O homem chora mal nasce,Adulto chora tambem;Curvado já sobre a campa,Mais dor no peito inda tem.Aos vinte chora, porque ama,Aos trinta vêr-se illudido;E quando desce ao sepulchro,Até por ter existido.D. João de Azevedo,Ibid.p. 303.
O homem chora mal nasce,Adulto chora tambem;Curvado já sobre a campa,Mais dor no peito inda tem.Aos vinte chora, porque ama,Aos trinta vêr-se illudido;E quando desce ao sepulchro,Até por ter existido.D. João de Azevedo,Ibid.p. 303.
O homem chora mal nasce,Adulto chora tambem;Curvado já sobre a campa,Mais dor no peito inda tem.
O homem chora mal nasce,
Adulto chora tambem;
Curvado já sobre a campa,
Mais dor no peito inda tem.
Aos vinte chora, porque ama,Aos trinta vêr-se illudido;E quando desce ao sepulchro,Até por ter existido.
Aos vinte chora, porque ama,
Aos trinta vêr-se illudido;
E quando desce ao sepulchro,
Até por ter existido.
D. João de Azevedo,Ibid.p. 303.
D. João de Azevedo,Ibid.p. 303.
São negras estas arcadas,Sepulchral este lagedo,Lugubres estas escadas,Estas paredes põem medo;Estas prisões são soturnas,São medonhas como as furnas,Escondidas sob o chão;Nenhum bem aqui me afaga,Tudo aqui a mente esmaga,Tudo opprime o coração!Nem do norte a meiga brisa,Nem um lampejo da lua,Nem raio do sol deslisaN'esta caverna tão núa:Lá d'essas grades do fundoVem-me, n'um côro profundoGargalhadas infernaes;Surgem lá rostos desfeitos,Que em visagens, em tregeitosDe loucura dão signaes.Santo Deus, que sina a minha!Onde estou ninguem m'o disse,Mas um poeta adivinha;É nas covas da doudice:Vivo n'esta horrivel casa,Onde a mente se me abrasaTé o martyrio tocar;Onde a rasão se entibia,Onde triste, dia a dia,Vejo as forças acabar:Onde a mudez mais pungenteMe torna vil a pobreza,Onde ninguem se consenteQue me afague na tristeza;Onde a sêde me devora,Onde debalde se imploraUma palavra d'amor;Onde o frio me consomme,Onde, longe em longe, a fomeVem augmentar este horror.Eu, doudo! Dizei-o, montesDe Solima encantadora!Fallae, vastos horisontes,D'essa Asia abrasadora!Dize-o tu, oh Godofredo,Ou tu, valente Tancredo,Que em meus versos exaltei!Dizei, Armida formosa!Dizei, Clorinda famosa!Dizei todos que eu cantei!Eu doudo! Erguei-vos juntos,Defendei vosso cantor!Fallae, oh santos assumptosQue eu cantei com tanto amor!Falla tambem Aguia d'Éste,Que por mim teu vôo erguesteInda dos mundos alem!Fallae, sepulchro de Christo,Falle o canto nunca visto,Falla tu, Jerusalem!Tasso, Tasso que fizestePara tal condemnação?Á corôa os olhos erguesteSem te importar o brazão!Foste amar uma princeza,Não tendo tanta riqueza,Não tendo nobreza egual;Teu amor é o teu crime,É o grilhão que te opprimeN'esta masmorra fatal!Sou doudo por ter amadoA bella irmã de um reinante!Sou doudo por ter logradoDa princeza amor constante!Doudo, sim, doudo por ella,Por ella que é minha estrella,Por ella, por mais ninguem;Por ella, que é minha vida,Sim por ella, a mais queridaDas damas que o mundo tem.Por ella, que o viu pobreSó das musas bemfadado,E desceu do solio nobre,Deu amor ao desgraçado;Por ella, tão extremosa,Que rejeita desdenhosaD'altos principes a mão,Para não ir n'outros braçosPartir nossos doces laços,Dar a outro o coração.Eis o crime, o crime horrendo,Que me deu prisão tão dura,Onde entre doudos gemendoVou correndo á sepultura!Eu amei e fui amado,Era assás. Sou desgraçado,Não nasci para o prazer;No livro do sello eternoEstava escripto este inferno,Na desgraça heide morrer.Não importa! é minha herançaSoffrer sempre e não gosar;Se a Affonso cabe a vingança,Ao Tasso cabe o chorar:Se a elle um peito de féra,Onde só vingança impera,Se a elle a corôa ducal,Ao Tasso cabe a poesia,Cabe a fonte da harmonia,Cabe a corôa que mais val.Eu não troco a sorte avara,Que é meu mesquinho condão,Por teu sceptro de FerraraManchado de ingratidão.Se não morres, é que eu pobreDei a penna á casa nobre,Em cantos a celebrei;Eu não morro, porque o céoEternos versos me deuCom que as Cruzadas cantei.A. Xavier Rodrigues Cordeiro.
São negras estas arcadas,Sepulchral este lagedo,Lugubres estas escadas,Estas paredes põem medo;Estas prisões são soturnas,São medonhas como as furnas,Escondidas sob o chão;Nenhum bem aqui me afaga,Tudo aqui a mente esmaga,Tudo opprime o coração!Nem do norte a meiga brisa,Nem um lampejo da lua,Nem raio do sol deslisaN'esta caverna tão núa:Lá d'essas grades do fundoVem-me, n'um côro profundoGargalhadas infernaes;Surgem lá rostos desfeitos,Que em visagens, em tregeitosDe loucura dão signaes.Santo Deus, que sina a minha!Onde estou ninguem m'o disse,Mas um poeta adivinha;É nas covas da doudice:Vivo n'esta horrivel casa,Onde a mente se me abrasaTé o martyrio tocar;Onde a rasão se entibia,Onde triste, dia a dia,Vejo as forças acabar:Onde a mudez mais pungenteMe torna vil a pobreza,Onde ninguem se consenteQue me afague na tristeza;Onde a sêde me devora,Onde debalde se imploraUma palavra d'amor;Onde o frio me consomme,Onde, longe em longe, a fomeVem augmentar este horror.Eu, doudo! Dizei-o, montesDe Solima encantadora!Fallae, vastos horisontes,D'essa Asia abrasadora!Dize-o tu, oh Godofredo,Ou tu, valente Tancredo,Que em meus versos exaltei!Dizei, Armida formosa!Dizei, Clorinda famosa!Dizei todos que eu cantei!Eu doudo! Erguei-vos juntos,Defendei vosso cantor!Fallae, oh santos assumptosQue eu cantei com tanto amor!Falla tambem Aguia d'Éste,Que por mim teu vôo erguesteInda dos mundos alem!Fallae, sepulchro de Christo,Falle o canto nunca visto,Falla tu, Jerusalem!Tasso, Tasso que fizestePara tal condemnação?Á corôa os olhos erguesteSem te importar o brazão!Foste amar uma princeza,Não tendo tanta riqueza,Não tendo nobreza egual;Teu amor é o teu crime,É o grilhão que te opprimeN'esta masmorra fatal!Sou doudo por ter amadoA bella irmã de um reinante!Sou doudo por ter logradoDa princeza amor constante!Doudo, sim, doudo por ella,Por ella que é minha estrella,Por ella, por mais ninguem;Por ella, que é minha vida,Sim por ella, a mais queridaDas damas que o mundo tem.Por ella, que o viu pobreSó das musas bemfadado,E desceu do solio nobre,Deu amor ao desgraçado;Por ella, tão extremosa,Que rejeita desdenhosaD'altos principes a mão,Para não ir n'outros braçosPartir nossos doces laços,Dar a outro o coração.Eis o crime, o crime horrendo,Que me deu prisão tão dura,Onde entre doudos gemendoVou correndo á sepultura!Eu amei e fui amado,Era assás. Sou desgraçado,Não nasci para o prazer;No livro do sello eternoEstava escripto este inferno,Na desgraça heide morrer.Não importa! é minha herançaSoffrer sempre e não gosar;Se a Affonso cabe a vingança,Ao Tasso cabe o chorar:Se a elle um peito de féra,Onde só vingança impera,Se a elle a corôa ducal,Ao Tasso cabe a poesia,Cabe a fonte da harmonia,Cabe a corôa que mais val.Eu não troco a sorte avara,Que é meu mesquinho condão,Por teu sceptro de FerraraManchado de ingratidão.Se não morres, é que eu pobreDei a penna á casa nobre,Em cantos a celebrei;Eu não morro, porque o céoEternos versos me deuCom que as Cruzadas cantei.A. Xavier Rodrigues Cordeiro.
São negras estas arcadas,Sepulchral este lagedo,Lugubres estas escadas,Estas paredes põem medo;Estas prisões são soturnas,São medonhas como as furnas,Escondidas sob o chão;Nenhum bem aqui me afaga,Tudo aqui a mente esmaga,Tudo opprime o coração!
São negras estas arcadas,
Sepulchral este lagedo,
Lugubres estas escadas,
Estas paredes põem medo;
Estas prisões são soturnas,
São medonhas como as furnas,
Escondidas sob o chão;
Nenhum bem aqui me afaga,
Tudo aqui a mente esmaga,
Tudo opprime o coração!
Nem do norte a meiga brisa,Nem um lampejo da lua,Nem raio do sol deslisaN'esta caverna tão núa:Lá d'essas grades do fundoVem-me, n'um côro profundoGargalhadas infernaes;Surgem lá rostos desfeitos,Que em visagens, em tregeitosDe loucura dão signaes.
Nem do norte a meiga brisa,
Nem um lampejo da lua,
Nem raio do sol deslisa
N'esta caverna tão núa:
Lá d'essas grades do fundo
Vem-me, n'um côro profundo
Gargalhadas infernaes;
Surgem lá rostos desfeitos,
Que em visagens, em tregeitos
De loucura dão signaes.
Santo Deus, que sina a minha!Onde estou ninguem m'o disse,Mas um poeta adivinha;É nas covas da doudice:Vivo n'esta horrivel casa,Onde a mente se me abrasaTé o martyrio tocar;Onde a rasão se entibia,Onde triste, dia a dia,Vejo as forças acabar:
Santo Deus, que sina a minha!
Onde estou ninguem m'o disse,
Mas um poeta adivinha;
É nas covas da doudice:
Vivo n'esta horrivel casa,
Onde a mente se me abrasa
Té o martyrio tocar;
Onde a rasão se entibia,
Onde triste, dia a dia,
Vejo as forças acabar:
Onde a mudez mais pungenteMe torna vil a pobreza,Onde ninguem se consenteQue me afague na tristeza;Onde a sêde me devora,Onde debalde se imploraUma palavra d'amor;Onde o frio me consomme,Onde, longe em longe, a fomeVem augmentar este horror.
Onde a mudez mais pungente
Me torna vil a pobreza,
Onde ninguem se consente
Que me afague na tristeza;
Onde a sêde me devora,
Onde debalde se implora
Uma palavra d'amor;
Onde o frio me consomme,
Onde, longe em longe, a fome
Vem augmentar este horror.
Eu, doudo! Dizei-o, montesDe Solima encantadora!Fallae, vastos horisontes,D'essa Asia abrasadora!Dize-o tu, oh Godofredo,Ou tu, valente Tancredo,Que em meus versos exaltei!Dizei, Armida formosa!Dizei, Clorinda famosa!Dizei todos que eu cantei!
Eu, doudo! Dizei-o, montes
De Solima encantadora!
Fallae, vastos horisontes,
D'essa Asia abrasadora!
Dize-o tu, oh Godofredo,
Ou tu, valente Tancredo,
Que em meus versos exaltei!
Dizei, Armida formosa!
Dizei, Clorinda famosa!
Dizei todos que eu cantei!
Eu doudo! Erguei-vos juntos,Defendei vosso cantor!Fallae, oh santos assumptosQue eu cantei com tanto amor!Falla tambem Aguia d'Éste,Que por mim teu vôo erguesteInda dos mundos alem!Fallae, sepulchro de Christo,Falle o canto nunca visto,Falla tu, Jerusalem!
Eu doudo! Erguei-vos juntos,
Defendei vosso cantor!
Fallae, oh santos assumptos
Que eu cantei com tanto amor!
Falla tambem Aguia d'Éste,
Que por mim teu vôo ergueste
Inda dos mundos alem!
Fallae, sepulchro de Christo,
Falle o canto nunca visto,
Falla tu, Jerusalem!
Tasso, Tasso que fizestePara tal condemnação?Á corôa os olhos erguesteSem te importar o brazão!Foste amar uma princeza,Não tendo tanta riqueza,Não tendo nobreza egual;Teu amor é o teu crime,É o grilhão que te opprimeN'esta masmorra fatal!
Tasso, Tasso que fizeste
Para tal condemnação?
Á corôa os olhos ergueste
Sem te importar o brazão!
Foste amar uma princeza,
Não tendo tanta riqueza,
Não tendo nobreza egual;
Teu amor é o teu crime,
É o grilhão que te opprime
N'esta masmorra fatal!
Sou doudo por ter amadoA bella irmã de um reinante!Sou doudo por ter logradoDa princeza amor constante!Doudo, sim, doudo por ella,Por ella que é minha estrella,Por ella, por mais ninguem;Por ella, que é minha vida,Sim por ella, a mais queridaDas damas que o mundo tem.
Sou doudo por ter amado
A bella irmã de um reinante!
Sou doudo por ter logrado
Da princeza amor constante!
Doudo, sim, doudo por ella,
Por ella que é minha estrella,
Por ella, por mais ninguem;
Por ella, que é minha vida,
Sim por ella, a mais querida
Das damas que o mundo tem.
Por ella, que o viu pobreSó das musas bemfadado,E desceu do solio nobre,Deu amor ao desgraçado;Por ella, tão extremosa,Que rejeita desdenhosaD'altos principes a mão,Para não ir n'outros braçosPartir nossos doces laços,Dar a outro o coração.
Por ella, que o viu pobre
Só das musas bemfadado,
E desceu do solio nobre,
Deu amor ao desgraçado;
Por ella, tão extremosa,
Que rejeita desdenhosa
D'altos principes a mão,
Para não ir n'outros braços
Partir nossos doces laços,
Dar a outro o coração.
Eis o crime, o crime horrendo,Que me deu prisão tão dura,Onde entre doudos gemendoVou correndo á sepultura!Eu amei e fui amado,Era assás. Sou desgraçado,Não nasci para o prazer;No livro do sello eternoEstava escripto este inferno,Na desgraça heide morrer.
Eis o crime, o crime horrendo,
Que me deu prisão tão dura,
Onde entre doudos gemendo
Vou correndo á sepultura!
Eu amei e fui amado,
Era assás. Sou desgraçado,
Não nasci para o prazer;
No livro do sello eterno
Estava escripto este inferno,
Na desgraça heide morrer.
Não importa! é minha herançaSoffrer sempre e não gosar;Se a Affonso cabe a vingança,Ao Tasso cabe o chorar:Se a elle um peito de féra,Onde só vingança impera,Se a elle a corôa ducal,Ao Tasso cabe a poesia,Cabe a fonte da harmonia,Cabe a corôa que mais val.
Não importa! é minha herança
Soffrer sempre e não gosar;
Se a Affonso cabe a vingança,
Ao Tasso cabe o chorar:
Se a elle um peito de féra,
Onde só vingança impera,
Se a elle a corôa ducal,
Ao Tasso cabe a poesia,
Cabe a fonte da harmonia,
Cabe a corôa que mais val.
Eu não troco a sorte avara,Que é meu mesquinho condão,Por teu sceptro de FerraraManchado de ingratidão.Se não morres, é que eu pobreDei a penna á casa nobre,Em cantos a celebrei;Eu não morro, porque o céoEternos versos me deuCom que as Cruzadas cantei.
Eu não troco a sorte avara,
Que é meu mesquinho condão,
Por teu sceptro de Ferrara
Manchado de ingratidão.
Se não morres, é que eu pobre
Dei a penna á casa nobre,
Em cantos a celebrei;
Eu não morro, porque o céo
Eternos versos me deu
Com que as Cruzadas cantei.
A. Xavier Rodrigues Cordeiro.
A. Xavier Rodrigues Cordeiro.
Que poeta que não eraDa linda Ignez o cantor!Quem mais de que elle disseraD'esse fero Adamastor!Era um astro fulgurante,Era um poeta gigante,Tinha mais alma que o Dante,Cantava com mais amor!No peito coberto de açoLhe batia um coração,Que nem os cantos do TassoSonharam maior paixão!Era um cantor e soldado,Era um vate enamorado,Foi um poeta inspirado,Como os de hoje já não são.Bem nos cantos se lhe marcaO signal do seu pensar;Nascera, como Petrarcha,Já fadado para amar!Vêde bem o sentimentoCom que dá, sôltas ao vento,Queixas mil do seu tormento,Tristezas do seu trovar!A sorte fel o poeta,Das cinzas da pobre Ignez;O mundo fel-o prophetaDo destino portuguez!Poeta da desventura,Previu a sorte futura,Escreveu com mão seguraA prophecia que fez!Deus, que deu aos portuguezesD'alem mar as regiões,Que nos livrou dos revézes,Deu-nos o rei das canções,Fômos o povo escolhido;O nosso nome temidoHoje só é conhecidoPelos cantos de Camões.Foi-se-lhes a vida em desgosto,Ao que a patria assim cantou;Mais poeta que Ariosto,Que belleza nos legou!Pungido de acerbas dores,Pelo Tejo, seus amores,Foi o rei dos trovadores,Foi o cysne que expirou.Como Ovidio, desterradoLá na gruta de Macáo,Só tem o pranto enxugadoPela mão do pobre Jau;De escravo tornou-se amigo,E no peito, só comsigo,Supportou cruel castigo,Mas nunca se tornou máo.Debruçados sobre os Cantos,Da nossa fama padrão,Bem juntos verteram prantosSobre a nossa escravidão!Mas Camões... a vil tutellaD'essas hostes de Castella...Não pôde chorar sobre ella,Morrera-lhe o coração.Que poeta! e que soldado!Que trovador tão leal!De todos abandonadoSó achou um hospital!Mas a fama portugueza,N'este sec'lo de torpeza,Só tem por toda a grandezaA Camões por pedestal.Alli vivem as victoriasJá do povo, já do rei;Alli vivem as memoriasAlcançadas pela lei;É pharol de nossa fama,Alli vive o Castro e o Gama,Em versos alli proclamaTriumphos da nossa grey.A Camões por monumentoSó resta um livro, não mais;D'aquelle genio portentoNão temos outros signaes;Mas que importa, se a memoriaDo cantor da nossa gloriaAlcançou maior victoriaNos seus cantos colossaes!L. A. Palmeirim,O Trovador, p. 323.—Poesias, p. 112.
Que poeta que não eraDa linda Ignez o cantor!Quem mais de que elle disseraD'esse fero Adamastor!Era um astro fulgurante,Era um poeta gigante,Tinha mais alma que o Dante,Cantava com mais amor!No peito coberto de açoLhe batia um coração,Que nem os cantos do TassoSonharam maior paixão!Era um cantor e soldado,Era um vate enamorado,Foi um poeta inspirado,Como os de hoje já não são.Bem nos cantos se lhe marcaO signal do seu pensar;Nascera, como Petrarcha,Já fadado para amar!Vêde bem o sentimentoCom que dá, sôltas ao vento,Queixas mil do seu tormento,Tristezas do seu trovar!A sorte fel o poeta,Das cinzas da pobre Ignez;O mundo fel-o prophetaDo destino portuguez!Poeta da desventura,Previu a sorte futura,Escreveu com mão seguraA prophecia que fez!Deus, que deu aos portuguezesD'alem mar as regiões,Que nos livrou dos revézes,Deu-nos o rei das canções,Fômos o povo escolhido;O nosso nome temidoHoje só é conhecidoPelos cantos de Camões.Foi-se-lhes a vida em desgosto,Ao que a patria assim cantou;Mais poeta que Ariosto,Que belleza nos legou!Pungido de acerbas dores,Pelo Tejo, seus amores,Foi o rei dos trovadores,Foi o cysne que expirou.Como Ovidio, desterradoLá na gruta de Macáo,Só tem o pranto enxugadoPela mão do pobre Jau;De escravo tornou-se amigo,E no peito, só comsigo,Supportou cruel castigo,Mas nunca se tornou máo.Debruçados sobre os Cantos,Da nossa fama padrão,Bem juntos verteram prantosSobre a nossa escravidão!Mas Camões... a vil tutellaD'essas hostes de Castella...Não pôde chorar sobre ella,Morrera-lhe o coração.Que poeta! e que soldado!Que trovador tão leal!De todos abandonadoSó achou um hospital!Mas a fama portugueza,N'este sec'lo de torpeza,Só tem por toda a grandezaA Camões por pedestal.Alli vivem as victoriasJá do povo, já do rei;Alli vivem as memoriasAlcançadas pela lei;É pharol de nossa fama,Alli vive o Castro e o Gama,Em versos alli proclamaTriumphos da nossa grey.A Camões por monumentoSó resta um livro, não mais;D'aquelle genio portentoNão temos outros signaes;Mas que importa, se a memoriaDo cantor da nossa gloriaAlcançou maior victoriaNos seus cantos colossaes!L. A. Palmeirim,O Trovador, p. 323.—Poesias, p. 112.
Que poeta que não eraDa linda Ignez o cantor!Quem mais de que elle disseraD'esse fero Adamastor!Era um astro fulgurante,Era um poeta gigante,Tinha mais alma que o Dante,Cantava com mais amor!
Que poeta que não era
Da linda Ignez o cantor!
Quem mais de que elle dissera
D'esse fero Adamastor!
Era um astro fulgurante,
Era um poeta gigante,
Tinha mais alma que o Dante,
Cantava com mais amor!
No peito coberto de açoLhe batia um coração,Que nem os cantos do TassoSonharam maior paixão!Era um cantor e soldado,Era um vate enamorado,Foi um poeta inspirado,Como os de hoje já não são.
No peito coberto de aço
Lhe batia um coração,
Que nem os cantos do Tasso
Sonharam maior paixão!
Era um cantor e soldado,
Era um vate enamorado,
Foi um poeta inspirado,
Como os de hoje já não são.
Bem nos cantos se lhe marcaO signal do seu pensar;Nascera, como Petrarcha,Já fadado para amar!Vêde bem o sentimentoCom que dá, sôltas ao vento,Queixas mil do seu tormento,Tristezas do seu trovar!
Bem nos cantos se lhe marca
O signal do seu pensar;
Nascera, como Petrarcha,
Já fadado para amar!
Vêde bem o sentimento
Com que dá, sôltas ao vento,
Queixas mil do seu tormento,
Tristezas do seu trovar!
A sorte fel o poeta,Das cinzas da pobre Ignez;O mundo fel-o prophetaDo destino portuguez!Poeta da desventura,Previu a sorte futura,Escreveu com mão seguraA prophecia que fez!
A sorte fel o poeta,
Das cinzas da pobre Ignez;
O mundo fel-o propheta
Do destino portuguez!
Poeta da desventura,
Previu a sorte futura,
Escreveu com mão segura
A prophecia que fez!
Deus, que deu aos portuguezesD'alem mar as regiões,Que nos livrou dos revézes,Deu-nos o rei das canções,Fômos o povo escolhido;O nosso nome temidoHoje só é conhecidoPelos cantos de Camões.
Deus, que deu aos portuguezes
D'alem mar as regiões,
Que nos livrou dos revézes,
Deu-nos o rei das canções,
Fômos o povo escolhido;
O nosso nome temido
Hoje só é conhecido
Pelos cantos de Camões.
Foi-se-lhes a vida em desgosto,Ao que a patria assim cantou;Mais poeta que Ariosto,Que belleza nos legou!Pungido de acerbas dores,Pelo Tejo, seus amores,Foi o rei dos trovadores,Foi o cysne que expirou.
Foi-se-lhes a vida em desgosto,
Ao que a patria assim cantou;
Mais poeta que Ariosto,
Que belleza nos legou!
Pungido de acerbas dores,
Pelo Tejo, seus amores,
Foi o rei dos trovadores,
Foi o cysne que expirou.
Como Ovidio, desterradoLá na gruta de Macáo,Só tem o pranto enxugadoPela mão do pobre Jau;De escravo tornou-se amigo,E no peito, só comsigo,Supportou cruel castigo,Mas nunca se tornou máo.
Como Ovidio, desterrado
Lá na gruta de Macáo,
Só tem o pranto enxugado
Pela mão do pobre Jau;
De escravo tornou-se amigo,
E no peito, só comsigo,
Supportou cruel castigo,
Mas nunca se tornou máo.
Debruçados sobre os Cantos,Da nossa fama padrão,Bem juntos verteram prantosSobre a nossa escravidão!Mas Camões... a vil tutellaD'essas hostes de Castella...Não pôde chorar sobre ella,Morrera-lhe o coração.
Debruçados sobre os Cantos,
Da nossa fama padrão,
Bem juntos verteram prantos
Sobre a nossa escravidão!
Mas Camões... a vil tutella
D'essas hostes de Castella...
Não pôde chorar sobre ella,
Morrera-lhe o coração.
Que poeta! e que soldado!Que trovador tão leal!De todos abandonadoSó achou um hospital!Mas a fama portugueza,N'este sec'lo de torpeza,Só tem por toda a grandezaA Camões por pedestal.
Que poeta! e que soldado!
Que trovador tão leal!
De todos abandonado
Só achou um hospital!
Mas a fama portugueza,
N'este sec'lo de torpeza,
Só tem por toda a grandeza
A Camões por pedestal.
Alli vivem as victoriasJá do povo, já do rei;Alli vivem as memoriasAlcançadas pela lei;É pharol de nossa fama,Alli vive o Castro e o Gama,Em versos alli proclamaTriumphos da nossa grey.
Alli vivem as victorias
Já do povo, já do rei;
Alli vivem as memorias
Alcançadas pela lei;
É pharol de nossa fama,
Alli vive o Castro e o Gama,
Em versos alli proclama
Triumphos da nossa grey.
A Camões por monumentoSó resta um livro, não mais;D'aquelle genio portentoNão temos outros signaes;Mas que importa, se a memoriaDo cantor da nossa gloriaAlcançou maior victoriaNos seus cantos colossaes!
A Camões por monumento
Só resta um livro, não mais;
D'aquelle genio portento
Não temos outros signaes;
Mas que importa, se a memoria
Do cantor da nossa gloria
Alcançou maior victoria
Nos seus cantos colossaes!
L. A. Palmeirim,O Trovador, p. 323.—Poesias, p. 112.
L. A. Palmeirim,O Trovador, p. 323.—Poesias, p. 112.
Se eu tivera o pincel omnipotenteDe Raphael, de Rubens ou d'Apelles;Se o milagroso escôpro de CanovaA minha dextra ousada manejasse;Se na pedra ou na téla a vida eternaEu podésse infundir c'um leve sôpro,Que magestoso, que eloquente grupoOu na téla ou na pedra hoje criára!Era um grupo formoso, um quadro augusto,Qual antes nunca vi, qual vejo aindaNo fulgor da verdade ante meus olhos,Que de vêl-o e descrel-o se não cançam;Não, não era, não foi visão nem sonho,Mas verdade sómente... a existenciaN'uma phase commum... a humanidadeNo relêvo dos factos cinzelada!Era um grupo formoso, um quadro augusto,Não de amor, de ventura ou de alegria,Mas de infortunio e dôr, e de miseria,Casados por ludibrio á innocencia!Era a infancia dormindo na desgraça,Esquecendo risonha a voz da fome,Era a vida a raiar entre os andrajos,A indigencia assentada ao pé do berço!Quasi ás portas de um templo consagradoÁs artes, ao prazer, ao luxo, aos ricos,Quando a turba pejava as aureas portasDo marmoreo edificio... ao pé, bem pertoSobre as humidas pedras do lagedo,Jaziam abraçadas tres criançasCujo anjo tutellar, e cujo amparoEra apenas o somno da innocencia!Dormiam todas tres; quanto era belloVel-as unidas, enfeixadas n'uma,Repartindo o calor dos tenros corpos,Como o pão que despertas mendigavam!Quanto era bello o vel-as—como a aveQue em presença da morte esconde n'azaA plumosa cabeça—reclinadasNo regaço da fome e da miseria!Dormiam todas tres; talvez bem doceRoçando levemente aquellas almasUm breve, meigo sonho de alegriaFizesse palpitar-lh'os debeis peitos!Mas não, não pode ser... não pode o EternoDeslumbrar-nos em sonhos co' a venturaQuando se hade acordar á voz da fomeEstendendo a quem passa a magra dextra!Como eram já sombrios, macilentos,Aquelles infantis, serenos rostosOnde a vida em botão abria a custo,Como a flôr que desponta em plaga extranha!Nas pallidas feições como se liamDe um precoz soffrimento os negros traços?Como a livida fome lhes roubavaO placido sorriso da innocencia!Que triste sorte e amargurada vidaArrastavam sem queixa aquelles anjos!Em logar dos brinquedos innocentesE dos gosos sem par da curta infancia,Mendigavam, coitadas, no abandonoO pão negro e acerbo da indegencia,Sem um tecto a não ser o céo da patria,E sem mãe... se não tu, oh caridade!...Até quando, oh meu Deus, até que diaSe hade ver no banquete da existenciaUm manjar que não seja para todos,Um logar de que alguem possa expulsar-se?Até quando será o mundo inteiroPatrimonio d'alguns, e para os outrosA penuria, a nudez, o desamparo,E por só privilegio a fome e o carcere?Dormiam todas trez; que meigo somnoO veneno da vida lh'adoçava!Como em cada feição se via impressoO benefico olvido da existencia!Irmãs no sangue, e na desgraça gémeas,Embaladas talvez no mesmo berço,Dormiam todas tres na mesma pedraIgual somno da infancia e desconforto!Eu vi aquelle grupo! era formosoDe soffrimento e graça; illuminava-oDe um extranho fulgor a magestadeSinistra, mas augusta, da miseria!Eu vi aquelle grupo! assim não visseN'aquelle estreito quadro a negra historiaDe muitas gerações... assim não lesseTeu pungente epigramma, oh sociedade!Augusto Lima,Murmurios, p. 91. Lisboa, 1851.
Se eu tivera o pincel omnipotenteDe Raphael, de Rubens ou d'Apelles;Se o milagroso escôpro de CanovaA minha dextra ousada manejasse;Se na pedra ou na téla a vida eternaEu podésse infundir c'um leve sôpro,Que magestoso, que eloquente grupoOu na téla ou na pedra hoje criára!Era um grupo formoso, um quadro augusto,Qual antes nunca vi, qual vejo aindaNo fulgor da verdade ante meus olhos,Que de vêl-o e descrel-o se não cançam;Não, não era, não foi visão nem sonho,Mas verdade sómente... a existenciaN'uma phase commum... a humanidadeNo relêvo dos factos cinzelada!Era um grupo formoso, um quadro augusto,Não de amor, de ventura ou de alegria,Mas de infortunio e dôr, e de miseria,Casados por ludibrio á innocencia!Era a infancia dormindo na desgraça,Esquecendo risonha a voz da fome,Era a vida a raiar entre os andrajos,A indigencia assentada ao pé do berço!Quasi ás portas de um templo consagradoÁs artes, ao prazer, ao luxo, aos ricos,Quando a turba pejava as aureas portasDo marmoreo edificio... ao pé, bem pertoSobre as humidas pedras do lagedo,Jaziam abraçadas tres criançasCujo anjo tutellar, e cujo amparoEra apenas o somno da innocencia!Dormiam todas tres; quanto era belloVel-as unidas, enfeixadas n'uma,Repartindo o calor dos tenros corpos,Como o pão que despertas mendigavam!Quanto era bello o vel-as—como a aveQue em presença da morte esconde n'azaA plumosa cabeça—reclinadasNo regaço da fome e da miseria!Dormiam todas tres; talvez bem doceRoçando levemente aquellas almasUm breve, meigo sonho de alegriaFizesse palpitar-lh'os debeis peitos!Mas não, não pode ser... não pode o EternoDeslumbrar-nos em sonhos co' a venturaQuando se hade acordar á voz da fomeEstendendo a quem passa a magra dextra!Como eram já sombrios, macilentos,Aquelles infantis, serenos rostosOnde a vida em botão abria a custo,Como a flôr que desponta em plaga extranha!Nas pallidas feições como se liamDe um precoz soffrimento os negros traços?Como a livida fome lhes roubavaO placido sorriso da innocencia!Que triste sorte e amargurada vidaArrastavam sem queixa aquelles anjos!Em logar dos brinquedos innocentesE dos gosos sem par da curta infancia,Mendigavam, coitadas, no abandonoO pão negro e acerbo da indegencia,Sem um tecto a não ser o céo da patria,E sem mãe... se não tu, oh caridade!...Até quando, oh meu Deus, até que diaSe hade ver no banquete da existenciaUm manjar que não seja para todos,Um logar de que alguem possa expulsar-se?Até quando será o mundo inteiroPatrimonio d'alguns, e para os outrosA penuria, a nudez, o desamparo,E por só privilegio a fome e o carcere?Dormiam todas trez; que meigo somnoO veneno da vida lh'adoçava!Como em cada feição se via impressoO benefico olvido da existencia!Irmãs no sangue, e na desgraça gémeas,Embaladas talvez no mesmo berço,Dormiam todas tres na mesma pedraIgual somno da infancia e desconforto!Eu vi aquelle grupo! era formosoDe soffrimento e graça; illuminava-oDe um extranho fulgor a magestadeSinistra, mas augusta, da miseria!Eu vi aquelle grupo! assim não visseN'aquelle estreito quadro a negra historiaDe muitas gerações... assim não lesseTeu pungente epigramma, oh sociedade!Augusto Lima,Murmurios, p. 91. Lisboa, 1851.
Se eu tivera o pincel omnipotenteDe Raphael, de Rubens ou d'Apelles;Se o milagroso escôpro de CanovaA minha dextra ousada manejasse;Se na pedra ou na téla a vida eternaEu podésse infundir c'um leve sôpro,Que magestoso, que eloquente grupoOu na téla ou na pedra hoje criára!
Se eu tivera o pincel omnipotente
De Raphael, de Rubens ou d'Apelles;
Se o milagroso escôpro de Canova
A minha dextra ousada manejasse;
Se na pedra ou na téla a vida eterna
Eu podésse infundir c'um leve sôpro,
Que magestoso, que eloquente grupo
Ou na téla ou na pedra hoje criára!
Era um grupo formoso, um quadro augusto,Qual antes nunca vi, qual vejo aindaNo fulgor da verdade ante meus olhos,Que de vêl-o e descrel-o se não cançam;Não, não era, não foi visão nem sonho,Mas verdade sómente... a existenciaN'uma phase commum... a humanidadeNo relêvo dos factos cinzelada!
Era um grupo formoso, um quadro augusto,
Qual antes nunca vi, qual vejo ainda
No fulgor da verdade ante meus olhos,
Que de vêl-o e descrel-o se não cançam;
Não, não era, não foi visão nem sonho,
Mas verdade sómente... a existencia
N'uma phase commum... a humanidade
No relêvo dos factos cinzelada!
Era um grupo formoso, um quadro augusto,Não de amor, de ventura ou de alegria,Mas de infortunio e dôr, e de miseria,Casados por ludibrio á innocencia!Era a infancia dormindo na desgraça,Esquecendo risonha a voz da fome,Era a vida a raiar entre os andrajos,A indigencia assentada ao pé do berço!
Era um grupo formoso, um quadro augusto,
Não de amor, de ventura ou de alegria,
Mas de infortunio e dôr, e de miseria,
Casados por ludibrio á innocencia!
Era a infancia dormindo na desgraça,
Esquecendo risonha a voz da fome,
Era a vida a raiar entre os andrajos,
A indigencia assentada ao pé do berço!
Quasi ás portas de um templo consagradoÁs artes, ao prazer, ao luxo, aos ricos,Quando a turba pejava as aureas portasDo marmoreo edificio... ao pé, bem pertoSobre as humidas pedras do lagedo,Jaziam abraçadas tres criançasCujo anjo tutellar, e cujo amparoEra apenas o somno da innocencia!
Quasi ás portas de um templo consagrado
Ás artes, ao prazer, ao luxo, aos ricos,
Quando a turba pejava as aureas portas
Do marmoreo edificio... ao pé, bem perto
Sobre as humidas pedras do lagedo,
Jaziam abraçadas tres crianças
Cujo anjo tutellar, e cujo amparo
Era apenas o somno da innocencia!
Dormiam todas tres; quanto era belloVel-as unidas, enfeixadas n'uma,Repartindo o calor dos tenros corpos,Como o pão que despertas mendigavam!Quanto era bello o vel-as—como a aveQue em presença da morte esconde n'azaA plumosa cabeça—reclinadasNo regaço da fome e da miseria!
Dormiam todas tres; quanto era bello
Vel-as unidas, enfeixadas n'uma,
Repartindo o calor dos tenros corpos,
Como o pão que despertas mendigavam!
Quanto era bello o vel-as—como a ave
Que em presença da morte esconde n'aza
A plumosa cabeça—reclinadas
No regaço da fome e da miseria!
Dormiam todas tres; talvez bem doceRoçando levemente aquellas almasUm breve, meigo sonho de alegriaFizesse palpitar-lh'os debeis peitos!Mas não, não pode ser... não pode o EternoDeslumbrar-nos em sonhos co' a venturaQuando se hade acordar á voz da fomeEstendendo a quem passa a magra dextra!
Dormiam todas tres; talvez bem doce
Roçando levemente aquellas almas
Um breve, meigo sonho de alegria
Fizesse palpitar-lh'os debeis peitos!
Mas não, não pode ser... não pode o Eterno
Deslumbrar-nos em sonhos co' a ventura
Quando se hade acordar á voz da fome
Estendendo a quem passa a magra dextra!
Como eram já sombrios, macilentos,Aquelles infantis, serenos rostosOnde a vida em botão abria a custo,Como a flôr que desponta em plaga extranha!Nas pallidas feições como se liamDe um precoz soffrimento os negros traços?Como a livida fome lhes roubavaO placido sorriso da innocencia!
Como eram já sombrios, macilentos,
Aquelles infantis, serenos rostos
Onde a vida em botão abria a custo,
Como a flôr que desponta em plaga extranha!
Nas pallidas feições como se liam
De um precoz soffrimento os negros traços?
Como a livida fome lhes roubava
O placido sorriso da innocencia!
Que triste sorte e amargurada vidaArrastavam sem queixa aquelles anjos!Em logar dos brinquedos innocentesE dos gosos sem par da curta infancia,Mendigavam, coitadas, no abandonoO pão negro e acerbo da indegencia,Sem um tecto a não ser o céo da patria,E sem mãe... se não tu, oh caridade!...
Que triste sorte e amargurada vida
Arrastavam sem queixa aquelles anjos!
Em logar dos brinquedos innocentes
E dos gosos sem par da curta infancia,
Mendigavam, coitadas, no abandono
O pão negro e acerbo da indegencia,
Sem um tecto a não ser o céo da patria,
E sem mãe... se não tu, oh caridade!...
Até quando, oh meu Deus, até que diaSe hade ver no banquete da existenciaUm manjar que não seja para todos,Um logar de que alguem possa expulsar-se?Até quando será o mundo inteiroPatrimonio d'alguns, e para os outrosA penuria, a nudez, o desamparo,E por só privilegio a fome e o carcere?
Até quando, oh meu Deus, até que dia
Se hade ver no banquete da existencia
Um manjar que não seja para todos,
Um logar de que alguem possa expulsar-se?
Até quando será o mundo inteiro
Patrimonio d'alguns, e para os outros
A penuria, a nudez, o desamparo,
E por só privilegio a fome e o carcere?
Dormiam todas trez; que meigo somnoO veneno da vida lh'adoçava!Como em cada feição se via impressoO benefico olvido da existencia!Irmãs no sangue, e na desgraça gémeas,Embaladas talvez no mesmo berço,Dormiam todas tres na mesma pedraIgual somno da infancia e desconforto!
Dormiam todas trez; que meigo somno
O veneno da vida lh'adoçava!
Como em cada feição se via impresso
O benefico olvido da existencia!
Irmãs no sangue, e na desgraça gémeas,
Embaladas talvez no mesmo berço,
Dormiam todas tres na mesma pedra
Igual somno da infancia e desconforto!
Eu vi aquelle grupo! era formosoDe soffrimento e graça; illuminava-oDe um extranho fulgor a magestadeSinistra, mas augusta, da miseria!Eu vi aquelle grupo! assim não visseN'aquelle estreito quadro a negra historiaDe muitas gerações... assim não lesseTeu pungente epigramma, oh sociedade!
Eu vi aquelle grupo! era formoso
De soffrimento e graça; illuminava-o
De um extranho fulgor a magestade
Sinistra, mas augusta, da miseria!
Eu vi aquelle grupo! assim não visse
N'aquelle estreito quadro a negra historia
De muitas gerações... assim não lesse
Teu pungente epigramma, oh sociedade!
Augusto Lima,Murmurios, p. 91. Lisboa, 1851.
Augusto Lima,Murmurios, p. 91. Lisboa, 1851.
Lindas, mimosas saphirasQue o véo da noite bordaes,Dizei-me, estrellas, dizei-me,Se é de amor que palpitaes?Vós... que sempre bemfazejas,A luz tão pura nos daes,Não tereis lá nas alturasQuem escute vossos ais?Haveis de ter só por fadoLuzir, luzir, e não mais?Não creio, estrellas, não creio.Sois tão formosas!... amaes.Augusto Lima,O Trovador, p. 196.
Lindas, mimosas saphirasQue o véo da noite bordaes,Dizei-me, estrellas, dizei-me,Se é de amor que palpitaes?Vós... que sempre bemfazejas,A luz tão pura nos daes,Não tereis lá nas alturasQuem escute vossos ais?Haveis de ter só por fadoLuzir, luzir, e não mais?Não creio, estrellas, não creio.Sois tão formosas!... amaes.Augusto Lima,O Trovador, p. 196.
Lindas, mimosas saphirasQue o véo da noite bordaes,Dizei-me, estrellas, dizei-me,Se é de amor que palpitaes?Vós... que sempre bemfazejas,A luz tão pura nos daes,Não tereis lá nas alturasQuem escute vossos ais?Haveis de ter só por fadoLuzir, luzir, e não mais?Não creio, estrellas, não creio.Sois tão formosas!... amaes.
Lindas, mimosas saphiras
Que o véo da noite bordaes,
Dizei-me, estrellas, dizei-me,
Se é de amor que palpitaes?
Vós... que sempre bemfazejas,
A luz tão pura nos daes,
Não tereis lá nas alturas
Quem escute vossos ais?
Haveis de ter só por fado
Luzir, luzir, e não mais?
Não creio, estrellas, não creio.
Sois tão formosas!... amaes.
Augusto Lima,O Trovador, p. 196.
Augusto Lima,O Trovador, p. 196.
Gloria a Deus! eis aberto o livro immenso,O livro do infinito,Onde em mil letras de fulgor intensoSeu nome adoro escripto!Eis de seu tabernáculo corridaUma ponta do véo mysterioso:Desprende as azas, remontando á vida,Alma que anceias pelo eterno goso!Estrellas que brilhaes n'essas moradas,Quaes são vossos destinos?Vós sois, vós sois as lampadas sagradasDe seus umbraes divinos.Pullulando do seio omnipotente,E sumidas por fim na eternidade,Sois as faíscas de seu carro ardenteAo rolar através da immensidade.E cada qual de vós um astro encerra,Um sol que apenas vejo,Monarcha d'outros mundos como a terraQue formam seu cortejo.Ninguem pode contar-vos: quem puderaEsses mundos contar a que daes vida,Escuros para nós qual nossa espheraVos é nas trevas da amplidão sumida?Mas vós perto brilhaes, no fundo accêsasDo throno soberano;Quem vos hade seguir nas profundezasD'esse infinito oceano?E quem hade contar-vos n'essas plagasQue os céos ostentam de brilhante alvura,Lá onde sua mão sustem as vagasDos sóes que um dia romperão na altura?E tudo outr'ora na mudez jaziaNos véos do frio nada;Reinava a noite escura; a luz do diaEra em Deus concentrada.Elle fallou! e as sombras n'um momentoSe dissiparam na amplidão distante!Elle fallou! e o vasto firmamentoSeu véo de mundos desfraldou ovante!E tudo despertou, e tudo giraImmerso em seus fulgores;E cada mundo é sonorosa lyraCantando os seus louvores.Cantae, oh mundos que seu braço impelle,Harpas da creação, fachos do dia,Cantae louvor universal áquelleQue vos sustenta e nos espaços guia!Terra, globo que geras nas entranhasMeu sêr, o sêr humano,Que és tu com teus vulcões, tuas montanhas,E com teu vasto oceano?Tu és um grão d'areia arrebatadoPor esse immenso turbilhão dos mundos,Em volta de seu throno levantadoDo universo aos seios mais profundos.E tu, homem, que és tu, ente mesquinhoQue soberbo te elevas,Buscando sem cessar abrir caminhoPor tuas densas trevas?Que és tu com teus imperios e colossos?Um átomo subtil, um frouxo alento;Tu vives um instante, e de teus ossosSó restam cinzas que sacode o vento.Mas ah! tu pensas, e o girar dos orbesÁ razão encadeias;Tu pensas, e inspirado em Deus te absorvesNa chamma das ideias:Alegra-te, immortal, que esse alto lumeNão morre em trevas de um jazigo escasso!Gloria a Deus, que n'um atomo resumeO pensamento que transcende o espaço!Caminha, oh rei da terra! se inda és pobre,Conquista aureo destino,E de seculo em seculo mais nobreEleva a Deus teu hymno!E tu, oh terra, nos florídos mantosAbriga os filhos que em teu seio geras,E teu canto de amor reune aos cantosQue a Deus se elevam de milhões de espheras!Dizem que já sem forças, moribunda,Tu vergas decadente:Oh! não, de tanto sol que te circumda,Teu sol inda é fulgente!Tu és joven ainda: a cada passoTu assistes d'um mundo ás agonias,E rolas entretanto n'esse espaçoCoberta de perfumes e harmonias.Mas ai! tu findarás! além scintillaHoje um astro brilhante;Ámanhã, eil-o treme, eil-o vacilla,E fenece arquejante:Que foi? quem o apagou? foi seu alentoQue extinguiu essa luz já fatigada;Foram seculos mil, foi um momentoQue a eternidade fez volver ao nada.Um dia, quem o sabe? um dia, ao pêsoDos annos e ruinas,Tu cahirás n'esse vulcão accêsoQue teu sol denominas.E teus irmãos tambem, esses planetasQue a mesma vida, a mesma luz inflamma,Attrahidos emfim, quaes borboletas,Cahirão como tu na mesma chamma.Então, oh sol, então n'esse aureo thronoQue farás tu ainda,Monarcha solitario, e em abandono,Com tua gloria finda?Tu findarás tambem, a fria morteAlcançará teu carro chammejante:Ella te segue, e prophetisa a sorteN'essas manchas que toldam teu semblante.Que são ellas? talvez os restos friosD'algum antigo mundo,Que inda referve em borbotões sombriosNo teu seio profundo.Talvez, envolta pouco a pouco a frenteNas cinzas sepulchraes de cada filho,Debaixo d'elles todos de repenteApagarás teu vacillante brilho.E as sombras poisarão no vasto imperioQue teu facho allumia;Mas que vale de menos um psalterioDos orbes na harmonia?Outro sol como tu, outras espherasVirão no espaço descantar seu hymno,Renovando nos sitios onde imperasDo sol dos sóes o resplendor divino.Gloria a seu nome! um dia meditandoOutro céo mais perfeito,O céo d'agora a seu altivo mandoTalvez caia desfeito.Então, mundos, estrellas, sóes brilhantes,Qual bando d'aguias na amplidão disperso,Chocando-se em destroços fumegantes,Desabarão no fundo do universo.Então a vida, refluindo ao seioDo fóco soberano,Parará concentrando-se no meioD'esse infinito oceano;E acabado por fim quanto fulgura,Apenas restarão na immensidade—O silencio, aguardando a voz futura,O throno de Jehovah, e a eternidade!A. A. Soares de Passos,Poesias, 145. 2.ª ed. Porto, 1858.
Gloria a Deus! eis aberto o livro immenso,O livro do infinito,Onde em mil letras de fulgor intensoSeu nome adoro escripto!Eis de seu tabernáculo corridaUma ponta do véo mysterioso:Desprende as azas, remontando á vida,Alma que anceias pelo eterno goso!Estrellas que brilhaes n'essas moradas,Quaes são vossos destinos?Vós sois, vós sois as lampadas sagradasDe seus umbraes divinos.Pullulando do seio omnipotente,E sumidas por fim na eternidade,Sois as faíscas de seu carro ardenteAo rolar através da immensidade.E cada qual de vós um astro encerra,Um sol que apenas vejo,Monarcha d'outros mundos como a terraQue formam seu cortejo.Ninguem pode contar-vos: quem puderaEsses mundos contar a que daes vida,Escuros para nós qual nossa espheraVos é nas trevas da amplidão sumida?Mas vós perto brilhaes, no fundo accêsasDo throno soberano;Quem vos hade seguir nas profundezasD'esse infinito oceano?E quem hade contar-vos n'essas plagasQue os céos ostentam de brilhante alvura,Lá onde sua mão sustem as vagasDos sóes que um dia romperão na altura?E tudo outr'ora na mudez jaziaNos véos do frio nada;Reinava a noite escura; a luz do diaEra em Deus concentrada.Elle fallou! e as sombras n'um momentoSe dissiparam na amplidão distante!Elle fallou! e o vasto firmamentoSeu véo de mundos desfraldou ovante!E tudo despertou, e tudo giraImmerso em seus fulgores;E cada mundo é sonorosa lyraCantando os seus louvores.Cantae, oh mundos que seu braço impelle,Harpas da creação, fachos do dia,Cantae louvor universal áquelleQue vos sustenta e nos espaços guia!Terra, globo que geras nas entranhasMeu sêr, o sêr humano,Que és tu com teus vulcões, tuas montanhas,E com teu vasto oceano?Tu és um grão d'areia arrebatadoPor esse immenso turbilhão dos mundos,Em volta de seu throno levantadoDo universo aos seios mais profundos.E tu, homem, que és tu, ente mesquinhoQue soberbo te elevas,Buscando sem cessar abrir caminhoPor tuas densas trevas?Que és tu com teus imperios e colossos?Um átomo subtil, um frouxo alento;Tu vives um instante, e de teus ossosSó restam cinzas que sacode o vento.Mas ah! tu pensas, e o girar dos orbesÁ razão encadeias;Tu pensas, e inspirado em Deus te absorvesNa chamma das ideias:Alegra-te, immortal, que esse alto lumeNão morre em trevas de um jazigo escasso!Gloria a Deus, que n'um atomo resumeO pensamento que transcende o espaço!Caminha, oh rei da terra! se inda és pobre,Conquista aureo destino,E de seculo em seculo mais nobreEleva a Deus teu hymno!E tu, oh terra, nos florídos mantosAbriga os filhos que em teu seio geras,E teu canto de amor reune aos cantosQue a Deus se elevam de milhões de espheras!Dizem que já sem forças, moribunda,Tu vergas decadente:Oh! não, de tanto sol que te circumda,Teu sol inda é fulgente!Tu és joven ainda: a cada passoTu assistes d'um mundo ás agonias,E rolas entretanto n'esse espaçoCoberta de perfumes e harmonias.Mas ai! tu findarás! além scintillaHoje um astro brilhante;Ámanhã, eil-o treme, eil-o vacilla,E fenece arquejante:Que foi? quem o apagou? foi seu alentoQue extinguiu essa luz já fatigada;Foram seculos mil, foi um momentoQue a eternidade fez volver ao nada.Um dia, quem o sabe? um dia, ao pêsoDos annos e ruinas,Tu cahirás n'esse vulcão accêsoQue teu sol denominas.E teus irmãos tambem, esses planetasQue a mesma vida, a mesma luz inflamma,Attrahidos emfim, quaes borboletas,Cahirão como tu na mesma chamma.Então, oh sol, então n'esse aureo thronoQue farás tu ainda,Monarcha solitario, e em abandono,Com tua gloria finda?Tu findarás tambem, a fria morteAlcançará teu carro chammejante:Ella te segue, e prophetisa a sorteN'essas manchas que toldam teu semblante.Que são ellas? talvez os restos friosD'algum antigo mundo,Que inda referve em borbotões sombriosNo teu seio profundo.Talvez, envolta pouco a pouco a frenteNas cinzas sepulchraes de cada filho,Debaixo d'elles todos de repenteApagarás teu vacillante brilho.E as sombras poisarão no vasto imperioQue teu facho allumia;Mas que vale de menos um psalterioDos orbes na harmonia?Outro sol como tu, outras espherasVirão no espaço descantar seu hymno,Renovando nos sitios onde imperasDo sol dos sóes o resplendor divino.Gloria a seu nome! um dia meditandoOutro céo mais perfeito,O céo d'agora a seu altivo mandoTalvez caia desfeito.Então, mundos, estrellas, sóes brilhantes,Qual bando d'aguias na amplidão disperso,Chocando-se em destroços fumegantes,Desabarão no fundo do universo.Então a vida, refluindo ao seioDo fóco soberano,Parará concentrando-se no meioD'esse infinito oceano;E acabado por fim quanto fulgura,Apenas restarão na immensidade—O silencio, aguardando a voz futura,O throno de Jehovah, e a eternidade!A. A. Soares de Passos,Poesias, 145. 2.ª ed. Porto, 1858.
Gloria a Deus! eis aberto o livro immenso,O livro do infinito,Onde em mil letras de fulgor intensoSeu nome adoro escripto!Eis de seu tabernáculo corridaUma ponta do véo mysterioso:Desprende as azas, remontando á vida,Alma que anceias pelo eterno goso!
Gloria a Deus! eis aberto o livro immenso,
O livro do infinito,
Onde em mil letras de fulgor intenso
Seu nome adoro escripto!
Eis de seu tabernáculo corrida
Uma ponta do véo mysterioso:
Desprende as azas, remontando á vida,
Alma que anceias pelo eterno goso!
Estrellas que brilhaes n'essas moradas,Quaes são vossos destinos?Vós sois, vós sois as lampadas sagradasDe seus umbraes divinos.Pullulando do seio omnipotente,E sumidas por fim na eternidade,Sois as faíscas de seu carro ardenteAo rolar através da immensidade.
Estrellas que brilhaes n'essas moradas,
Quaes são vossos destinos?
Vós sois, vós sois as lampadas sagradas
De seus umbraes divinos.
Pullulando do seio omnipotente,
E sumidas por fim na eternidade,
Sois as faíscas de seu carro ardente
Ao rolar através da immensidade.
E cada qual de vós um astro encerra,Um sol que apenas vejo,Monarcha d'outros mundos como a terraQue formam seu cortejo.Ninguem pode contar-vos: quem puderaEsses mundos contar a que daes vida,Escuros para nós qual nossa espheraVos é nas trevas da amplidão sumida?
E cada qual de vós um astro encerra,
Um sol que apenas vejo,
Monarcha d'outros mundos como a terra
Que formam seu cortejo.
Ninguem pode contar-vos: quem pudera
Esses mundos contar a que daes vida,
Escuros para nós qual nossa esphera
Vos é nas trevas da amplidão sumida?
Mas vós perto brilhaes, no fundo accêsasDo throno soberano;Quem vos hade seguir nas profundezasD'esse infinito oceano?E quem hade contar-vos n'essas plagasQue os céos ostentam de brilhante alvura,Lá onde sua mão sustem as vagasDos sóes que um dia romperão na altura?
Mas vós perto brilhaes, no fundo accêsas
Do throno soberano;
Quem vos hade seguir nas profundezas
D'esse infinito oceano?
E quem hade contar-vos n'essas plagas
Que os céos ostentam de brilhante alvura,
Lá onde sua mão sustem as vagas
Dos sóes que um dia romperão na altura?
E tudo outr'ora na mudez jaziaNos véos do frio nada;Reinava a noite escura; a luz do diaEra em Deus concentrada.Elle fallou! e as sombras n'um momentoSe dissiparam na amplidão distante!Elle fallou! e o vasto firmamentoSeu véo de mundos desfraldou ovante!
E tudo outr'ora na mudez jazia
Nos véos do frio nada;
Reinava a noite escura; a luz do dia
Era em Deus concentrada.
Elle fallou! e as sombras n'um momento
Se dissiparam na amplidão distante!
Elle fallou! e o vasto firmamento
Seu véo de mundos desfraldou ovante!
E tudo despertou, e tudo giraImmerso em seus fulgores;E cada mundo é sonorosa lyraCantando os seus louvores.Cantae, oh mundos que seu braço impelle,Harpas da creação, fachos do dia,Cantae louvor universal áquelleQue vos sustenta e nos espaços guia!
E tudo despertou, e tudo gira
Immerso em seus fulgores;
E cada mundo é sonorosa lyra
Cantando os seus louvores.
Cantae, oh mundos que seu braço impelle,
Harpas da creação, fachos do dia,
Cantae louvor universal áquelle
Que vos sustenta e nos espaços guia!
Terra, globo que geras nas entranhasMeu sêr, o sêr humano,Que és tu com teus vulcões, tuas montanhas,E com teu vasto oceano?Tu és um grão d'areia arrebatadoPor esse immenso turbilhão dos mundos,Em volta de seu throno levantadoDo universo aos seios mais profundos.
Terra, globo que geras nas entranhas
Meu sêr, o sêr humano,
Que és tu com teus vulcões, tuas montanhas,
E com teu vasto oceano?
Tu és um grão d'areia arrebatado
Por esse immenso turbilhão dos mundos,
Em volta de seu throno levantado
Do universo aos seios mais profundos.
E tu, homem, que és tu, ente mesquinhoQue soberbo te elevas,Buscando sem cessar abrir caminhoPor tuas densas trevas?Que és tu com teus imperios e colossos?Um átomo subtil, um frouxo alento;Tu vives um instante, e de teus ossosSó restam cinzas que sacode o vento.
E tu, homem, que és tu, ente mesquinho
Que soberbo te elevas,
Buscando sem cessar abrir caminho
Por tuas densas trevas?
Que és tu com teus imperios e colossos?
Um átomo subtil, um frouxo alento;
Tu vives um instante, e de teus ossos
Só restam cinzas que sacode o vento.
Mas ah! tu pensas, e o girar dos orbesÁ razão encadeias;Tu pensas, e inspirado em Deus te absorvesNa chamma das ideias:Alegra-te, immortal, que esse alto lumeNão morre em trevas de um jazigo escasso!Gloria a Deus, que n'um atomo resumeO pensamento que transcende o espaço!
Mas ah! tu pensas, e o girar dos orbes
Á razão encadeias;
Tu pensas, e inspirado em Deus te absorves
Na chamma das ideias:
Alegra-te, immortal, que esse alto lume
Não morre em trevas de um jazigo escasso!
Gloria a Deus, que n'um atomo resume
O pensamento que transcende o espaço!
Caminha, oh rei da terra! se inda és pobre,Conquista aureo destino,E de seculo em seculo mais nobreEleva a Deus teu hymno!E tu, oh terra, nos florídos mantosAbriga os filhos que em teu seio geras,E teu canto de amor reune aos cantosQue a Deus se elevam de milhões de espheras!
Caminha, oh rei da terra! se inda és pobre,
Conquista aureo destino,
E de seculo em seculo mais nobre
Eleva a Deus teu hymno!
E tu, oh terra, nos florídos mantos
Abriga os filhos que em teu seio geras,
E teu canto de amor reune aos cantos
Que a Deus se elevam de milhões de espheras!
Dizem que já sem forças, moribunda,Tu vergas decadente:Oh! não, de tanto sol que te circumda,Teu sol inda é fulgente!Tu és joven ainda: a cada passoTu assistes d'um mundo ás agonias,E rolas entretanto n'esse espaçoCoberta de perfumes e harmonias.
Dizem que já sem forças, moribunda,
Tu vergas decadente:
Oh! não, de tanto sol que te circumda,
Teu sol inda é fulgente!
Tu és joven ainda: a cada passo
Tu assistes d'um mundo ás agonias,
E rolas entretanto n'esse espaço
Coberta de perfumes e harmonias.
Mas ai! tu findarás! além scintillaHoje um astro brilhante;Ámanhã, eil-o treme, eil-o vacilla,E fenece arquejante:Que foi? quem o apagou? foi seu alentoQue extinguiu essa luz já fatigada;Foram seculos mil, foi um momentoQue a eternidade fez volver ao nada.
Mas ai! tu findarás! além scintilla
Hoje um astro brilhante;
Ámanhã, eil-o treme, eil-o vacilla,
E fenece arquejante:
Que foi? quem o apagou? foi seu alento
Que extinguiu essa luz já fatigada;
Foram seculos mil, foi um momento
Que a eternidade fez volver ao nada.
Um dia, quem o sabe? um dia, ao pêsoDos annos e ruinas,Tu cahirás n'esse vulcão accêsoQue teu sol denominas.E teus irmãos tambem, esses planetasQue a mesma vida, a mesma luz inflamma,Attrahidos emfim, quaes borboletas,Cahirão como tu na mesma chamma.
Um dia, quem o sabe? um dia, ao pêso
Dos annos e ruinas,
Tu cahirás n'esse vulcão accêso
Que teu sol denominas.
E teus irmãos tambem, esses planetas
Que a mesma vida, a mesma luz inflamma,
Attrahidos emfim, quaes borboletas,
Cahirão como tu na mesma chamma.
Então, oh sol, então n'esse aureo thronoQue farás tu ainda,Monarcha solitario, e em abandono,Com tua gloria finda?Tu findarás tambem, a fria morteAlcançará teu carro chammejante:Ella te segue, e prophetisa a sorteN'essas manchas que toldam teu semblante.
Então, oh sol, então n'esse aureo throno
Que farás tu ainda,
Monarcha solitario, e em abandono,
Com tua gloria finda?
Tu findarás tambem, a fria morte
Alcançará teu carro chammejante:
Ella te segue, e prophetisa a sorte
N'essas manchas que toldam teu semblante.
Que são ellas? talvez os restos friosD'algum antigo mundo,Que inda referve em borbotões sombriosNo teu seio profundo.Talvez, envolta pouco a pouco a frenteNas cinzas sepulchraes de cada filho,Debaixo d'elles todos de repenteApagarás teu vacillante brilho.
Que são ellas? talvez os restos frios
D'algum antigo mundo,
Que inda referve em borbotões sombrios
No teu seio profundo.
Talvez, envolta pouco a pouco a frente
Nas cinzas sepulchraes de cada filho,
Debaixo d'elles todos de repente
Apagarás teu vacillante brilho.
E as sombras poisarão no vasto imperioQue teu facho allumia;Mas que vale de menos um psalterioDos orbes na harmonia?Outro sol como tu, outras espherasVirão no espaço descantar seu hymno,Renovando nos sitios onde imperasDo sol dos sóes o resplendor divino.
E as sombras poisarão no vasto imperio
Que teu facho allumia;
Mas que vale de menos um psalterio
Dos orbes na harmonia?
Outro sol como tu, outras espheras
Virão no espaço descantar seu hymno,
Renovando nos sitios onde imperas
Do sol dos sóes o resplendor divino.
Gloria a seu nome! um dia meditandoOutro céo mais perfeito,O céo d'agora a seu altivo mandoTalvez caia desfeito.Então, mundos, estrellas, sóes brilhantes,Qual bando d'aguias na amplidão disperso,Chocando-se em destroços fumegantes,Desabarão no fundo do universo.
Gloria a seu nome! um dia meditando
Outro céo mais perfeito,
O céo d'agora a seu altivo mando
Talvez caia desfeito.
Então, mundos, estrellas, sóes brilhantes,
Qual bando d'aguias na amplidão disperso,
Chocando-se em destroços fumegantes,
Desabarão no fundo do universo.
Então a vida, refluindo ao seioDo fóco soberano,Parará concentrando-se no meioD'esse infinito oceano;E acabado por fim quanto fulgura,Apenas restarão na immensidade—O silencio, aguardando a voz futura,O throno de Jehovah, e a eternidade!
Então a vida, refluindo ao seio
Do fóco soberano,
Parará concentrando-se no meio
D'esse infinito oceano;
E acabado por fim quanto fulgura,
Apenas restarão na immensidade—
O silencio, aguardando a voz futura,
O throno de Jehovah, e a eternidade!
A. A. Soares de Passos,Poesias, 145. 2.ª ed. Porto, 1858.
A. A. Soares de Passos,Poesias, 145. 2.ª ed. Porto, 1858.
Que immenso vacuo n'este peito sinto!Que arfar eterno de revolto mar!Que fogo ardente, que já mais extinctoSómente afrouxa para mais queimar?Ai! esta sêde que meu peito rala,Talvez a apague mundanal prazer:Ali ao menos poderei fartal-a,Ou n'um lethargo sem paixões viver.Mas d'essa taça já pensei... não quero!Quero deleites que inda não sentí...A lucta, os riscos d'um combate féro!Talvez encantos acharei alli.A lucta, os riscos, em acção travadasGuerreiras hostes disputando o chão;O sangue em jorros, o tinir d'espadas,O fumo e o fogo de voraz canhão!Ali os gosos de um feroz delirioÁ luz das armas sentirei em mim,Ou n'uma d'ellas o funéreo cirioQue á paz dos mortos me conduza emfim.Mas não, não quero sobre a terra escravaA vós tyrannos immolar o irmão...O mar, o mar, que em sua furia bravaNinguem domina com servil grilhão!O mar, o mar! sobre escarcéus revoltosEm fragil lenho fluctuar me aprazAo som das vagas e dos ventos soltos,E das centelhas ao clarão fugaz.Alli sorrindo da feroz tormenta,E dos abysmos que me abrir aos pés,Dentro d'esta alma de prazer sedentaSublime goso sentirei talvez.Mas o mar livre tem um leito aindaQue os meus anélos poderá suster...O espaço! o espaço! na amplidão infindaTalvez que possa o coração encher.O espaço, o espaço! qual ligeiro ventoIrei lançar-me n'esse mar sem fim,E a longos tragos aspirar o alento,Sentir a vida que desejo em mim...Ora aguia altiva, desprezando o sólo,O rei dos astros buscarei então,Ora entre as neves do gelado póloVoarei nas azas do veloz tufão.Mas solitario, sem cessar errante,De que valêra na amplidão correr?...A gloria, a gloria, que em painel brilhanteMe offerece a imagem d'um maior prazer!A gloria, a gloria, mil trophéus ganhados,Mil verdes palmas e laureis tambem;Triumphos, c'rôas e sonoros bradosDa turba: É elle!—repetindo alem...Então em sonhos d'uma vida infindaVerei a chamma d'immortal pharol,Que em meu sepulchro resplandeça ainda,Bem como a lua quando é morto o sol.Mas não, que a inveja com a voz mentida,A luz em sombras poderá tornar...O amor, o amor, que redobrando a vida,A vida n'outrem me fará gosar!O amor, o amor, celestial perfumeQue a mão dos anjos sobre nós verteu,Doce mysterio que n'um só resumeDous pensamentos aspirando ao céo!O amor, o amor, não mentiroso incensoQue em frios labios só no mundo achei,Mas immutavel, mas sublime e immensoQual em meus sonhos juvenís sonhei...O amor! só elle poderá n'esta almaRisonhas crenças outra vez gerar,De minha sêde mitigar a calma,E inda fazer-me reviver e amar.A. A. Soares de Passos,Poesias, pag. 43.
Que immenso vacuo n'este peito sinto!Que arfar eterno de revolto mar!Que fogo ardente, que já mais extinctoSómente afrouxa para mais queimar?Ai! esta sêde que meu peito rala,Talvez a apague mundanal prazer:Ali ao menos poderei fartal-a,Ou n'um lethargo sem paixões viver.Mas d'essa taça já pensei... não quero!Quero deleites que inda não sentí...A lucta, os riscos d'um combate féro!Talvez encantos acharei alli.A lucta, os riscos, em acção travadasGuerreiras hostes disputando o chão;O sangue em jorros, o tinir d'espadas,O fumo e o fogo de voraz canhão!Ali os gosos de um feroz delirioÁ luz das armas sentirei em mim,Ou n'uma d'ellas o funéreo cirioQue á paz dos mortos me conduza emfim.Mas não, não quero sobre a terra escravaA vós tyrannos immolar o irmão...O mar, o mar, que em sua furia bravaNinguem domina com servil grilhão!O mar, o mar! sobre escarcéus revoltosEm fragil lenho fluctuar me aprazAo som das vagas e dos ventos soltos,E das centelhas ao clarão fugaz.Alli sorrindo da feroz tormenta,E dos abysmos que me abrir aos pés,Dentro d'esta alma de prazer sedentaSublime goso sentirei talvez.Mas o mar livre tem um leito aindaQue os meus anélos poderá suster...O espaço! o espaço! na amplidão infindaTalvez que possa o coração encher.O espaço, o espaço! qual ligeiro ventoIrei lançar-me n'esse mar sem fim,E a longos tragos aspirar o alento,Sentir a vida que desejo em mim...Ora aguia altiva, desprezando o sólo,O rei dos astros buscarei então,Ora entre as neves do gelado póloVoarei nas azas do veloz tufão.Mas solitario, sem cessar errante,De que valêra na amplidão correr?...A gloria, a gloria, que em painel brilhanteMe offerece a imagem d'um maior prazer!A gloria, a gloria, mil trophéus ganhados,Mil verdes palmas e laureis tambem;Triumphos, c'rôas e sonoros bradosDa turba: É elle!—repetindo alem...Então em sonhos d'uma vida infindaVerei a chamma d'immortal pharol,Que em meu sepulchro resplandeça ainda,Bem como a lua quando é morto o sol.Mas não, que a inveja com a voz mentida,A luz em sombras poderá tornar...O amor, o amor, que redobrando a vida,A vida n'outrem me fará gosar!O amor, o amor, celestial perfumeQue a mão dos anjos sobre nós verteu,Doce mysterio que n'um só resumeDous pensamentos aspirando ao céo!O amor, o amor, não mentiroso incensoQue em frios labios só no mundo achei,Mas immutavel, mas sublime e immensoQual em meus sonhos juvenís sonhei...O amor! só elle poderá n'esta almaRisonhas crenças outra vez gerar,De minha sêde mitigar a calma,E inda fazer-me reviver e amar.A. A. Soares de Passos,Poesias, pag. 43.
Que immenso vacuo n'este peito sinto!Que arfar eterno de revolto mar!Que fogo ardente, que já mais extinctoSómente afrouxa para mais queimar?Ai! esta sêde que meu peito rala,Talvez a apague mundanal prazer:Ali ao menos poderei fartal-a,Ou n'um lethargo sem paixões viver.
Que immenso vacuo n'este peito sinto!
Que arfar eterno de revolto mar!
Que fogo ardente, que já mais extincto
Sómente afrouxa para mais queimar?
Ai! esta sêde que meu peito rala,
Talvez a apague mundanal prazer:
Ali ao menos poderei fartal-a,
Ou n'um lethargo sem paixões viver.
Mas d'essa taça já pensei... não quero!Quero deleites que inda não sentí...A lucta, os riscos d'um combate féro!Talvez encantos acharei alli.
Mas d'essa taça já pensei... não quero!
Quero deleites que inda não sentí...
A lucta, os riscos d'um combate féro!
Talvez encantos acharei alli.
A lucta, os riscos, em acção travadasGuerreiras hostes disputando o chão;O sangue em jorros, o tinir d'espadas,O fumo e o fogo de voraz canhão!Ali os gosos de um feroz delirioÁ luz das armas sentirei em mim,Ou n'uma d'ellas o funéreo cirioQue á paz dos mortos me conduza emfim.
A lucta, os riscos, em acção travadas
Guerreiras hostes disputando o chão;
O sangue em jorros, o tinir d'espadas,
O fumo e o fogo de voraz canhão!
Ali os gosos de um feroz delirio
Á luz das armas sentirei em mim,
Ou n'uma d'ellas o funéreo cirio
Que á paz dos mortos me conduza emfim.
Mas não, não quero sobre a terra escravaA vós tyrannos immolar o irmão...O mar, o mar, que em sua furia bravaNinguem domina com servil grilhão!
Mas não, não quero sobre a terra escrava
A vós tyrannos immolar o irmão...
O mar, o mar, que em sua furia brava
Ninguem domina com servil grilhão!
O mar, o mar! sobre escarcéus revoltosEm fragil lenho fluctuar me aprazAo som das vagas e dos ventos soltos,E das centelhas ao clarão fugaz.Alli sorrindo da feroz tormenta,E dos abysmos que me abrir aos pés,Dentro d'esta alma de prazer sedentaSublime goso sentirei talvez.
O mar, o mar! sobre escarcéus revoltos
Em fragil lenho fluctuar me apraz
Ao som das vagas e dos ventos soltos,
E das centelhas ao clarão fugaz.
Alli sorrindo da feroz tormenta,
E dos abysmos que me abrir aos pés,
Dentro d'esta alma de prazer sedenta
Sublime goso sentirei talvez.
Mas o mar livre tem um leito aindaQue os meus anélos poderá suster...O espaço! o espaço! na amplidão infindaTalvez que possa o coração encher.
Mas o mar livre tem um leito ainda
Que os meus anélos poderá suster...
O espaço! o espaço! na amplidão infinda
Talvez que possa o coração encher.
O espaço, o espaço! qual ligeiro ventoIrei lançar-me n'esse mar sem fim,E a longos tragos aspirar o alento,Sentir a vida que desejo em mim...Ora aguia altiva, desprezando o sólo,O rei dos astros buscarei então,Ora entre as neves do gelado póloVoarei nas azas do veloz tufão.
O espaço, o espaço! qual ligeiro vento
Irei lançar-me n'esse mar sem fim,
E a longos tragos aspirar o alento,
Sentir a vida que desejo em mim...
Ora aguia altiva, desprezando o sólo,
O rei dos astros buscarei então,
Ora entre as neves do gelado pólo
Voarei nas azas do veloz tufão.
Mas solitario, sem cessar errante,De que valêra na amplidão correr?...A gloria, a gloria, que em painel brilhanteMe offerece a imagem d'um maior prazer!
Mas solitario, sem cessar errante,
De que valêra na amplidão correr?...
A gloria, a gloria, que em painel brilhante
Me offerece a imagem d'um maior prazer!
A gloria, a gloria, mil trophéus ganhados,Mil verdes palmas e laureis tambem;Triumphos, c'rôas e sonoros bradosDa turba: É elle!—repetindo alem...Então em sonhos d'uma vida infindaVerei a chamma d'immortal pharol,Que em meu sepulchro resplandeça ainda,Bem como a lua quando é morto o sol.
A gloria, a gloria, mil trophéus ganhados,
Mil verdes palmas e laureis tambem;
Triumphos, c'rôas e sonoros brados
Da turba: É elle!—repetindo alem...
Então em sonhos d'uma vida infinda
Verei a chamma d'immortal pharol,
Que em meu sepulchro resplandeça ainda,
Bem como a lua quando é morto o sol.
Mas não, que a inveja com a voz mentida,A luz em sombras poderá tornar...O amor, o amor, que redobrando a vida,A vida n'outrem me fará gosar!
Mas não, que a inveja com a voz mentida,
A luz em sombras poderá tornar...
O amor, o amor, que redobrando a vida,
A vida n'outrem me fará gosar!
O amor, o amor, celestial perfumeQue a mão dos anjos sobre nós verteu,Doce mysterio que n'um só resumeDous pensamentos aspirando ao céo!O amor, o amor, não mentiroso incensoQue em frios labios só no mundo achei,Mas immutavel, mas sublime e immensoQual em meus sonhos juvenís sonhei...
O amor, o amor, celestial perfume
Que a mão dos anjos sobre nós verteu,
Doce mysterio que n'um só resume
Dous pensamentos aspirando ao céo!
O amor, o amor, não mentiroso incenso
Que em frios labios só no mundo achei,
Mas immutavel, mas sublime e immenso
Qual em meus sonhos juvenís sonhei...
O amor! só elle poderá n'esta almaRisonhas crenças outra vez gerar,De minha sêde mitigar a calma,E inda fazer-me reviver e amar.
O amor! só elle poderá n'esta alma
Risonhas crenças outra vez gerar,
De minha sêde mitigar a calma,
E inda fazer-me reviver e amar.
A. A. Soares de Passos,Poesias, pag. 43.
A. A. Soares de Passos,Poesias, pag. 43.
Foi n'uma negra noite...Sósinho, á beira mar...Ai, toca-me esses cantosQue m'a fazem lembrar!E o vento era tão frio!Chamei então por Deus...E Deus foi mudo, e mudosA terra, o mar e os céus.Sorri-me!... Era uma vagaQue alem vinha a bramir...Ai, toca-me esses cantos,Que gosto de os ouvir!Um véo de negras nuvensNão vem o céo turbar?Ás vezes ha prazeresN'um triste recordar.E que saudade eu sintoLembrando-me d'então!Ai, toca-me esses cantos,Que tão saudosos são.Oh, longe, longe! E ouvi-te...Não penses que eu menti...Que diga o vento e as rochasO que eu chamei por ti.E não me ouviste. O oceanoGemendo ouviu meus ais!...É tam triste esta musica!...Ai não m'a toques mais.S.—A Grinalda, vol. I, pag. 28.
Foi n'uma negra noite...Sósinho, á beira mar...Ai, toca-me esses cantosQue m'a fazem lembrar!E o vento era tão frio!Chamei então por Deus...E Deus foi mudo, e mudosA terra, o mar e os céus.Sorri-me!... Era uma vagaQue alem vinha a bramir...Ai, toca-me esses cantos,Que gosto de os ouvir!Um véo de negras nuvensNão vem o céo turbar?Ás vezes ha prazeresN'um triste recordar.E que saudade eu sintoLembrando-me d'então!Ai, toca-me esses cantos,Que tão saudosos são.Oh, longe, longe! E ouvi-te...Não penses que eu menti...Que diga o vento e as rochasO que eu chamei por ti.E não me ouviste. O oceanoGemendo ouviu meus ais!...É tam triste esta musica!...Ai não m'a toques mais.S.—A Grinalda, vol. I, pag. 28.
Foi n'uma negra noite...Sósinho, á beira mar...Ai, toca-me esses cantosQue m'a fazem lembrar!
Foi n'uma negra noite...
Sósinho, á beira mar...
Ai, toca-me esses cantos
Que m'a fazem lembrar!
E o vento era tão frio!Chamei então por Deus...E Deus foi mudo, e mudosA terra, o mar e os céus.
E o vento era tão frio!
Chamei então por Deus...
E Deus foi mudo, e mudos
A terra, o mar e os céus.
Sorri-me!... Era uma vagaQue alem vinha a bramir...Ai, toca-me esses cantos,Que gosto de os ouvir!
Sorri-me!... Era uma vaga
Que alem vinha a bramir...
Ai, toca-me esses cantos,
Que gosto de os ouvir!
Um véo de negras nuvensNão vem o céo turbar?Ás vezes ha prazeresN'um triste recordar.
Um véo de negras nuvens
Não vem o céo turbar?
Ás vezes ha prazeres
N'um triste recordar.
E que saudade eu sintoLembrando-me d'então!Ai, toca-me esses cantos,Que tão saudosos são.
E que saudade eu sinto
Lembrando-me d'então!
Ai, toca-me esses cantos,
Que tão saudosos são.
Oh, longe, longe! E ouvi-te...Não penses que eu menti...Que diga o vento e as rochasO que eu chamei por ti.
Oh, longe, longe! E ouvi-te...
Não penses que eu menti...
Que diga o vento e as rochas
O que eu chamei por ti.
E não me ouviste. O oceanoGemendo ouviu meus ais!...É tam triste esta musica!...Ai não m'a toques mais.
E não me ouviste. O oceano
Gemendo ouviu meus ais!...
É tam triste esta musica!...
Ai não m'a toques mais.
S.—A Grinalda, vol. I, pag. 28.
S.—A Grinalda, vol. I, pag. 28.
Que te importam a ti, astro fecundo,Essas mil gerações de fragil barro,Que vês, qual denso pó, brotar no mundoSob as ardentes rodas do teu carro?Quando, nuncio da vida, a mão do eternoTe fez brilhar no espaço a vez primeira,Medonhas sombras, e continuo invernoCobriam a teus pés a terra inteira.Mas apenas a luz doirando os ares,Veiu annunciar-lhe, oh sol, o teu destino,O gelo róla convertido em mares,E a terra sólta da existencia o hymno,Que mais querias tu? No immenso gritoQue exhalava, acordando, a natureza,Nas ondas, nas florestas, no infinitoVias gravado, oh sol, tua grandeza.E disseste comtigo:—A vida e as floresSão o rastro que deixo em meu caminho,Quando, cingido d'immortaes fulgores,Em mortas solidões rólo sósinho.Disseste; e proseguindo o immenso trilho,N'outras regiões entraste socegado,E em cada globo a que chegou teu brilho,D'um novo genesís ouviste o brado.Que te importava o mundo? Á luz immensaDe teus lucidos mantos desprendida,Já o verme infeliz que vive e pensaPara te festejar saudára a vida;E se acaso de novo, oh sol fecundo,Encontrasses a terra erma e gelada,D'entre as ruinas fataes do antigo mundoFizeras mil nações surgir do nada.Que tinha, pois, comtigo a obscura raçaQue só diz grande, e bella e omnipotente,Mas que, envolta no pó, sussurra e passa,Sem jámais encarar teu brilho ardente?Deus o mandou, oh sol. Ás tuas plantasNunca da terra o passageiro gritoIrá turbar as harmonias sanctasDas espheras que vagam no infinito.Não! Embora as nações caiam por terraCom seus templos, suas leis, seus monumentos;Tu passarás tranquillo, á luz da guerra,Por cima dos cadaveres sangrentos.Rica de magestade, á flôr dos mares,Bella n'outr'ora a Atlantida reinava,Casando o torvo som d'impios folgaresDo rude oceano á voz ruidosa e cava.Debalde em torno d'ella a tempestadeSoltava, ás noites, infernal lamento...Deus mandava-lhe ignota mocidadeNo rugir dos trovões, na voz do vento,E ella rindo vaidosa, á luz erranteQue o céo, a terra, e as ondas accendia,Clamava ao mar revolto:—«Eia, oh gigante,Repete a voz de Deus, responde á orgia.Que tens? Porque deitado ao pé das fragas,Gemes a custo em vil torpor submerso?Brinca tambem, oh mar, enrola as vagas,E vem se pódes embalar meu berço.»Mas um dia fatal, em torno d'ella,A sombra d'Elohim pairou nos ares,E ao som ruidoso de infernal procella,Passou rente c'o a terra erguendo os mares.E ella, qual flôr secca e mirrada,Que a lava arroja em turbilhões de fumo,Sentiu metter-lhe os hombros a rajada,E arrastal-a no chão sem lei, sem rumo.E hoje, que é d'ella, oh Sol? N'essas paragensAinda em pé, na gavêa, o marinheiroErgue altivo seus canticos selvagensProcurando um albergue hospitaleiro:Mas em torno de si, no mar deserto,Só vê mil rolos de fervente espuma,E a gaivota que fende em giro incertoDo horisonte longinquo a densa bruma.E tu, oh sol, tu passas como d'antes,Sereno, magestoso e solitario,Doirando as vastas solidões fluctuantes,Que são da pobre Atlantida o sudario.Deus creou-te immortal. Seu braço immensoGravou no teu clarão: Gloria e mysterio.E entre nuvens de canticos e incensoDeu-te de ignotas solidões o imperio.Eia, caminha pois—esparge ufanoN'esses ermos sem fim teus mil fulgores,E deixa o homem levantar insanoD'um orgulho infundado os vãos clamores.Eu já li nas canções de antiga raçaQue um dia cahirás do excelso throno,Como as penhas, que o raio despedaça,Ou como as folhas que desprende o outono.E ri-me. O vérme insano, o rei obscuroPor suas mãos em farça vil coroado,Imaginar-se um deus, lêr no futuro,E erguer aos astros pavoroso brado!Elle, que ao teu clarão surgindo ufanoDo seio inerte da brutal materiaNem vê nos céos, nos montes, no oceanoDe seu fadario horrivel a miseria!Elle julgar-se um deus!... Mas n'outra edadeTambém eu te bradei louco d'amores:—A ti, a ti, oh sol, a immensidade,Mas a nós... as paixões, a crença e as flores.—Doido! Que importa caminhar na terraEbrio de amor, d'aspiração e gloria,Se tudo, tudo que este mundo encerraTem de esquecer por fim nossa memoria?Que vale, oh sol, n'um extasis profundoCrear mil sonhos de immortal belleza,Se nem um élo, um só, nos prende ao mundo?Se nada tem comnosco a natureza?Segue, segue o teu curso, astro bemdito,Que entre milhões de sóes vaidoso passasDerramando nos seios do infinitoO ardente germen de futuras raças.Tu, sim, és immortal.—Na tua frenteReluz etherea, inextinguivel chamma,Que sempre, sempre, á voz do omnipotente,De novas éras o raiar proclama.Tu sim, és immortal. Embora o diaPerdido, ao longe, na veloz carreiraDeixes de novo a terra arida e friaBuscando n'outros céos a errada esteira;Embora; ao teu clarão todo o universoClamará ao Senhor: «Senhor, piedade!»E elle fendendo os céos em luz submerso,Te mostrará de novo a immensidade.1854Alexandre Braga,Grinalda, t. II, p. 134.
Que te importam a ti, astro fecundo,Essas mil gerações de fragil barro,Que vês, qual denso pó, brotar no mundoSob as ardentes rodas do teu carro?Quando, nuncio da vida, a mão do eternoTe fez brilhar no espaço a vez primeira,Medonhas sombras, e continuo invernoCobriam a teus pés a terra inteira.Mas apenas a luz doirando os ares,Veiu annunciar-lhe, oh sol, o teu destino,O gelo róla convertido em mares,E a terra sólta da existencia o hymno,Que mais querias tu? No immenso gritoQue exhalava, acordando, a natureza,Nas ondas, nas florestas, no infinitoVias gravado, oh sol, tua grandeza.E disseste comtigo:—A vida e as floresSão o rastro que deixo em meu caminho,Quando, cingido d'immortaes fulgores,Em mortas solidões rólo sósinho.Disseste; e proseguindo o immenso trilho,N'outras regiões entraste socegado,E em cada globo a que chegou teu brilho,D'um novo genesís ouviste o brado.Que te importava o mundo? Á luz immensaDe teus lucidos mantos desprendida,Já o verme infeliz que vive e pensaPara te festejar saudára a vida;E se acaso de novo, oh sol fecundo,Encontrasses a terra erma e gelada,D'entre as ruinas fataes do antigo mundoFizeras mil nações surgir do nada.Que tinha, pois, comtigo a obscura raçaQue só diz grande, e bella e omnipotente,Mas que, envolta no pó, sussurra e passa,Sem jámais encarar teu brilho ardente?Deus o mandou, oh sol. Ás tuas plantasNunca da terra o passageiro gritoIrá turbar as harmonias sanctasDas espheras que vagam no infinito.Não! Embora as nações caiam por terraCom seus templos, suas leis, seus monumentos;Tu passarás tranquillo, á luz da guerra,Por cima dos cadaveres sangrentos.Rica de magestade, á flôr dos mares,Bella n'outr'ora a Atlantida reinava,Casando o torvo som d'impios folgaresDo rude oceano á voz ruidosa e cava.Debalde em torno d'ella a tempestadeSoltava, ás noites, infernal lamento...Deus mandava-lhe ignota mocidadeNo rugir dos trovões, na voz do vento,E ella rindo vaidosa, á luz erranteQue o céo, a terra, e as ondas accendia,Clamava ao mar revolto:—«Eia, oh gigante,Repete a voz de Deus, responde á orgia.Que tens? Porque deitado ao pé das fragas,Gemes a custo em vil torpor submerso?Brinca tambem, oh mar, enrola as vagas,E vem se pódes embalar meu berço.»Mas um dia fatal, em torno d'ella,A sombra d'Elohim pairou nos ares,E ao som ruidoso de infernal procella,Passou rente c'o a terra erguendo os mares.E ella, qual flôr secca e mirrada,Que a lava arroja em turbilhões de fumo,Sentiu metter-lhe os hombros a rajada,E arrastal-a no chão sem lei, sem rumo.E hoje, que é d'ella, oh Sol? N'essas paragensAinda em pé, na gavêa, o marinheiroErgue altivo seus canticos selvagensProcurando um albergue hospitaleiro:Mas em torno de si, no mar deserto,Só vê mil rolos de fervente espuma,E a gaivota que fende em giro incertoDo horisonte longinquo a densa bruma.E tu, oh sol, tu passas como d'antes,Sereno, magestoso e solitario,Doirando as vastas solidões fluctuantes,Que são da pobre Atlantida o sudario.Deus creou-te immortal. Seu braço immensoGravou no teu clarão: Gloria e mysterio.E entre nuvens de canticos e incensoDeu-te de ignotas solidões o imperio.Eia, caminha pois—esparge ufanoN'esses ermos sem fim teus mil fulgores,E deixa o homem levantar insanoD'um orgulho infundado os vãos clamores.Eu já li nas canções de antiga raçaQue um dia cahirás do excelso throno,Como as penhas, que o raio despedaça,Ou como as folhas que desprende o outono.E ri-me. O vérme insano, o rei obscuroPor suas mãos em farça vil coroado,Imaginar-se um deus, lêr no futuro,E erguer aos astros pavoroso brado!Elle, que ao teu clarão surgindo ufanoDo seio inerte da brutal materiaNem vê nos céos, nos montes, no oceanoDe seu fadario horrivel a miseria!Elle julgar-se um deus!... Mas n'outra edadeTambém eu te bradei louco d'amores:—A ti, a ti, oh sol, a immensidade,Mas a nós... as paixões, a crença e as flores.—Doido! Que importa caminhar na terraEbrio de amor, d'aspiração e gloria,Se tudo, tudo que este mundo encerraTem de esquecer por fim nossa memoria?Que vale, oh sol, n'um extasis profundoCrear mil sonhos de immortal belleza,Se nem um élo, um só, nos prende ao mundo?Se nada tem comnosco a natureza?Segue, segue o teu curso, astro bemdito,Que entre milhões de sóes vaidoso passasDerramando nos seios do infinitoO ardente germen de futuras raças.Tu, sim, és immortal.—Na tua frenteReluz etherea, inextinguivel chamma,Que sempre, sempre, á voz do omnipotente,De novas éras o raiar proclama.Tu sim, és immortal. Embora o diaPerdido, ao longe, na veloz carreiraDeixes de novo a terra arida e friaBuscando n'outros céos a errada esteira;Embora; ao teu clarão todo o universoClamará ao Senhor: «Senhor, piedade!»E elle fendendo os céos em luz submerso,Te mostrará de novo a immensidade.1854Alexandre Braga,Grinalda, t. II, p. 134.
Que te importam a ti, astro fecundo,Essas mil gerações de fragil barro,Que vês, qual denso pó, brotar no mundoSob as ardentes rodas do teu carro?
Que te importam a ti, astro fecundo,
Essas mil gerações de fragil barro,
Que vês, qual denso pó, brotar no mundo
Sob as ardentes rodas do teu carro?
Quando, nuncio da vida, a mão do eternoTe fez brilhar no espaço a vez primeira,Medonhas sombras, e continuo invernoCobriam a teus pés a terra inteira.
Quando, nuncio da vida, a mão do eterno
Te fez brilhar no espaço a vez primeira,
Medonhas sombras, e continuo inverno
Cobriam a teus pés a terra inteira.
Mas apenas a luz doirando os ares,Veiu annunciar-lhe, oh sol, o teu destino,O gelo róla convertido em mares,E a terra sólta da existencia o hymno,
Mas apenas a luz doirando os ares,
Veiu annunciar-lhe, oh sol, o teu destino,
O gelo róla convertido em mares,
E a terra sólta da existencia o hymno,
Que mais querias tu? No immenso gritoQue exhalava, acordando, a natureza,Nas ondas, nas florestas, no infinitoVias gravado, oh sol, tua grandeza.
Que mais querias tu? No immenso grito
Que exhalava, acordando, a natureza,
Nas ondas, nas florestas, no infinito
Vias gravado, oh sol, tua grandeza.
E disseste comtigo:—A vida e as floresSão o rastro que deixo em meu caminho,Quando, cingido d'immortaes fulgores,Em mortas solidões rólo sósinho.
E disseste comtigo:—A vida e as flores
São o rastro que deixo em meu caminho,
Quando, cingido d'immortaes fulgores,
Em mortas solidões rólo sósinho.
Disseste; e proseguindo o immenso trilho,N'outras regiões entraste socegado,E em cada globo a que chegou teu brilho,D'um novo genesís ouviste o brado.
Disseste; e proseguindo o immenso trilho,
N'outras regiões entraste socegado,
E em cada globo a que chegou teu brilho,
D'um novo genesís ouviste o brado.
Que te importava o mundo? Á luz immensaDe teus lucidos mantos desprendida,Já o verme infeliz que vive e pensaPara te festejar saudára a vida;
Que te importava o mundo? Á luz immensa
De teus lucidos mantos desprendida,
Já o verme infeliz que vive e pensa
Para te festejar saudára a vida;
E se acaso de novo, oh sol fecundo,Encontrasses a terra erma e gelada,D'entre as ruinas fataes do antigo mundoFizeras mil nações surgir do nada.
E se acaso de novo, oh sol fecundo,
Encontrasses a terra erma e gelada,
D'entre as ruinas fataes do antigo mundo
Fizeras mil nações surgir do nada.
Que tinha, pois, comtigo a obscura raçaQue só diz grande, e bella e omnipotente,Mas que, envolta no pó, sussurra e passa,Sem jámais encarar teu brilho ardente?
Que tinha, pois, comtigo a obscura raça
Que só diz grande, e bella e omnipotente,
Mas que, envolta no pó, sussurra e passa,
Sem jámais encarar teu brilho ardente?
Deus o mandou, oh sol. Ás tuas plantasNunca da terra o passageiro gritoIrá turbar as harmonias sanctasDas espheras que vagam no infinito.
Deus o mandou, oh sol. Ás tuas plantas
Nunca da terra o passageiro grito
Irá turbar as harmonias sanctas
Das espheras que vagam no infinito.
Não! Embora as nações caiam por terraCom seus templos, suas leis, seus monumentos;Tu passarás tranquillo, á luz da guerra,Por cima dos cadaveres sangrentos.
Não! Embora as nações caiam por terra
Com seus templos, suas leis, seus monumentos;
Tu passarás tranquillo, á luz da guerra,
Por cima dos cadaveres sangrentos.
Rica de magestade, á flôr dos mares,Bella n'outr'ora a Atlantida reinava,Casando o torvo som d'impios folgaresDo rude oceano á voz ruidosa e cava.
Rica de magestade, á flôr dos mares,
Bella n'outr'ora a Atlantida reinava,
Casando o torvo som d'impios folgares
Do rude oceano á voz ruidosa e cava.
Debalde em torno d'ella a tempestadeSoltava, ás noites, infernal lamento...Deus mandava-lhe ignota mocidadeNo rugir dos trovões, na voz do vento,
Debalde em torno d'ella a tempestade
Soltava, ás noites, infernal lamento...
Deus mandava-lhe ignota mocidade
No rugir dos trovões, na voz do vento,
E ella rindo vaidosa, á luz erranteQue o céo, a terra, e as ondas accendia,Clamava ao mar revolto:—«Eia, oh gigante,Repete a voz de Deus, responde á orgia.
E ella rindo vaidosa, á luz errante
Que o céo, a terra, e as ondas accendia,
Clamava ao mar revolto:—«Eia, oh gigante,
Repete a voz de Deus, responde á orgia.
Que tens? Porque deitado ao pé das fragas,Gemes a custo em vil torpor submerso?Brinca tambem, oh mar, enrola as vagas,E vem se pódes embalar meu berço.»
Que tens? Porque deitado ao pé das fragas,
Gemes a custo em vil torpor submerso?
Brinca tambem, oh mar, enrola as vagas,
E vem se pódes embalar meu berço.»
Mas um dia fatal, em torno d'ella,A sombra d'Elohim pairou nos ares,E ao som ruidoso de infernal procella,Passou rente c'o a terra erguendo os mares.
Mas um dia fatal, em torno d'ella,
A sombra d'Elohim pairou nos ares,
E ao som ruidoso de infernal procella,
Passou rente c'o a terra erguendo os mares.
E ella, qual flôr secca e mirrada,Que a lava arroja em turbilhões de fumo,Sentiu metter-lhe os hombros a rajada,E arrastal-a no chão sem lei, sem rumo.
E ella, qual flôr secca e mirrada,
Que a lava arroja em turbilhões de fumo,
Sentiu metter-lhe os hombros a rajada,
E arrastal-a no chão sem lei, sem rumo.
E hoje, que é d'ella, oh Sol? N'essas paragensAinda em pé, na gavêa, o marinheiroErgue altivo seus canticos selvagensProcurando um albergue hospitaleiro:
E hoje, que é d'ella, oh Sol? N'essas paragens
Ainda em pé, na gavêa, o marinheiro
Ergue altivo seus canticos selvagens
Procurando um albergue hospitaleiro:
Mas em torno de si, no mar deserto,Só vê mil rolos de fervente espuma,E a gaivota que fende em giro incertoDo horisonte longinquo a densa bruma.
Mas em torno de si, no mar deserto,
Só vê mil rolos de fervente espuma,
E a gaivota que fende em giro incerto
Do horisonte longinquo a densa bruma.
E tu, oh sol, tu passas como d'antes,Sereno, magestoso e solitario,Doirando as vastas solidões fluctuantes,Que são da pobre Atlantida o sudario.
E tu, oh sol, tu passas como d'antes,
Sereno, magestoso e solitario,
Doirando as vastas solidões fluctuantes,
Que são da pobre Atlantida o sudario.
Deus creou-te immortal. Seu braço immensoGravou no teu clarão: Gloria e mysterio.E entre nuvens de canticos e incensoDeu-te de ignotas solidões o imperio.
Deus creou-te immortal. Seu braço immenso
Gravou no teu clarão: Gloria e mysterio.
E entre nuvens de canticos e incenso
Deu-te de ignotas solidões o imperio.
Eia, caminha pois—esparge ufanoN'esses ermos sem fim teus mil fulgores,E deixa o homem levantar insanoD'um orgulho infundado os vãos clamores.
Eia, caminha pois—esparge ufano
N'esses ermos sem fim teus mil fulgores,
E deixa o homem levantar insano
D'um orgulho infundado os vãos clamores.
Eu já li nas canções de antiga raçaQue um dia cahirás do excelso throno,Como as penhas, que o raio despedaça,Ou como as folhas que desprende o outono.
Eu já li nas canções de antiga raça
Que um dia cahirás do excelso throno,
Como as penhas, que o raio despedaça,
Ou como as folhas que desprende o outono.
E ri-me. O vérme insano, o rei obscuroPor suas mãos em farça vil coroado,Imaginar-se um deus, lêr no futuro,E erguer aos astros pavoroso brado!
E ri-me. O vérme insano, o rei obscuro
Por suas mãos em farça vil coroado,
Imaginar-se um deus, lêr no futuro,
E erguer aos astros pavoroso brado!
Elle, que ao teu clarão surgindo ufanoDo seio inerte da brutal materiaNem vê nos céos, nos montes, no oceanoDe seu fadario horrivel a miseria!
Elle, que ao teu clarão surgindo ufano
Do seio inerte da brutal materia
Nem vê nos céos, nos montes, no oceano
De seu fadario horrivel a miseria!
Elle julgar-se um deus!... Mas n'outra edadeTambém eu te bradei louco d'amores:—A ti, a ti, oh sol, a immensidade,Mas a nós... as paixões, a crença e as flores.—
Elle julgar-se um deus!... Mas n'outra edade
Também eu te bradei louco d'amores:
—A ti, a ti, oh sol, a immensidade,
Mas a nós... as paixões, a crença e as flores.—
Doido! Que importa caminhar na terraEbrio de amor, d'aspiração e gloria,Se tudo, tudo que este mundo encerraTem de esquecer por fim nossa memoria?
Doido! Que importa caminhar na terra
Ebrio de amor, d'aspiração e gloria,
Se tudo, tudo que este mundo encerra
Tem de esquecer por fim nossa memoria?
Que vale, oh sol, n'um extasis profundoCrear mil sonhos de immortal belleza,Se nem um élo, um só, nos prende ao mundo?Se nada tem comnosco a natureza?
Que vale, oh sol, n'um extasis profundo
Crear mil sonhos de immortal belleza,
Se nem um élo, um só, nos prende ao mundo?
Se nada tem comnosco a natureza?
Segue, segue o teu curso, astro bemdito,Que entre milhões de sóes vaidoso passasDerramando nos seios do infinitoO ardente germen de futuras raças.
Segue, segue o teu curso, astro bemdito,
Que entre milhões de sóes vaidoso passas
Derramando nos seios do infinito
O ardente germen de futuras raças.
Tu, sim, és immortal.—Na tua frenteReluz etherea, inextinguivel chamma,Que sempre, sempre, á voz do omnipotente,De novas éras o raiar proclama.
Tu, sim, és immortal.—Na tua frente
Reluz etherea, inextinguivel chamma,
Que sempre, sempre, á voz do omnipotente,
De novas éras o raiar proclama.
Tu sim, és immortal. Embora o diaPerdido, ao longe, na veloz carreiraDeixes de novo a terra arida e friaBuscando n'outros céos a errada esteira;
Tu sim, és immortal. Embora o dia
Perdido, ao longe, na veloz carreira
Deixes de novo a terra arida e fria
Buscando n'outros céos a errada esteira;
Embora; ao teu clarão todo o universoClamará ao Senhor: «Senhor, piedade!»E elle fendendo os céos em luz submerso,Te mostrará de novo a immensidade.
Embora; ao teu clarão todo o universo
Clamará ao Senhor: «Senhor, piedade!»
E elle fendendo os céos em luz submerso,
Te mostrará de novo a immensidade.
1854Alexandre Braga,Grinalda, t. II, p. 134.
1854
Alexandre Braga,Grinalda, t. II, p. 134.