto.É um hymno de amor e de esperança?É oração de angustia e de saudade?Resignado na dôr saúda a morte,Ou vibra aos céos blasphemia d'impiedade?É isso tudo tumultuando incertoNo delirio febril d'aquella mente,Que, baloiçada á borda do sepulchro,Volve apóz si a vista longamente.É a poesia a murmurar-lhe n'alma,Ultima nota de quebrada lyra;É o gemido do tombar do cedro;É triste adeus do trovador que expira:DESESPERANÇA«Meia-noite bateu, volvendo ao nadaUm dia mais, e caminhando eu sigo!Vejo-te bem, oh campa mysteriosa...Eu vou, eu vou! Breve serei comtigo!Qual tufão que ao passar agita o pégo,Meu placido existir turvou a sorte.Halito impuro de pulmões raladosMe diz que n'elles se assentou a morte.Em quanto mil e mil no largo mundoDormem em paz no mundo, eu velo e penso,E julgo ouvir as preces por finados,E ver a tumba e o fumegar do incenso.Se dormito um momento, acordo em sustos;Pulos me dá o coração no peito,E abraço e beijo de uma vida extinctaO ultimo socio, o doloroso leito.De um abysmo insondado ás agras bordasInsanavel doença me ha guiado,E disse-me:—No fundo, o esquecimento:Désce; mas desce com andar pausado.—E eu lento vou descendo, e sondo as trevas:Busco parar; parar um só instante!Mas a cruel, travando-me da dextra,Me faz cair no fundo, e grita—Avante!—Por que escutar o transito das horas?Algumas d'ellas trar-me ha conforto?Não! Esses golpes que no bronze ferem,São para mim como dobrar por morto.Morto! morto!—me clama a consciencia;Diz-m'o este respirar rouco e profundo;Ai! porque frémes coração de fogo,Dentro de um peito corrompido e immundo!Beber um ár diáphano e suave,Que renovou da tarde o brando vento,E convertel-o, no aspirar continuo,Em bafo apodrecido e peçonhento!Estender para o amigo a mão mirrada,E elle negar a mão ao pobre amigo;Querer unil-o ao seio descarnado,E elle fugir, temendo o seu perigo!E vêr após um dia inda cem dias,Nús de esperança, ferteis de amargura,Soccorrer-me ao provir, e achal-o um ermo,E só, bem lá no extremo, a sepultura!Agora!... quando a vida me sorria,Agora... que meu éstro se accendêra,Que eu me enlaçava a um mundo d'esperanças,Como se enlaça pelo campo a hera,Deixar tudo e partir, sósinho e mudo;Varrer-me o nome escuro esquecimento,Não ter um ecco de louvor, que afagueDo desgraçado o humilde monumento!Oh tu, sêde de um nome glorioso,Que tão fagueiros sonhos me tecias,Fugiste, e só me resta a pobre herançaDe vêr a luz do sol mais alguns dias.Vestem-se os campos de verdor primeiro:Já das aves canções no bosque eccôam;Não para mim, que só escuto attentoFunéreos dobres que no templo sôam.E eu que existo, e que penso, e falo e vivo,Irei tão cedo repousar na terra?!Oh, meu Deus, oh meu Deus! um anno ao menos;Um louro só... e meu sepulchro cerra;É tão bom respirar, e a luz brilhanteDo sol oriental saudar no outeiro!Ai, na manhã saudal-a posso ainda;Mas será este o inverno derradeiro!Quando de pômos o vergel fôr cheio;Quando ondear o trigo na planura,Quando pender com aureo fructo a vide,Eu tambem penderei na sepultura.Dos que me cercam no turbado aspecto,Na voz que prende desusado enleio,No pranto a furto, no fingido riso,Fatal sentença de morrer eu leio.Vistes vós criminoso que hão lançadoSeus juizes nos trances da agonia,Em oratorio estreito, onde não entraSuavissima luz do claro dia;Diante a cruz, ao lado o sacerdote,O cadafalso, o crime, o algoz na mente,O povo tumultuoso, o extremo arranco,O céo e inferno, e as maldições da gente:Se adormece, lá surge um pesadello,Com os martyrios da sua alma accorde:Desperto logo, e á terra se arremessa,E os punhos cerra, e delirante os morde.Sobre as lageas do duro pavimentoDe vergões e de sangue o rosto cobre;Ergue-se e escuta com cabellos hirtosDo sino ao longe o compassado dobre.Sem esperança!...Não! Do cadafalsoSóbe as escadas o perdão ás vezes;Porém, a mim... não me dirão: És salvo!E o meu supplicio durará por mezes.Dizer posso:—Existi! que a dor conheço!Do goso a taça só provei por horas;E serei teu, calado cemiterio,Que, engenho, gloria, amor, tudo devoras.Se o furacão rugiu, e o debil troncoDe arvore tenra espedaçou passando,Quem se doeu de a ver jazendo em terra?Tal é o meu destino miserando!Numem do santo amor, mulher querida,Anjo do céo, encanto da existencia,Ora por mim a Deus, que hade escutar-te,Por ti me salve a mão da provídencia.Vem; aperta-me a dextra... Oh foge, foge!Um beijo ardente aos labios te voára;E n'este beijo venenoso a morteTalvez este infeliz só te entregára!Se eu podesse viver... como teus diasCercaria de amor suave e puro!Como te fôra placido o presente;Quanto risonho o aspecto do futuro!Porém, medonho espectro ante meus olhosComo sombra infernal perpetuo ondeia,Bradando-me, que vae partir-se o fioCom que da minha vida se urde a teia.Entregue á seducção emquanto eu durmo,No turbilhão do mundo heide deixar-te!Quem velará por ti, pomba innocente?Quem do prejurio poderá salvar-te?Quando eu cerrar os olhos moribundosTu verterás por mim pranto saudoso;Mas quem me diz que não virá o risoBanhar teu rosto triste e lacrimoso?Ai, o extincto só herda o esquecimento!Um novo amor te agitará o peito:E a dura lagea cubrirá meus ossosFrios, despidos sobre terreo leito!Oh Deus, por que este calix de agoniaAté ás bordas de amargor me encheste?Se eu devia acabar na juventude,Por que ao mundo e aos seus sonhos me prendeste.Virgem do meu amor, porque perdel-a?Porque entre nós a campa hade assentar-se!Tua suprema paz em goso ou doresDo mortal que em ti crê, póde turbar-se?Não haver quem me salve! e vir um diaEm que de minha o nome inda lhe désse!Então, senhor, o umbral da eternidade,Talvez sem um queixume transpozesse.Mas, qual flôr em botão pendida e murchaSem de fragancias perfumar a brisa,Eu poeta, eu amante, ir esconder-meSob uma lousa desprezada e lisa!Porque? Qual foi meu crime, oh Deus terrivel?Em te adorar que fui, senão insano?...O teu fatal poder hoje maldigo!O que te chama pae, mente: és tyranno.E se aos pés de teu throno os ais não chegam;Se os gemidos da terra os áres sómem;Se a providencia é crença van, mentida,Porque geraste a intelligencia do homem?Porque da virgem no sorrir posesteSanto presagio de suprema dita,E apontaste ao poeta a immensidadeNa ancia da gloria, que em sua alma habita!A immensidade!... E que me importa herdal-a,Se na terra passei sem ser sentido?Que val eterno vaguear no espaço,Se nosso nome se afundou no olvido?..........................................Alexandre Herculano,Harpa do Crente, p. 63. 2.ª edição. Lisboa, 1860.
Solevantando o corpo, os olhos fitos,As magras mãos cruzadas sobre o peito,Vêde-o, tão moço, velador de angustias,Pela alta noite em solitario leito.
Solevantando o corpo, os olhos fitos,
As magras mãos cruzadas sobre o peito,
Vêde-o, tão moço, velador de angustias,
Pela alta noite em solitario leito.
Por essas faces pallidas, cavadas,Olhae, em fio as lagrimas deslizam;E como o pulso, que apressado bate,Do coração os éstos harmonisam!
Por essas faces pallidas, cavadas,
Olhae, em fio as lagrimas deslizam;
E como o pulso, que apressado bate,
Do coração os éstos harmonisam!
É que nas veias lhe circula a febre,É que a fronte lhe alaga o suór frio;É que lá dentro á dôr que o vae roendo,Responde horrivel intimo cicío.
É que nas veias lhe circula a febre,
É que a fronte lhe alaga o suór frio;
É que lá dentro á dôr que o vae roendo,
Responde horrivel intimo cicío.
Encostado na mão o rosto acceso,Fitou os olhos humidos de prantoNa alampada mortal ali pendente,E lá comsigo modulou um canto.
Encostado na mão o rosto acceso,
Fitou os olhos humidos de pranto
Na alampada mortal ali pendente,
E lá comsigo modulou um canto.
É um hymno de amor e de esperança?É oração de angustia e de saudade?Resignado na dôr saúda a morte,Ou vibra aos céos blasphemia d'impiedade?
É um hymno de amor e de esperança?
É oração de angustia e de saudade?
Resignado na dôr saúda a morte,
Ou vibra aos céos blasphemia d'impiedade?
É isso tudo tumultuando incertoNo delirio febril d'aquella mente,Que, baloiçada á borda do sepulchro,Volve apóz si a vista longamente.
É isso tudo tumultuando incerto
No delirio febril d'aquella mente,
Que, baloiçada á borda do sepulchro,
Volve apóz si a vista longamente.
É a poesia a murmurar-lhe n'alma,Ultima nota de quebrada lyra;É o gemido do tombar do cedro;É triste adeus do trovador que expira:
É a poesia a murmurar-lhe n'alma,
Ultima nota de quebrada lyra;
É o gemido do tombar do cedro;
É triste adeus do trovador que expira:
DESESPERANÇA
DESESPERANÇA
«Meia-noite bateu, volvendo ao nadaUm dia mais, e caminhando eu sigo!Vejo-te bem, oh campa mysteriosa...Eu vou, eu vou! Breve serei comtigo!
«Meia-noite bateu, volvendo ao nada
Um dia mais, e caminhando eu sigo!
Vejo-te bem, oh campa mysteriosa...
Eu vou, eu vou! Breve serei comtigo!
Qual tufão que ao passar agita o pégo,Meu placido existir turvou a sorte.Halito impuro de pulmões raladosMe diz que n'elles se assentou a morte.
Qual tufão que ao passar agita o pégo,
Meu placido existir turvou a sorte.
Halito impuro de pulmões ralados
Me diz que n'elles se assentou a morte.
Em quanto mil e mil no largo mundoDormem em paz no mundo, eu velo e penso,E julgo ouvir as preces por finados,E ver a tumba e o fumegar do incenso.
Em quanto mil e mil no largo mundo
Dormem em paz no mundo, eu velo e penso,
E julgo ouvir as preces por finados,
E ver a tumba e o fumegar do incenso.
Se dormito um momento, acordo em sustos;Pulos me dá o coração no peito,E abraço e beijo de uma vida extinctaO ultimo socio, o doloroso leito.
Se dormito um momento, acordo em sustos;
Pulos me dá o coração no peito,
E abraço e beijo de uma vida extincta
O ultimo socio, o doloroso leito.
De um abysmo insondado ás agras bordasInsanavel doença me ha guiado,E disse-me:—No fundo, o esquecimento:Désce; mas desce com andar pausado.—
De um abysmo insondado ás agras bordas
Insanavel doença me ha guiado,
E disse-me:—No fundo, o esquecimento:
Désce; mas desce com andar pausado.—
E eu lento vou descendo, e sondo as trevas:Busco parar; parar um só instante!Mas a cruel, travando-me da dextra,Me faz cair no fundo, e grita—Avante!—
E eu lento vou descendo, e sondo as trevas:
Busco parar; parar um só instante!
Mas a cruel, travando-me da dextra,
Me faz cair no fundo, e grita—Avante!—
Por que escutar o transito das horas?Algumas d'ellas trar-me ha conforto?Não! Esses golpes que no bronze ferem,São para mim como dobrar por morto.
Por que escutar o transito das horas?
Algumas d'ellas trar-me ha conforto?
Não! Esses golpes que no bronze ferem,
São para mim como dobrar por morto.
Morto! morto!—me clama a consciencia;Diz-m'o este respirar rouco e profundo;Ai! porque frémes coração de fogo,Dentro de um peito corrompido e immundo!
Morto! morto!—me clama a consciencia;
Diz-m'o este respirar rouco e profundo;
Ai! porque frémes coração de fogo,
Dentro de um peito corrompido e immundo!
Beber um ár diáphano e suave,Que renovou da tarde o brando vento,E convertel-o, no aspirar continuo,Em bafo apodrecido e peçonhento!
Beber um ár diáphano e suave,
Que renovou da tarde o brando vento,
E convertel-o, no aspirar continuo,
Em bafo apodrecido e peçonhento!
Estender para o amigo a mão mirrada,E elle negar a mão ao pobre amigo;Querer unil-o ao seio descarnado,E elle fugir, temendo o seu perigo!
Estender para o amigo a mão mirrada,
E elle negar a mão ao pobre amigo;
Querer unil-o ao seio descarnado,
E elle fugir, temendo o seu perigo!
E vêr após um dia inda cem dias,Nús de esperança, ferteis de amargura,Soccorrer-me ao provir, e achal-o um ermo,E só, bem lá no extremo, a sepultura!
E vêr após um dia inda cem dias,
Nús de esperança, ferteis de amargura,
Soccorrer-me ao provir, e achal-o um ermo,
E só, bem lá no extremo, a sepultura!
Agora!... quando a vida me sorria,Agora... que meu éstro se accendêra,Que eu me enlaçava a um mundo d'esperanças,Como se enlaça pelo campo a hera,
Agora!... quando a vida me sorria,
Agora... que meu éstro se accendêra,
Que eu me enlaçava a um mundo d'esperanças,
Como se enlaça pelo campo a hera,
Deixar tudo e partir, sósinho e mudo;Varrer-me o nome escuro esquecimento,Não ter um ecco de louvor, que afagueDo desgraçado o humilde monumento!
Deixar tudo e partir, sósinho e mudo;
Varrer-me o nome escuro esquecimento,
Não ter um ecco de louvor, que afague
Do desgraçado o humilde monumento!
Oh tu, sêde de um nome glorioso,Que tão fagueiros sonhos me tecias,Fugiste, e só me resta a pobre herançaDe vêr a luz do sol mais alguns dias.
Oh tu, sêde de um nome glorioso,
Que tão fagueiros sonhos me tecias,
Fugiste, e só me resta a pobre herança
De vêr a luz do sol mais alguns dias.
Vestem-se os campos de verdor primeiro:Já das aves canções no bosque eccôam;Não para mim, que só escuto attentoFunéreos dobres que no templo sôam.
Vestem-se os campos de verdor primeiro:
Já das aves canções no bosque eccôam;
Não para mim, que só escuto attento
Funéreos dobres que no templo sôam.
E eu que existo, e que penso, e falo e vivo,Irei tão cedo repousar na terra?!Oh, meu Deus, oh meu Deus! um anno ao menos;Um louro só... e meu sepulchro cerra;
E eu que existo, e que penso, e falo e vivo,
Irei tão cedo repousar na terra?!
Oh, meu Deus, oh meu Deus! um anno ao menos;
Um louro só... e meu sepulchro cerra;
É tão bom respirar, e a luz brilhanteDo sol oriental saudar no outeiro!Ai, na manhã saudal-a posso ainda;Mas será este o inverno derradeiro!
É tão bom respirar, e a luz brilhante
Do sol oriental saudar no outeiro!
Ai, na manhã saudal-a posso ainda;
Mas será este o inverno derradeiro!
Quando de pômos o vergel fôr cheio;Quando ondear o trigo na planura,Quando pender com aureo fructo a vide,Eu tambem penderei na sepultura.
Quando de pômos o vergel fôr cheio;
Quando ondear o trigo na planura,
Quando pender com aureo fructo a vide,
Eu tambem penderei na sepultura.
Dos que me cercam no turbado aspecto,Na voz que prende desusado enleio,No pranto a furto, no fingido riso,Fatal sentença de morrer eu leio.
Dos que me cercam no turbado aspecto,
Na voz que prende desusado enleio,
No pranto a furto, no fingido riso,
Fatal sentença de morrer eu leio.
Vistes vós criminoso que hão lançadoSeus juizes nos trances da agonia,Em oratorio estreito, onde não entraSuavissima luz do claro dia;
Vistes vós criminoso que hão lançado
Seus juizes nos trances da agonia,
Em oratorio estreito, onde não entra
Suavissima luz do claro dia;
Diante a cruz, ao lado o sacerdote,O cadafalso, o crime, o algoz na mente,O povo tumultuoso, o extremo arranco,O céo e inferno, e as maldições da gente:
Diante a cruz, ao lado o sacerdote,
O cadafalso, o crime, o algoz na mente,
O povo tumultuoso, o extremo arranco,
O céo e inferno, e as maldições da gente:
Se adormece, lá surge um pesadello,Com os martyrios da sua alma accorde:Desperto logo, e á terra se arremessa,E os punhos cerra, e delirante os morde.
Se adormece, lá surge um pesadello,
Com os martyrios da sua alma accorde:
Desperto logo, e á terra se arremessa,
E os punhos cerra, e delirante os morde.
Sobre as lageas do duro pavimentoDe vergões e de sangue o rosto cobre;Ergue-se e escuta com cabellos hirtosDo sino ao longe o compassado dobre.
Sobre as lageas do duro pavimento
De vergões e de sangue o rosto cobre;
Ergue-se e escuta com cabellos hirtos
Do sino ao longe o compassado dobre.
Sem esperança!...Não! Do cadafalsoSóbe as escadas o perdão ás vezes;Porém, a mim... não me dirão: És salvo!E o meu supplicio durará por mezes.
Sem esperança!...
Não! Do cadafalso
Sóbe as escadas o perdão ás vezes;
Porém, a mim... não me dirão: És salvo!
E o meu supplicio durará por mezes.
Dizer posso:—Existi! que a dor conheço!Do goso a taça só provei por horas;E serei teu, calado cemiterio,Que, engenho, gloria, amor, tudo devoras.
Dizer posso:—Existi! que a dor conheço!
Do goso a taça só provei por horas;
E serei teu, calado cemiterio,
Que, engenho, gloria, amor, tudo devoras.
Se o furacão rugiu, e o debil troncoDe arvore tenra espedaçou passando,Quem se doeu de a ver jazendo em terra?Tal é o meu destino miserando!
Se o furacão rugiu, e o debil tronco
De arvore tenra espedaçou passando,
Quem se doeu de a ver jazendo em terra?
Tal é o meu destino miserando!
Numem do santo amor, mulher querida,Anjo do céo, encanto da existencia,Ora por mim a Deus, que hade escutar-te,Por ti me salve a mão da provídencia.
Numem do santo amor, mulher querida,
Anjo do céo, encanto da existencia,
Ora por mim a Deus, que hade escutar-te,
Por ti me salve a mão da provídencia.
Vem; aperta-me a dextra... Oh foge, foge!Um beijo ardente aos labios te voára;E n'este beijo venenoso a morteTalvez este infeliz só te entregára!
Vem; aperta-me a dextra... Oh foge, foge!
Um beijo ardente aos labios te voára;
E n'este beijo venenoso a morte
Talvez este infeliz só te entregára!
Se eu podesse viver... como teus diasCercaria de amor suave e puro!Como te fôra placido o presente;Quanto risonho o aspecto do futuro!
Se eu podesse viver... como teus dias
Cercaria de amor suave e puro!
Como te fôra placido o presente;
Quanto risonho o aspecto do futuro!
Porém, medonho espectro ante meus olhosComo sombra infernal perpetuo ondeia,Bradando-me, que vae partir-se o fioCom que da minha vida se urde a teia.
Porém, medonho espectro ante meus olhos
Como sombra infernal perpetuo ondeia,
Bradando-me, que vae partir-se o fio
Com que da minha vida se urde a teia.
Entregue á seducção emquanto eu durmo,No turbilhão do mundo heide deixar-te!Quem velará por ti, pomba innocente?Quem do prejurio poderá salvar-te?
Entregue á seducção emquanto eu durmo,
No turbilhão do mundo heide deixar-te!
Quem velará por ti, pomba innocente?
Quem do prejurio poderá salvar-te?
Quando eu cerrar os olhos moribundosTu verterás por mim pranto saudoso;Mas quem me diz que não virá o risoBanhar teu rosto triste e lacrimoso?
Quando eu cerrar os olhos moribundos
Tu verterás por mim pranto saudoso;
Mas quem me diz que não virá o riso
Banhar teu rosto triste e lacrimoso?
Ai, o extincto só herda o esquecimento!Um novo amor te agitará o peito:E a dura lagea cubrirá meus ossosFrios, despidos sobre terreo leito!
Ai, o extincto só herda o esquecimento!
Um novo amor te agitará o peito:
E a dura lagea cubrirá meus ossos
Frios, despidos sobre terreo leito!
Oh Deus, por que este calix de agoniaAté ás bordas de amargor me encheste?Se eu devia acabar na juventude,Por que ao mundo e aos seus sonhos me prendeste.
Oh Deus, por que este calix de agonia
Até ás bordas de amargor me encheste?
Se eu devia acabar na juventude,
Por que ao mundo e aos seus sonhos me prendeste.
Virgem do meu amor, porque perdel-a?Porque entre nós a campa hade assentar-se!Tua suprema paz em goso ou doresDo mortal que em ti crê, póde turbar-se?
Virgem do meu amor, porque perdel-a?
Porque entre nós a campa hade assentar-se!
Tua suprema paz em goso ou dores
Do mortal que em ti crê, póde turbar-se?
Não haver quem me salve! e vir um diaEm que de minha o nome inda lhe désse!Então, senhor, o umbral da eternidade,Talvez sem um queixume transpozesse.
Não haver quem me salve! e vir um dia
Em que de minha o nome inda lhe désse!
Então, senhor, o umbral da eternidade,
Talvez sem um queixume transpozesse.
Mas, qual flôr em botão pendida e murchaSem de fragancias perfumar a brisa,Eu poeta, eu amante, ir esconder-meSob uma lousa desprezada e lisa!
Mas, qual flôr em botão pendida e murcha
Sem de fragancias perfumar a brisa,
Eu poeta, eu amante, ir esconder-me
Sob uma lousa desprezada e lisa!
Porque? Qual foi meu crime, oh Deus terrivel?Em te adorar que fui, senão insano?...O teu fatal poder hoje maldigo!O que te chama pae, mente: és tyranno.
Porque? Qual foi meu crime, oh Deus terrivel?
Em te adorar que fui, senão insano?...
O teu fatal poder hoje maldigo!
O que te chama pae, mente: és tyranno.
E se aos pés de teu throno os ais não chegam;Se os gemidos da terra os áres sómem;Se a providencia é crença van, mentida,Porque geraste a intelligencia do homem?
E se aos pés de teu throno os ais não chegam;
Se os gemidos da terra os áres sómem;
Se a providencia é crença van, mentida,
Porque geraste a intelligencia do homem?
Porque da virgem no sorrir posesteSanto presagio de suprema dita,E apontaste ao poeta a immensidadeNa ancia da gloria, que em sua alma habita!
Porque da virgem no sorrir poseste
Santo presagio de suprema dita,
E apontaste ao poeta a immensidade
Na ancia da gloria, que em sua alma habita!
A immensidade!... E que me importa herdal-a,Se na terra passei sem ser sentido?Que val eterno vaguear no espaço,Se nosso nome se afundou no olvido?..........................................
A immensidade!... E que me importa herdal-a,
Se na terra passei sem ser sentido?
Que val eterno vaguear no espaço,
Se nosso nome se afundou no olvido?
..........................................
Alexandre Herculano,Harpa do Crente, p. 63. 2.ª edição. Lisboa, 1860.
Alexandre Herculano,Harpa do Crente, p. 63. 2.ª edição. Lisboa, 1860.
É noite; o astro saudosoRompe a custo o plumbeo céo;Tolda-lhe o rosto formosoAlvacento, humido véo.Traz perdida a côr de prata,Nas aguas não se retrata,Não beija no campo a flor;Não traz cortejo de estrellas,Não falla de amor ás bellas,Não falla aos homens de amor.Meiga lua, os teus segredosOnde os deixaste ficar?Deixaste-os nos arvoredosDas praias d'alem do mar?Foi na terra tua amada.N'essa terra tão banhadaPor teu limpido clarão?Foi na terra dos verdores,Na patria dos meus amoresPatria de meu coração?Oh que foi! deixaste o brilhoNos montes de Portugal,Lá onde nasce o tomilho,Onde ha fontes de cristal;Lá onde veceja a rosa,Onde a leve mariposaSe espaneja á luz do sol;Lá onde Deus concederaQue em noites de primaveraSe escutasse o rouxinol.Tu vens ó lua, tu deixasTalvez ha pouco o paizOnde do bosque as madeixasJá têm um floreo matiz;Amaste do ár a doçura,Do azul céo a formosura,Das aguas o suspirar!Como hasde agora entre gelosDardejar teus raios bellos,Fumo e nevoa aqui amar?Quem viu as margens do Lima,Do Mondego os salgueiraes,Quem andou por Tejo acima,Por cima dos seus cristaes;Quem foi ao meu patrio Douro,Sobre fina areia de ouro,Raios de prata espargir,Não pode amar outra terra,Nem sob o céo de InglaterraDoces sorrisos sorrir.Das cidades a princezaTens aqui; mas Deus, egualNão quiz dar-lhe essa lindezaDo teu e meu Portugal;Aqui a industria e as artes,Alem de todas as partesA natureza sem véo;Aqui ouro e pedrarias,Ruas mil, mil arcarias,Além... a terra e o céo.Vastas serras de tijolo,Estatuas, praças sem fimRetalham, cobrem o sóloMas não me encantam a mim;Na minha patria uma aldêa,Por noites de lua cheiaÉ tão bella, e tão feliz!Amo as casinhas da serra,C'o a lua da minha terra,Nas terras do meu paiz.Eu e tu, casta deidade,Padecemos egual dôr,Temes a mesma saudade,Sentimos o mesmo amor;Em Portugal o teu rostoDe riso e luz é composto;Aqui triste e sem clarão;Eu lá sinto-me contente,E aqui lembrança pungenteFaz-me negro o coração.Eia, pois, oh astro amigo,Voltemos aos puros céos,Leva-me, oh lua, comtigo,Preso n'um raio dos teus;Voltemos ambos, voltemosQue nem eu nem tu podemosAqui ser quaes Deus nos fez;Terás brilho, eu terei vida,Eu já livre, e tu despidaDas nuvens do céo inglez.Londres 30 de marçode 1847João de Lemos,O Trovador, p. 362. Coimbra, 1848.
É noite; o astro saudosoRompe a custo o plumbeo céo;Tolda-lhe o rosto formosoAlvacento, humido véo.Traz perdida a côr de prata,Nas aguas não se retrata,Não beija no campo a flor;Não traz cortejo de estrellas,Não falla de amor ás bellas,Não falla aos homens de amor.Meiga lua, os teus segredosOnde os deixaste ficar?Deixaste-os nos arvoredosDas praias d'alem do mar?Foi na terra tua amada.N'essa terra tão banhadaPor teu limpido clarão?Foi na terra dos verdores,Na patria dos meus amoresPatria de meu coração?Oh que foi! deixaste o brilhoNos montes de Portugal,Lá onde nasce o tomilho,Onde ha fontes de cristal;Lá onde veceja a rosa,Onde a leve mariposaSe espaneja á luz do sol;Lá onde Deus concederaQue em noites de primaveraSe escutasse o rouxinol.Tu vens ó lua, tu deixasTalvez ha pouco o paizOnde do bosque as madeixasJá têm um floreo matiz;Amaste do ár a doçura,Do azul céo a formosura,Das aguas o suspirar!Como hasde agora entre gelosDardejar teus raios bellos,Fumo e nevoa aqui amar?Quem viu as margens do Lima,Do Mondego os salgueiraes,Quem andou por Tejo acima,Por cima dos seus cristaes;Quem foi ao meu patrio Douro,Sobre fina areia de ouro,Raios de prata espargir,Não pode amar outra terra,Nem sob o céo de InglaterraDoces sorrisos sorrir.Das cidades a princezaTens aqui; mas Deus, egualNão quiz dar-lhe essa lindezaDo teu e meu Portugal;Aqui a industria e as artes,Alem de todas as partesA natureza sem véo;Aqui ouro e pedrarias,Ruas mil, mil arcarias,Além... a terra e o céo.Vastas serras de tijolo,Estatuas, praças sem fimRetalham, cobrem o sóloMas não me encantam a mim;Na minha patria uma aldêa,Por noites de lua cheiaÉ tão bella, e tão feliz!Amo as casinhas da serra,C'o a lua da minha terra,Nas terras do meu paiz.Eu e tu, casta deidade,Padecemos egual dôr,Temes a mesma saudade,Sentimos o mesmo amor;Em Portugal o teu rostoDe riso e luz é composto;Aqui triste e sem clarão;Eu lá sinto-me contente,E aqui lembrança pungenteFaz-me negro o coração.Eia, pois, oh astro amigo,Voltemos aos puros céos,Leva-me, oh lua, comtigo,Preso n'um raio dos teus;Voltemos ambos, voltemosQue nem eu nem tu podemosAqui ser quaes Deus nos fez;Terás brilho, eu terei vida,Eu já livre, e tu despidaDas nuvens do céo inglez.Londres 30 de marçode 1847João de Lemos,O Trovador, p. 362. Coimbra, 1848.
É noite; o astro saudosoRompe a custo o plumbeo céo;Tolda-lhe o rosto formosoAlvacento, humido véo.Traz perdida a côr de prata,Nas aguas não se retrata,Não beija no campo a flor;Não traz cortejo de estrellas,Não falla de amor ás bellas,Não falla aos homens de amor.
É noite; o astro saudoso
Rompe a custo o plumbeo céo;
Tolda-lhe o rosto formoso
Alvacento, humido véo.
Traz perdida a côr de prata,
Nas aguas não se retrata,
Não beija no campo a flor;
Não traz cortejo de estrellas,
Não falla de amor ás bellas,
Não falla aos homens de amor.
Meiga lua, os teus segredosOnde os deixaste ficar?Deixaste-os nos arvoredosDas praias d'alem do mar?Foi na terra tua amada.N'essa terra tão banhadaPor teu limpido clarão?Foi na terra dos verdores,Na patria dos meus amoresPatria de meu coração?
Meiga lua, os teus segredos
Onde os deixaste ficar?
Deixaste-os nos arvoredos
Das praias d'alem do mar?
Foi na terra tua amada.
N'essa terra tão banhada
Por teu limpido clarão?
Foi na terra dos verdores,
Na patria dos meus amores
Patria de meu coração?
Oh que foi! deixaste o brilhoNos montes de Portugal,Lá onde nasce o tomilho,Onde ha fontes de cristal;Lá onde veceja a rosa,Onde a leve mariposaSe espaneja á luz do sol;Lá onde Deus concederaQue em noites de primaveraSe escutasse o rouxinol.
Oh que foi! deixaste o brilho
Nos montes de Portugal,
Lá onde nasce o tomilho,
Onde ha fontes de cristal;
Lá onde veceja a rosa,
Onde a leve mariposa
Se espaneja á luz do sol;
Lá onde Deus concedera
Que em noites de primavera
Se escutasse o rouxinol.
Tu vens ó lua, tu deixasTalvez ha pouco o paizOnde do bosque as madeixasJá têm um floreo matiz;Amaste do ár a doçura,Do azul céo a formosura,Das aguas o suspirar!Como hasde agora entre gelosDardejar teus raios bellos,Fumo e nevoa aqui amar?
Tu vens ó lua, tu deixas
Talvez ha pouco o paiz
Onde do bosque as madeixas
Já têm um floreo matiz;
Amaste do ár a doçura,
Do azul céo a formosura,
Das aguas o suspirar!
Como hasde agora entre gelos
Dardejar teus raios bellos,
Fumo e nevoa aqui amar?
Quem viu as margens do Lima,Do Mondego os salgueiraes,Quem andou por Tejo acima,Por cima dos seus cristaes;Quem foi ao meu patrio Douro,Sobre fina areia de ouro,Raios de prata espargir,Não pode amar outra terra,Nem sob o céo de InglaterraDoces sorrisos sorrir.
Quem viu as margens do Lima,
Do Mondego os salgueiraes,
Quem andou por Tejo acima,
Por cima dos seus cristaes;
Quem foi ao meu patrio Douro,
Sobre fina areia de ouro,
Raios de prata espargir,
Não pode amar outra terra,
Nem sob o céo de Inglaterra
Doces sorrisos sorrir.
Das cidades a princezaTens aqui; mas Deus, egualNão quiz dar-lhe essa lindezaDo teu e meu Portugal;Aqui a industria e as artes,Alem de todas as partesA natureza sem véo;Aqui ouro e pedrarias,Ruas mil, mil arcarias,Além... a terra e o céo.
Das cidades a princeza
Tens aqui; mas Deus, egual
Não quiz dar-lhe essa lindeza
Do teu e meu Portugal;
Aqui a industria e as artes,
Alem de todas as partes
A natureza sem véo;
Aqui ouro e pedrarias,
Ruas mil, mil arcarias,
Além... a terra e o céo.
Vastas serras de tijolo,Estatuas, praças sem fimRetalham, cobrem o sóloMas não me encantam a mim;Na minha patria uma aldêa,Por noites de lua cheiaÉ tão bella, e tão feliz!Amo as casinhas da serra,C'o a lua da minha terra,Nas terras do meu paiz.
Vastas serras de tijolo,
Estatuas, praças sem fim
Retalham, cobrem o sólo
Mas não me encantam a mim;
Na minha patria uma aldêa,
Por noites de lua cheia
É tão bella, e tão feliz!
Amo as casinhas da serra,
C'o a lua da minha terra,
Nas terras do meu paiz.
Eu e tu, casta deidade,Padecemos egual dôr,Temes a mesma saudade,Sentimos o mesmo amor;Em Portugal o teu rostoDe riso e luz é composto;Aqui triste e sem clarão;Eu lá sinto-me contente,E aqui lembrança pungenteFaz-me negro o coração.
Eu e tu, casta deidade,
Padecemos egual dôr,
Temes a mesma saudade,
Sentimos o mesmo amor;
Em Portugal o teu rosto
De riso e luz é composto;
Aqui triste e sem clarão;
Eu lá sinto-me contente,
E aqui lembrança pungente
Faz-me negro o coração.
Eia, pois, oh astro amigo,Voltemos aos puros céos,Leva-me, oh lua, comtigo,Preso n'um raio dos teus;Voltemos ambos, voltemosQue nem eu nem tu podemosAqui ser quaes Deus nos fez;Terás brilho, eu terei vida,Eu já livre, e tu despidaDas nuvens do céo inglez.
Eia, pois, oh astro amigo,
Voltemos aos puros céos,
Leva-me, oh lua, comtigo,
Preso n'um raio dos teus;
Voltemos ambos, voltemos
Que nem eu nem tu podemos
Aqui ser quaes Deus nos fez;
Terás brilho, eu terei vida,
Eu já livre, e tu despida
Das nuvens do céo inglez.
Londres 30 de marçode 1847
Londres 30 de março
de 1847
João de Lemos,O Trovador, p. 362. Coimbra, 1848.
João de Lemos,O Trovador, p. 362. Coimbra, 1848.