Ia o sol desmaiando no occidente,E disseste-me então: «Ah! doce amante,Ditosa eu fôra se inspirasse um Dante:Em seus cantos vivera eternamente!»Fez-se em minh'alma a luz. Um poema ingenteInspirado encetei desde esse instante.Aqui o tens, oh musa; em tom vibranteN'elle celebro o nosso amor ardente.—E mais lhe disse o trovador:—No Pindo,E na fronte ao deus loiro consagrada,Estes versos compuz de amor infindo.—E ella com voz doce e namorada:«Oh! como és bom, e que poema lindo:Excede aJoven Lilia abandonada.»João Penha.
Ia o sol desmaiando no occidente,E disseste-me então: «Ah! doce amante,Ditosa eu fôra se inspirasse um Dante:Em seus cantos vivera eternamente!»Fez-se em minh'alma a luz. Um poema ingenteInspirado encetei desde esse instante.Aqui o tens, oh musa; em tom vibranteN'elle celebro o nosso amor ardente.—E mais lhe disse o trovador:—No Pindo,E na fronte ao deus loiro consagrada,Estes versos compuz de amor infindo.—E ella com voz doce e namorada:«Oh! como és bom, e que poema lindo:Excede aJoven Lilia abandonada.»João Penha.
Ia o sol desmaiando no occidente,E disseste-me então: «Ah! doce amante,Ditosa eu fôra se inspirasse um Dante:Em seus cantos vivera eternamente!»
Ia o sol desmaiando no occidente,
E disseste-me então: «Ah! doce amante,
Ditosa eu fôra se inspirasse um Dante:
Em seus cantos vivera eternamente!»
Fez-se em minh'alma a luz. Um poema ingenteInspirado encetei desde esse instante.Aqui o tens, oh musa; em tom vibranteN'elle celebro o nosso amor ardente.—
Fez-se em minh'alma a luz. Um poema ingente
Inspirado encetei desde esse instante.
Aqui o tens, oh musa; em tom vibrante
N'elle celebro o nosso amor ardente.—
E mais lhe disse o trovador:—No Pindo,E na fronte ao deus loiro consagrada,Estes versos compuz de amor infindo.—
E mais lhe disse o trovador:—No Pindo,
E na fronte ao deus loiro consagrada,
Estes versos compuz de amor infindo.—
E ella com voz doce e namorada:«Oh! como és bom, e que poema lindo:Excede aJoven Lilia abandonada.»
E ella com voz doce e namorada:
«Oh! como és bom, e que poema lindo:
Excede aJoven Lilia abandonada.»
João Penha.
João Penha.
Não te parece esta existencia clara,E deploras em o vate da tristezaAbandone com tanta ligeirezaQuanta mulher gentil ancioso amára.Mais frio em Blondin sobre o Niagára,Julgas minh'alma em vis paixões accesa;E comtudo, nas ostras da bellezaEu só procuro o amor, pérola rara.Seja a mulher como um reptil hedionda,O typo ideal da estupidez suprema,Um monstro informe que da luz se esconda;Ou seja a Venus do marmoreo poema,Um modelo de artistas, a Gioconda;Ser ou não ser amado, eis o problema.João Penha.
Não te parece esta existencia clara,E deploras em o vate da tristezaAbandone com tanta ligeirezaQuanta mulher gentil ancioso amára.Mais frio em Blondin sobre o Niagára,Julgas minh'alma em vis paixões accesa;E comtudo, nas ostras da bellezaEu só procuro o amor, pérola rara.Seja a mulher como um reptil hedionda,O typo ideal da estupidez suprema,Um monstro informe que da luz se esconda;Ou seja a Venus do marmoreo poema,Um modelo de artistas, a Gioconda;Ser ou não ser amado, eis o problema.João Penha.
Não te parece esta existencia clara,E deploras em o vate da tristezaAbandone com tanta ligeirezaQuanta mulher gentil ancioso amára.
Não te parece esta existencia clara,
E deploras em o vate da tristeza
Abandone com tanta ligeireza
Quanta mulher gentil ancioso amára.
Mais frio em Blondin sobre o Niagára,Julgas minh'alma em vis paixões accesa;E comtudo, nas ostras da bellezaEu só procuro o amor, pérola rara.
Mais frio em Blondin sobre o Niagára,
Julgas minh'alma em vis paixões accesa;
E comtudo, nas ostras da belleza
Eu só procuro o amor, pérola rara.
Seja a mulher como um reptil hedionda,O typo ideal da estupidez suprema,Um monstro informe que da luz se esconda;
Seja a mulher como um reptil hedionda,
O typo ideal da estupidez suprema,
Um monstro informe que da luz se esconda;
Ou seja a Venus do marmoreo poema,Um modelo de artistas, a Gioconda;Ser ou não ser amado, eis o problema.
Ou seja a Venus do marmoreo poema,
Um modelo de artistas, a Gioconda;
Ser ou não ser amado, eis o problema.
João Penha.
João Penha.
Soltava a barca da pescaAs azas brancas de neveAos mansos ventos do sul!Estava a tarde tão fresca;Estava o céo tão azul.Ella corria assim leveComo a espuma que faziaNa carreira que levava!Se a vela toda se enchiaA borda toda virava;Se a vela cheia tombavaA barca toda se erguia!Era assim que a mariposaD'aquelle vasto oceanoVolitava em manso abril,Sobre a onda buliçosaQue ia e vinha, em giro eterno,Beijar as fragas, sutil.Eu na rocha mudo e quedoSeguia a vela co'a vistaDe quem vê a que é só vistaCom suave e doce medo!E n'aquelle engano d'almaQue arrobada trazia,Sem saber que confundiaA que o fogo, branda, accalma,A que o éstro accende em mim,Com a barca fugidiaQue corre, e corre, perdidoO rumo e norte sem fim...Até d'ella me esquecia!Que pois me era esquecidoD'este mundo em que vivia.Foi então, Deus meu, que assombro!Que um não sei que de tão leveSentí poisar no meu hombro...—Mão de neve,D'onde vens?Quem te deu, gentil mãosinha,Esse aroma, essa magia,Que tu tens?Esse encanto d'onde vinha?D'onde vens?Louco de mim, que não viaLuz que doiras o meu dia,Que eras tu...Perdido n'aquelle enlevo...Eu, que a ventura te devoQue possúo.Depois, inclinada a faceComo o céo que lá se arquêa,Apontaste ao longe a aldêaQue sobre o monte renaceÁ luz de cada manhã,Como rosa, que sobre hasteAbre as pétalas mimosa,E a barquinha me apontasteQue se ía librando airosaTão louçã!Uniste as mãos; e olhando,Co'esse olhar que amor te dá,O céo, que a tarde incendeia,Murmuraste suspirando,E com voz de magoa cheia—A vida... lá!Alberto Telles.
Soltava a barca da pescaAs azas brancas de neveAos mansos ventos do sul!Estava a tarde tão fresca;Estava o céo tão azul.Ella corria assim leveComo a espuma que faziaNa carreira que levava!Se a vela toda se enchiaA borda toda virava;Se a vela cheia tombavaA barca toda se erguia!Era assim que a mariposaD'aquelle vasto oceanoVolitava em manso abril,Sobre a onda buliçosaQue ia e vinha, em giro eterno,Beijar as fragas, sutil.Eu na rocha mudo e quedoSeguia a vela co'a vistaDe quem vê a que é só vistaCom suave e doce medo!E n'aquelle engano d'almaQue arrobada trazia,Sem saber que confundiaA que o fogo, branda, accalma,A que o éstro accende em mim,Com a barca fugidiaQue corre, e corre, perdidoO rumo e norte sem fim...Até d'ella me esquecia!Que pois me era esquecidoD'este mundo em que vivia.Foi então, Deus meu, que assombro!Que um não sei que de tão leveSentí poisar no meu hombro...—Mão de neve,D'onde vens?Quem te deu, gentil mãosinha,Esse aroma, essa magia,Que tu tens?Esse encanto d'onde vinha?D'onde vens?Louco de mim, que não viaLuz que doiras o meu dia,Que eras tu...Perdido n'aquelle enlevo...Eu, que a ventura te devoQue possúo.Depois, inclinada a faceComo o céo que lá se arquêa,Apontaste ao longe a aldêaQue sobre o monte renaceÁ luz de cada manhã,Como rosa, que sobre hasteAbre as pétalas mimosa,E a barquinha me apontasteQue se ía librando airosaTão louçã!Uniste as mãos; e olhando,Co'esse olhar que amor te dá,O céo, que a tarde incendeia,Murmuraste suspirando,E com voz de magoa cheia—A vida... lá!Alberto Telles.
Soltava a barca da pescaAs azas brancas de neveAos mansos ventos do sul!Estava a tarde tão fresca;Estava o céo tão azul.
Soltava a barca da pesca
As azas brancas de neve
Aos mansos ventos do sul!
Estava a tarde tão fresca;
Estava o céo tão azul.
Ella corria assim leveComo a espuma que faziaNa carreira que levava!Se a vela toda se enchiaA borda toda virava;Se a vela cheia tombavaA barca toda se erguia!
Ella corria assim leve
Como a espuma que fazia
Na carreira que levava!
Se a vela toda se enchia
A borda toda virava;
Se a vela cheia tombava
A barca toda se erguia!
Era assim que a mariposaD'aquelle vasto oceanoVolitava em manso abril,Sobre a onda buliçosaQue ia e vinha, em giro eterno,Beijar as fragas, sutil.
Era assim que a mariposa
D'aquelle vasto oceano
Volitava em manso abril,
Sobre a onda buliçosa
Que ia e vinha, em giro eterno,
Beijar as fragas, sutil.
Eu na rocha mudo e quedoSeguia a vela co'a vistaDe quem vê a que é só vistaCom suave e doce medo!
Eu na rocha mudo e quedo
Seguia a vela co'a vista
De quem vê a que é só vista
Com suave e doce medo!
E n'aquelle engano d'almaQue arrobada trazia,Sem saber que confundiaA que o fogo, branda, accalma,A que o éstro accende em mim,Com a barca fugidiaQue corre, e corre, perdidoO rumo e norte sem fim...Até d'ella me esquecia!Que pois me era esquecidoD'este mundo em que vivia.
E n'aquelle engano d'alma
Que arrobada trazia,
Sem saber que confundia
A que o fogo, branda, accalma,
A que o éstro accende em mim,
Com a barca fugidia
Que corre, e corre, perdido
O rumo e norte sem fim...
Até d'ella me esquecia!
Que pois me era esquecido
D'este mundo em que vivia.
Foi então, Deus meu, que assombro!Que um não sei que de tão leveSentí poisar no meu hombro...—Mão de neve,D'onde vens?Quem te deu, gentil mãosinha,Esse aroma, essa magia,Que tu tens?Esse encanto d'onde vinha?D'onde vens?
Foi então, Deus meu, que assombro!
Que um não sei que de tão leve
Sentí poisar no meu hombro...
—Mão de neve,
D'onde vens?
Quem te deu, gentil mãosinha,
Esse aroma, essa magia,
Que tu tens?
Esse encanto d'onde vinha?
D'onde vens?
Louco de mim, que não viaLuz que doiras o meu dia,Que eras tu...Perdido n'aquelle enlevo...Eu, que a ventura te devoQue possúo.
Louco de mim, que não via
Luz que doiras o meu dia,
Que eras tu...
Perdido n'aquelle enlevo...
Eu, que a ventura te devo
Que possúo.
Depois, inclinada a faceComo o céo que lá se arquêa,Apontaste ao longe a aldêaQue sobre o monte renaceÁ luz de cada manhã,Como rosa, que sobre hasteAbre as pétalas mimosa,E a barquinha me apontasteQue se ía librando airosaTão louçã!
Depois, inclinada a face
Como o céo que lá se arquêa,
Apontaste ao longe a aldêa
Que sobre o monte renace
Á luz de cada manhã,
Como rosa, que sobre haste
Abre as pétalas mimosa,
E a barquinha me apontaste
Que se ía librando airosa
Tão louçã!
Uniste as mãos; e olhando,Co'esse olhar que amor te dá,O céo, que a tarde incendeia,Murmuraste suspirando,E com voz de magoa cheia—A vida... lá!
Uniste as mãos; e olhando,
Co'esse olhar que amor te dá,
O céo, que a tarde incendeia,
Murmuraste suspirando,
E com voz de magoa cheia
—A vida... lá!
Alberto Telles.
Alberto Telles.
Através da transparenciaDo teu bello rosto oval,Ve-se-te a alma—como chammaN'uma urna de crystal.Alberto Telles.
Através da transparenciaDo teu bello rosto oval,Ve-se-te a alma—como chammaN'uma urna de crystal.Alberto Telles.
Através da transparenciaDo teu bello rosto oval,Ve-se-te a alma—como chammaN'uma urna de crystal.
Através da transparencia
Do teu bello rosto oval,
Ve-se-te a alma—como chamma
N'uma urna de crystal.
Alberto Telles.
Alberto Telles.
Quando te vejo, é como se no mundoNinguem mais existisse alem de nós.Não vejo mais ninguem: reinas a sós,E em ti com tudo o mais eu me confundo.A terra, o vasto mar, o céo profundoSão accessorio teu; e na tua vozOuço a toada harmonica e velozDe quanto ha n'este espaço em que me inundo.Nas dobras d'este manto universal,Em que tudo o que é, se involve e alista,Creio que só de ti vem bem e mal;Tudo se move, e move-o a tua vista,E, se a verdade queres que te fale,Não sei se Deus és tu, se um Deus exista...Santos Valente.
Quando te vejo, é como se no mundoNinguem mais existisse alem de nós.Não vejo mais ninguem: reinas a sós,E em ti com tudo o mais eu me confundo.A terra, o vasto mar, o céo profundoSão accessorio teu; e na tua vozOuço a toada harmonica e velozDe quanto ha n'este espaço em que me inundo.Nas dobras d'este manto universal,Em que tudo o que é, se involve e alista,Creio que só de ti vem bem e mal;Tudo se move, e move-o a tua vista,E, se a verdade queres que te fale,Não sei se Deus és tu, se um Deus exista...Santos Valente.
Quando te vejo, é como se no mundoNinguem mais existisse alem de nós.Não vejo mais ninguem: reinas a sós,E em ti com tudo o mais eu me confundo.
Quando te vejo, é como se no mundo
Ninguem mais existisse alem de nós.
Não vejo mais ninguem: reinas a sós,
E em ti com tudo o mais eu me confundo.
A terra, o vasto mar, o céo profundoSão accessorio teu; e na tua vozOuço a toada harmonica e velozDe quanto ha n'este espaço em que me inundo.
A terra, o vasto mar, o céo profundo
São accessorio teu; e na tua voz
Ouço a toada harmonica e veloz
De quanto ha n'este espaço em que me inundo.
Nas dobras d'este manto universal,Em que tudo o que é, se involve e alista,Creio que só de ti vem bem e mal;
Nas dobras d'este manto universal,
Em que tudo o que é, se involve e alista,
Creio que só de ti vem bem e mal;
Tudo se move, e move-o a tua vista,E, se a verdade queres que te fale,Não sei se Deus és tu, se um Deus exista...
Tudo se move, e move-o a tua vista,
E, se a verdade queres que te fale,
Não sei se Deus és tu, se um Deus exista...
Santos Valente.
Santos Valente.
Pequeno, d'onde vens cantando AMarselheza?Da barricada infame? ou d'outra vil torpeza?Que esplendido porvir! Do nada apenas saes,Começas a morder as purpuras reaes,Oh filho trivial da livida canalha!E, vamos! deixa ver... guardaste uma navalha?Não tremas, que eu bem vi! que trazes tu na mão?Intentas já limar as grades da prisão,Fazendo scintillar um ferro contra o solio,Archanjo que adejaes nos fumos do petroleo?...Mas, vamos! abre a mão; não queiras que eu te dê.Bandido, eu bem dizia!—A carta do A B C...Guilherme de Azevedo,A Alma nova, p. 37. Lisboa, 1874.
Pequeno, d'onde vens cantando AMarselheza?Da barricada infame? ou d'outra vil torpeza?Que esplendido porvir! Do nada apenas saes,Começas a morder as purpuras reaes,Oh filho trivial da livida canalha!E, vamos! deixa ver... guardaste uma navalha?Não tremas, que eu bem vi! que trazes tu na mão?Intentas já limar as grades da prisão,Fazendo scintillar um ferro contra o solio,Archanjo que adejaes nos fumos do petroleo?...Mas, vamos! abre a mão; não queiras que eu te dê.Bandido, eu bem dizia!—A carta do A B C...Guilherme de Azevedo,A Alma nova, p. 37. Lisboa, 1874.
Pequeno, d'onde vens cantando AMarselheza?Da barricada infame? ou d'outra vil torpeza?
Pequeno, d'onde vens cantando AMarselheza?
Da barricada infame? ou d'outra vil torpeza?
Que esplendido porvir! Do nada apenas saes,Começas a morder as purpuras reaes,Oh filho trivial da livida canalha!E, vamos! deixa ver... guardaste uma navalha?Não tremas, que eu bem vi! que trazes tu na mão?Intentas já limar as grades da prisão,Fazendo scintillar um ferro contra o solio,Archanjo que adejaes nos fumos do petroleo?...
Que esplendido porvir! Do nada apenas saes,
Começas a morder as purpuras reaes,
Oh filho trivial da livida canalha!
E, vamos! deixa ver... guardaste uma navalha?
Não tremas, que eu bem vi! que trazes tu na mão?
Intentas já limar as grades da prisão,
Fazendo scintillar um ferro contra o solio,
Archanjo que adejaes nos fumos do petroleo?...
Mas, vamos! abre a mão; não queiras que eu te dê.
Mas, vamos! abre a mão; não queiras que eu te dê.
Bandido, eu bem dizia!—A carta do A B C...
Bandido, eu bem dizia!—A carta do A B C...
Guilherme de Azevedo,A Alma nova, p. 37. Lisboa, 1874.
Guilherme de Azevedo,A Alma nova, p. 37. Lisboa, 1874.
Ó machinas febrís eu sinto a cada passo,Nos silvos que soltaes, aquelle canto immenso,Que a nova geração nos labios traz suspensoComo a estancia viril d'uma epopêa d'aço!Emquanto o velho mundo arfando de cansaçoProstrado cae na lucta; em fumo negro e densoLevanta-se a espiral d'esse moderno incensoQue offusca os deuses vãos, annuviando o espaço!Vós sois as creações fulgentes, fabulosasQue, vibrantes, crueis, de lavas sequiosas,Mordeis o pedestal da velha Magestade!E as grandes combustões que sempre vos consommemComeçam, n'um cadinho, a refundir o homem,Fazendo resurgir mais larga a humanidade.Guilherme de Azevedo,Ib.p. 69.
Ó machinas febrís eu sinto a cada passo,Nos silvos que soltaes, aquelle canto immenso,Que a nova geração nos labios traz suspensoComo a estancia viril d'uma epopêa d'aço!Emquanto o velho mundo arfando de cansaçoProstrado cae na lucta; em fumo negro e densoLevanta-se a espiral d'esse moderno incensoQue offusca os deuses vãos, annuviando o espaço!Vós sois as creações fulgentes, fabulosasQue, vibrantes, crueis, de lavas sequiosas,Mordeis o pedestal da velha Magestade!E as grandes combustões que sempre vos consommemComeçam, n'um cadinho, a refundir o homem,Fazendo resurgir mais larga a humanidade.Guilherme de Azevedo,Ib.p. 69.
Ó machinas febrís eu sinto a cada passo,Nos silvos que soltaes, aquelle canto immenso,Que a nova geração nos labios traz suspensoComo a estancia viril d'uma epopêa d'aço!
Ó machinas febrís eu sinto a cada passo,
Nos silvos que soltaes, aquelle canto immenso,
Que a nova geração nos labios traz suspenso
Como a estancia viril d'uma epopêa d'aço!
Emquanto o velho mundo arfando de cansaçoProstrado cae na lucta; em fumo negro e densoLevanta-se a espiral d'esse moderno incensoQue offusca os deuses vãos, annuviando o espaço!
Emquanto o velho mundo arfando de cansaço
Prostrado cae na lucta; em fumo negro e denso
Levanta-se a espiral d'esse moderno incenso
Que offusca os deuses vãos, annuviando o espaço!
Vós sois as creações fulgentes, fabulosasQue, vibrantes, crueis, de lavas sequiosas,Mordeis o pedestal da velha Magestade!
Vós sois as creações fulgentes, fabulosas
Que, vibrantes, crueis, de lavas sequiosas,
Mordeis o pedestal da velha Magestade!
E as grandes combustões que sempre vos consommemComeçam, n'um cadinho, a refundir o homem,Fazendo resurgir mais larga a humanidade.
E as grandes combustões que sempre vos consommem
Começam, n'um cadinho, a refundir o homem,
Fazendo resurgir mais larga a humanidade.
Guilherme de Azevedo,Ib.p. 69.
Guilherme de Azevedo,Ib.p. 69.
Tremeis? Vêde-a dormindo socegada,A deusa dos combates sempiternos:Rugem-lhe em torno os horridos invernos,E tudo é para ella uma alvorada.Não penseis que ella durma, embriagadaNo somno grato dos reaes phalernos;Como Dante, desceu aos vís infernos,E repousa momentos da jornada.Filhos do negro val, filhos da serra,Erguei os vossos gladios coruscantes,Á luz d'aquelle olhar que se descerra.Ide, apertae-lhe os seios uberantes!...De cada gota que cahir na terraHão de surgir impavidos gigantes.Sousa Viterbo,Harmonias phantasticas, p. 97. Porto, 1875.
Tremeis? Vêde-a dormindo socegada,A deusa dos combates sempiternos:Rugem-lhe em torno os horridos invernos,E tudo é para ella uma alvorada.Não penseis que ella durma, embriagadaNo somno grato dos reaes phalernos;Como Dante, desceu aos vís infernos,E repousa momentos da jornada.Filhos do negro val, filhos da serra,Erguei os vossos gladios coruscantes,Á luz d'aquelle olhar que se descerra.Ide, apertae-lhe os seios uberantes!...De cada gota que cahir na terraHão de surgir impavidos gigantes.Sousa Viterbo,Harmonias phantasticas, p. 97. Porto, 1875.
Tremeis? Vêde-a dormindo socegada,A deusa dos combates sempiternos:Rugem-lhe em torno os horridos invernos,E tudo é para ella uma alvorada.
Tremeis? Vêde-a dormindo socegada,
A deusa dos combates sempiternos:
Rugem-lhe em torno os horridos invernos,
E tudo é para ella uma alvorada.
Não penseis que ella durma, embriagadaNo somno grato dos reaes phalernos;Como Dante, desceu aos vís infernos,E repousa momentos da jornada.
Não penseis que ella durma, embriagada
No somno grato dos reaes phalernos;
Como Dante, desceu aos vís infernos,
E repousa momentos da jornada.
Filhos do negro val, filhos da serra,Erguei os vossos gladios coruscantes,Á luz d'aquelle olhar que se descerra.
Filhos do negro val, filhos da serra,
Erguei os vossos gladios coruscantes,
Á luz d'aquelle olhar que se descerra.
Ide, apertae-lhe os seios uberantes!...De cada gota que cahir na terraHão de surgir impavidos gigantes.
Ide, apertae-lhe os seios uberantes!...
De cada gota que cahir na terra
Hão de surgir impavidos gigantes.
Sousa Viterbo,Harmonias phantasticas, p. 97. Porto, 1875.
Sousa Viterbo,Harmonias phantasticas, p. 97. Porto, 1875.
Vós envolveis o corpo nas roupagensMais finas, elegantes, caprichosas;Vêdes passar, alegres, voluptuosas,Do amor fidalgo as lubricas imagens.Adormeceis nas plácidas carruagens,Murchaes no seio as pudibundas rosas,E queimaes essas boccas sequiosasNas boccas feminis dos louros pagens.Tendes tudo; os theatros, a riqueza,As noites de delirio e morbideza,Todas as tentações, todos os brilhos!E só não tendes nas estereis pomas,Oh Venus das esplendidas Sodomas,Uma gota de leite para os filhos!Sousa Viterbo,Harmonias phantasticas, p. 145.
Vós envolveis o corpo nas roupagensMais finas, elegantes, caprichosas;Vêdes passar, alegres, voluptuosas,Do amor fidalgo as lubricas imagens.Adormeceis nas plácidas carruagens,Murchaes no seio as pudibundas rosas,E queimaes essas boccas sequiosasNas boccas feminis dos louros pagens.Tendes tudo; os theatros, a riqueza,As noites de delirio e morbideza,Todas as tentações, todos os brilhos!E só não tendes nas estereis pomas,Oh Venus das esplendidas Sodomas,Uma gota de leite para os filhos!Sousa Viterbo,Harmonias phantasticas, p. 145.
Vós envolveis o corpo nas roupagensMais finas, elegantes, caprichosas;Vêdes passar, alegres, voluptuosas,Do amor fidalgo as lubricas imagens.
Vós envolveis o corpo nas roupagens
Mais finas, elegantes, caprichosas;
Vêdes passar, alegres, voluptuosas,
Do amor fidalgo as lubricas imagens.
Adormeceis nas plácidas carruagens,Murchaes no seio as pudibundas rosas,E queimaes essas boccas sequiosasNas boccas feminis dos louros pagens.
Adormeceis nas plácidas carruagens,
Murchaes no seio as pudibundas rosas,
E queimaes essas boccas sequiosas
Nas boccas feminis dos louros pagens.
Tendes tudo; os theatros, a riqueza,As noites de delirio e morbideza,Todas as tentações, todos os brilhos!
Tendes tudo; os theatros, a riqueza,
As noites de delirio e morbideza,
Todas as tentações, todos os brilhos!
E só não tendes nas estereis pomas,Oh Venus das esplendidas Sodomas,Uma gota de leite para os filhos!
E só não tendes nas estereis pomas,
Oh Venus das esplendidas Sodomas,
Uma gota de leite para os filhos!
Sousa Viterbo,Harmonias phantasticas, p. 145.
Sousa Viterbo,Harmonias phantasticas, p. 145.
Tu sim, tu é que tens d'um deus a essencia!Reconhece-se a tua divindadeNa branca luz formada de bondade,Mais bella de que o peito da innocencia.Teus raios são os raios da existencia,Espadas da justiça e da verdade,E, n'esse livro azul da immensidadeÉs em letras de fogo a Providencia.Ah! se um dia a materia desvairada,Perdendo-se em seu proprio cataclismo,Te congelar a esphera abrazeada.Hade a terra chorar no teu abysmo,E quando apalpe a immensidão do nada,Ha de soltar rugidos d'atheismo.Sousa Viterbo,Harmonias phantasticas, p. 151.
Tu sim, tu é que tens d'um deus a essencia!Reconhece-se a tua divindadeNa branca luz formada de bondade,Mais bella de que o peito da innocencia.Teus raios são os raios da existencia,Espadas da justiça e da verdade,E, n'esse livro azul da immensidadeÉs em letras de fogo a Providencia.Ah! se um dia a materia desvairada,Perdendo-se em seu proprio cataclismo,Te congelar a esphera abrazeada.Hade a terra chorar no teu abysmo,E quando apalpe a immensidão do nada,Ha de soltar rugidos d'atheismo.Sousa Viterbo,Harmonias phantasticas, p. 151.
Tu sim, tu é que tens d'um deus a essencia!Reconhece-se a tua divindadeNa branca luz formada de bondade,Mais bella de que o peito da innocencia.
Tu sim, tu é que tens d'um deus a essencia!
Reconhece-se a tua divindade
Na branca luz formada de bondade,
Mais bella de que o peito da innocencia.
Teus raios são os raios da existencia,Espadas da justiça e da verdade,E, n'esse livro azul da immensidadeÉs em letras de fogo a Providencia.
Teus raios são os raios da existencia,
Espadas da justiça e da verdade,
E, n'esse livro azul da immensidade
És em letras de fogo a Providencia.
Ah! se um dia a materia desvairada,Perdendo-se em seu proprio cataclismo,Te congelar a esphera abrazeada.
Ah! se um dia a materia desvairada,
Perdendo-se em seu proprio cataclismo,
Te congelar a esphera abrazeada.
Hade a terra chorar no teu abysmo,E quando apalpe a immensidão do nada,Ha de soltar rugidos d'atheismo.
Hade a terra chorar no teu abysmo,
E quando apalpe a immensidão do nada,
Ha de soltar rugidos d'atheismo.
Sousa Viterbo,Harmonias phantasticas, p. 151.
Sousa Viterbo,Harmonias phantasticas, p. 151.
Quiz vêr o carcere. Só n'elle haviaUns vultos pálidos de torvo aspecto,Respirava-se a custo, e pareciaQue me esmagava o ennegrecido tecto.Era um mar de paixões, em calmaria;Mar outr'ora revôlto e irrequieto;Apenas pela abobada sombriaRevoava, a zumbir, nocturno insecto.Cheguei-me á turba vil, encarcerada,Em cuja face se cravára o stigmaDo crime, que nos faz estremecer.E perguntei:—Que dolorosa estradaVos trouxe aqui?—E a turba, a esphinge, o enigmaRugir na sombra:—«Não sabemos lêr...»Candido de Figueiredo,Poema da Miseria,p. 153. Coimbra, 1874.
Quiz vêr o carcere. Só n'elle haviaUns vultos pálidos de torvo aspecto,Respirava-se a custo, e pareciaQue me esmagava o ennegrecido tecto.Era um mar de paixões, em calmaria;Mar outr'ora revôlto e irrequieto;Apenas pela abobada sombriaRevoava, a zumbir, nocturno insecto.Cheguei-me á turba vil, encarcerada,Em cuja face se cravára o stigmaDo crime, que nos faz estremecer.E perguntei:—Que dolorosa estradaVos trouxe aqui?—E a turba, a esphinge, o enigmaRugir na sombra:—«Não sabemos lêr...»Candido de Figueiredo,Poema da Miseria,p. 153. Coimbra, 1874.
Quiz vêr o carcere. Só n'elle haviaUns vultos pálidos de torvo aspecto,Respirava-se a custo, e pareciaQue me esmagava o ennegrecido tecto.
Quiz vêr o carcere. Só n'elle havia
Uns vultos pálidos de torvo aspecto,
Respirava-se a custo, e parecia
Que me esmagava o ennegrecido tecto.
Era um mar de paixões, em calmaria;Mar outr'ora revôlto e irrequieto;Apenas pela abobada sombriaRevoava, a zumbir, nocturno insecto.
Era um mar de paixões, em calmaria;
Mar outr'ora revôlto e irrequieto;
Apenas pela abobada sombria
Revoava, a zumbir, nocturno insecto.
Cheguei-me á turba vil, encarcerada,Em cuja face se cravára o stigmaDo crime, que nos faz estremecer.
Cheguei-me á turba vil, encarcerada,
Em cuja face se cravára o stigma
Do crime, que nos faz estremecer.
E perguntei:—Que dolorosa estradaVos trouxe aqui?—E a turba, a esphinge, o enigmaRugir na sombra:—«Não sabemos lêr...»
E perguntei:—Que dolorosa estrada
Vos trouxe aqui?—E a turba, a esphinge, o enigma
Rugir na sombra:—«Não sabemos lêr...»
Candido de Figueiredo,Poema da Miseria,p. 153. Coimbra, 1874.
Candido de Figueiredo,Poema da Miseria,
p. 153. Coimbra, 1874.
Dizia o ouro á pedra: «Ente mesquinho,Que profundo scismar sempre te pregaÁ beira d'uma estrada, ou d'um caminho,Pasmada, mas sem vêr, eterna cega?Em vão o orvalho a ti te lava e rega!Em ti não cresce nunca pão nem vinho,Dura e inutil—o lodo é teu visinho,E o homem só, por te pisar, te emprega.Em ti só medra e cresce o cardo, os lixos,Tu serves só d'abrigo ao lodo e aos bichos,E ensanguentas os pés descalços, nús.Oh pedra! quanto a mim sou a riqueza!»A cega disse então, com singeleza:—Eu tambem guardo no meu seio a luz!Gomes Leal,Claridades do Sul, p. 33. Lisboa, 1875.
Dizia o ouro á pedra: «Ente mesquinho,Que profundo scismar sempre te pregaÁ beira d'uma estrada, ou d'um caminho,Pasmada, mas sem vêr, eterna cega?Em vão o orvalho a ti te lava e rega!Em ti não cresce nunca pão nem vinho,Dura e inutil—o lodo é teu visinho,E o homem só, por te pisar, te emprega.Em ti só medra e cresce o cardo, os lixos,Tu serves só d'abrigo ao lodo e aos bichos,E ensanguentas os pés descalços, nús.Oh pedra! quanto a mim sou a riqueza!»A cega disse então, com singeleza:—Eu tambem guardo no meu seio a luz!Gomes Leal,Claridades do Sul, p. 33. Lisboa, 1875.
Dizia o ouro á pedra: «Ente mesquinho,Que profundo scismar sempre te pregaÁ beira d'uma estrada, ou d'um caminho,Pasmada, mas sem vêr, eterna cega?
Dizia o ouro á pedra: «Ente mesquinho,
Que profundo scismar sempre te prega
Á beira d'uma estrada, ou d'um caminho,
Pasmada, mas sem vêr, eterna cega?
Em vão o orvalho a ti te lava e rega!Em ti não cresce nunca pão nem vinho,Dura e inutil—o lodo é teu visinho,E o homem só, por te pisar, te emprega.
Em vão o orvalho a ti te lava e rega!
Em ti não cresce nunca pão nem vinho,
Dura e inutil—o lodo é teu visinho,
E o homem só, por te pisar, te emprega.
Em ti só medra e cresce o cardo, os lixos,Tu serves só d'abrigo ao lodo e aos bichos,E ensanguentas os pés descalços, nús.
Em ti só medra e cresce o cardo, os lixos,
Tu serves só d'abrigo ao lodo e aos bichos,
E ensanguentas os pés descalços, nús.
Oh pedra! quanto a mim sou a riqueza!»A cega disse então, com singeleza:—Eu tambem guardo no meu seio a luz!
Oh pedra! quanto a mim sou a riqueza!»
A cega disse então, com singeleza:
—Eu tambem guardo no meu seio a luz!
Gomes Leal,Claridades do Sul, p. 33. Lisboa, 1875.
Gomes Leal,Claridades do Sul, p. 33. Lisboa, 1875.
Eu vejo-a vir ao longe perseguida,Como d'um vento livido varrida,Cheia de febre, rota... muito além...—Pelos caminhos asperos da Historia—Emquanto os Reis e os Deuses na gloriaNão ouvem a ninguem!Ella vem tríste, só, silenciosa,Tinta de sangue... pallida, orgulhosa,Em farrapos, na fria escuridão...Buscando o grande dia da batalha,—É ella! É ella! A lividaCanalha!—Caín, é vosso irmão!Elles lá vêm famintos e sombrios,Rotos, selvagens, abanando aos frios,Sem leito e pão, descalços, semi-nús...—Nada, jámais, sua carreira abranda!Fizeram Roma, a Inglaterra e a Holanda,E andaram com Jesus!São os tristes, os vis, os opprimidos,—Em Roma são marcados e batidos,Passam cheios de vastas afflicções!...Nem das mezas lhe atiram as migalhas!Morrem sem nome, ás vezes, nas batalhas,E andam nas sedições.Vêm varridos do aspero destino!Em Roma e velha Grecia erram, sem tino,Nos tumultos, enterros, bacchanaes...Nas praças e nos porticos profundos...E disputam, famintos e immundos,O lixo aos animaes!São os párias, os servos, osillotas,Vivem nas covas humidas, ignotas,Sem luz e ár; arrancam-lhes as mães...—Passam, curvados, nas manhãs geladas!E, depois de já mortos, nas calçadas,Devoram-os os cães.Elles vêm de mui longe... vêm da Historia,Frios, sinistros, maus como... a memoriaDos pesadellos tragicos e maus...—Eu oiço os reis cantando em suas festas!Eelles,elles—maiores do que as florestas—Chorarem nos degraus!É uma antiga e lugubre legenda!—Vão, sempre, sempre, sós na sua senda,Sublimes, heroicos, rotos, vis...Cheios de fome, ás luzes das lanternas,Cantando sujas farças, nas tabernas,Chorando nos covís.—Alguns dormem em covas quaes serpentes!Viveram, entre os povos, e entre as gentes,Vergados d'um remorso solitario...—Sabem, de cór, os reinos devastados!E vieram, talvez, ensanguentadosDa noite do Calvario!Têm trabalhado, occultos, noite e dia,Ó réis! ó réis! as luzes da orgiaDe subito, que vento apagará!—Corre no ár um ecco subitaneo,E escuta-se, no seu subterraneo,O riso de Marat!Chega, talvez, a hora das contendas!Ó legionarios! desertae as tendas,Já demolem os porticos reaes...Os que tem esgotado a negra taça,—Cantam, ao vento, os psalmos daDesgraça,E a historia dos punhaes!Vão, ha muito, na sombra, foragidos,Pelas neves, curvados e transidos,Emquanto Deus se aquece nos seus Céos!—Vem do Sul uma lugubre toada,E escuta-se Rousseau, na agua furtada,Gritar—Que me quer Deus!?Erguem-se ebrios de mortes, de vinganças,Assoma lá ao longe um mar de lanças,Resôam sobre os thronos os machados...E a Europa vê passar, cheia de assombros,Ferozes, em triumphos, aos seus hombros,—Seus reis esguedelhados.Á voz das legiões rotas, sombrias,Desabam pelo mundo as monarchias...Tremem os graves bispos... e depois...Que mais farão? perguntam, desolados,—Vão ser, inda depois, crucificadosOs deuses e os heroes!................................................................................Vae prolongada a barbara orgia!No silencio da noite intensa e fria,Vem uns echos perdidos de batalha...Como uns ventos do norte impetuosos,São uns passos, nas trevas, vagarosos,Os passos daCanalha!Elles vêm de mui longe... mui distantesComo sonoros batalhões gigantes,Como ondas negras de afflicto mar...N'uma viagem tragica e ingloria,—Ha muito, pela noite da Historia,Que os oiço caminhar!Quem sabe quando vêm... é longa a estrada,D'esta comprida e aspera jornadaQuem sabe quando, emfim, descançarão?Atapetem as pedras de flores,Lá vêm queimados, rotos, vencedores,Altivos e sem pão.Não raiou inda o dia da Justiça!...Mas, breve, talvez, se oiça a nova missa,E dispersem-se tetricos caudilhos...Vão talvez, vir os tempos desejados!—E, então, por vossa vez, ó reis sagrados,—Saude aos maltrapilhos!
Eu vejo-a vir ao longe perseguida,Como d'um vento livido varrida,Cheia de febre, rota... muito além...—Pelos caminhos asperos da Historia—Emquanto os Reis e os Deuses na gloriaNão ouvem a ninguem!Ella vem tríste, só, silenciosa,Tinta de sangue... pallida, orgulhosa,Em farrapos, na fria escuridão...Buscando o grande dia da batalha,—É ella! É ella! A lividaCanalha!—Caín, é vosso irmão!Elles lá vêm famintos e sombrios,Rotos, selvagens, abanando aos frios,Sem leito e pão, descalços, semi-nús...—Nada, jámais, sua carreira abranda!Fizeram Roma, a Inglaterra e a Holanda,E andaram com Jesus!São os tristes, os vis, os opprimidos,—Em Roma são marcados e batidos,Passam cheios de vastas afflicções!...Nem das mezas lhe atiram as migalhas!Morrem sem nome, ás vezes, nas batalhas,E andam nas sedições.Vêm varridos do aspero destino!Em Roma e velha Grecia erram, sem tino,Nos tumultos, enterros, bacchanaes...Nas praças e nos porticos profundos...E disputam, famintos e immundos,O lixo aos animaes!São os párias, os servos, osillotas,Vivem nas covas humidas, ignotas,Sem luz e ár; arrancam-lhes as mães...—Passam, curvados, nas manhãs geladas!E, depois de já mortos, nas calçadas,Devoram-os os cães.Elles vêm de mui longe... vêm da Historia,Frios, sinistros, maus como... a memoriaDos pesadellos tragicos e maus...—Eu oiço os reis cantando em suas festas!Eelles,elles—maiores do que as florestas—Chorarem nos degraus!É uma antiga e lugubre legenda!—Vão, sempre, sempre, sós na sua senda,Sublimes, heroicos, rotos, vis...Cheios de fome, ás luzes das lanternas,Cantando sujas farças, nas tabernas,Chorando nos covís.—Alguns dormem em covas quaes serpentes!Viveram, entre os povos, e entre as gentes,Vergados d'um remorso solitario...—Sabem, de cór, os reinos devastados!E vieram, talvez, ensanguentadosDa noite do Calvario!Têm trabalhado, occultos, noite e dia,Ó réis! ó réis! as luzes da orgiaDe subito, que vento apagará!—Corre no ár um ecco subitaneo,E escuta-se, no seu subterraneo,O riso de Marat!Chega, talvez, a hora das contendas!Ó legionarios! desertae as tendas,Já demolem os porticos reaes...Os que tem esgotado a negra taça,—Cantam, ao vento, os psalmos daDesgraça,E a historia dos punhaes!Vão, ha muito, na sombra, foragidos,Pelas neves, curvados e transidos,Emquanto Deus se aquece nos seus Céos!—Vem do Sul uma lugubre toada,E escuta-se Rousseau, na agua furtada,Gritar—Que me quer Deus!?Erguem-se ebrios de mortes, de vinganças,Assoma lá ao longe um mar de lanças,Resôam sobre os thronos os machados...E a Europa vê passar, cheia de assombros,Ferozes, em triumphos, aos seus hombros,—Seus reis esguedelhados.Á voz das legiões rotas, sombrias,Desabam pelo mundo as monarchias...Tremem os graves bispos... e depois...Que mais farão? perguntam, desolados,—Vão ser, inda depois, crucificadosOs deuses e os heroes!................................................................................Vae prolongada a barbara orgia!No silencio da noite intensa e fria,Vem uns echos perdidos de batalha...Como uns ventos do norte impetuosos,São uns passos, nas trevas, vagarosos,Os passos daCanalha!Elles vêm de mui longe... mui distantesComo sonoros batalhões gigantes,Como ondas negras de afflicto mar...N'uma viagem tragica e ingloria,—Ha muito, pela noite da Historia,Que os oiço caminhar!Quem sabe quando vêm... é longa a estrada,D'esta comprida e aspera jornadaQuem sabe quando, emfim, descançarão?Atapetem as pedras de flores,Lá vêm queimados, rotos, vencedores,Altivos e sem pão.Não raiou inda o dia da Justiça!...Mas, breve, talvez, se oiça a nova missa,E dispersem-se tetricos caudilhos...Vão talvez, vir os tempos desejados!—E, então, por vossa vez, ó reis sagrados,—Saude aos maltrapilhos!
Eu vejo-a vir ao longe perseguida,Como d'um vento livido varrida,Cheia de febre, rota... muito além...—Pelos caminhos asperos da Historia—Emquanto os Reis e os Deuses na gloriaNão ouvem a ninguem!
Eu vejo-a vir ao longe perseguida,
Como d'um vento livido varrida,
Cheia de febre, rota... muito além...
—Pelos caminhos asperos da Historia—
Emquanto os Reis e os Deuses na gloria
Não ouvem a ninguem!
Ella vem tríste, só, silenciosa,Tinta de sangue... pallida, orgulhosa,Em farrapos, na fria escuridão...Buscando o grande dia da batalha,—É ella! É ella! A lividaCanalha!—Caín, é vosso irmão!
Ella vem tríste, só, silenciosa,
Tinta de sangue... pallida, orgulhosa,
Em farrapos, na fria escuridão...
Buscando o grande dia da batalha,
—É ella! É ella! A lividaCanalha!
—Caín, é vosso irmão!
Elles lá vêm famintos e sombrios,Rotos, selvagens, abanando aos frios,Sem leito e pão, descalços, semi-nús...—Nada, jámais, sua carreira abranda!Fizeram Roma, a Inglaterra e a Holanda,E andaram com Jesus!
Elles lá vêm famintos e sombrios,
Rotos, selvagens, abanando aos frios,
Sem leito e pão, descalços, semi-nús...
—Nada, jámais, sua carreira abranda!
Fizeram Roma, a Inglaterra e a Holanda,
E andaram com Jesus!
São os tristes, os vis, os opprimidos,—Em Roma são marcados e batidos,Passam cheios de vastas afflicções!...Nem das mezas lhe atiram as migalhas!Morrem sem nome, ás vezes, nas batalhas,E andam nas sedições.
São os tristes, os vis, os opprimidos,
—Em Roma são marcados e batidos,
Passam cheios de vastas afflicções!...
Nem das mezas lhe atiram as migalhas!
Morrem sem nome, ás vezes, nas batalhas,
E andam nas sedições.
Vêm varridos do aspero destino!Em Roma e velha Grecia erram, sem tino,Nos tumultos, enterros, bacchanaes...Nas praças e nos porticos profundos...E disputam, famintos e immundos,O lixo aos animaes!
Vêm varridos do aspero destino!
Em Roma e velha Grecia erram, sem tino,
Nos tumultos, enterros, bacchanaes...
Nas praças e nos porticos profundos...
E disputam, famintos e immundos,
O lixo aos animaes!
São os párias, os servos, osillotas,Vivem nas covas humidas, ignotas,Sem luz e ár; arrancam-lhes as mães...—Passam, curvados, nas manhãs geladas!E, depois de já mortos, nas calçadas,Devoram-os os cães.
São os párias, os servos, osillotas,
Vivem nas covas humidas, ignotas,
Sem luz e ár; arrancam-lhes as mães...
—Passam, curvados, nas manhãs geladas!
E, depois de já mortos, nas calçadas,
Devoram-os os cães.
Elles vêm de mui longe... vêm da Historia,Frios, sinistros, maus como... a memoriaDos pesadellos tragicos e maus...—Eu oiço os reis cantando em suas festas!Eelles,elles—maiores do que as florestas—Chorarem nos degraus!
Elles vêm de mui longe... vêm da Historia,
Frios, sinistros, maus como... a memoria
Dos pesadellos tragicos e maus...
—Eu oiço os reis cantando em suas festas!
Eelles,elles—maiores do que as florestas—
Chorarem nos degraus!
É uma antiga e lugubre legenda!—Vão, sempre, sempre, sós na sua senda,Sublimes, heroicos, rotos, vis...Cheios de fome, ás luzes das lanternas,Cantando sujas farças, nas tabernas,Chorando nos covís.
É uma antiga e lugubre legenda!
—Vão, sempre, sempre, sós na sua senda,
Sublimes, heroicos, rotos, vis...
Cheios de fome, ás luzes das lanternas,
Cantando sujas farças, nas tabernas,
Chorando nos covís.
—Alguns dormem em covas quaes serpentes!Viveram, entre os povos, e entre as gentes,Vergados d'um remorso solitario...—Sabem, de cór, os reinos devastados!E vieram, talvez, ensanguentadosDa noite do Calvario!
—Alguns dormem em covas quaes serpentes!
Viveram, entre os povos, e entre as gentes,
Vergados d'um remorso solitario...
—Sabem, de cór, os reinos devastados!
E vieram, talvez, ensanguentados
Da noite do Calvario!
Têm trabalhado, occultos, noite e dia,Ó réis! ó réis! as luzes da orgiaDe subito, que vento apagará!—Corre no ár um ecco subitaneo,E escuta-se, no seu subterraneo,O riso de Marat!
Têm trabalhado, occultos, noite e dia,
Ó réis! ó réis! as luzes da orgia
De subito, que vento apagará!
—Corre no ár um ecco subitaneo,
E escuta-se, no seu subterraneo,
O riso de Marat!
Chega, talvez, a hora das contendas!Ó legionarios! desertae as tendas,Já demolem os porticos reaes...Os que tem esgotado a negra taça,—Cantam, ao vento, os psalmos daDesgraça,E a historia dos punhaes!
Chega, talvez, a hora das contendas!
Ó legionarios! desertae as tendas,
Já demolem os porticos reaes...
Os que tem esgotado a negra taça,
—Cantam, ao vento, os psalmos daDesgraça,
E a historia dos punhaes!
Vão, ha muito, na sombra, foragidos,Pelas neves, curvados e transidos,Emquanto Deus se aquece nos seus Céos!—Vem do Sul uma lugubre toada,E escuta-se Rousseau, na agua furtada,Gritar—Que me quer Deus!?
Vão, ha muito, na sombra, foragidos,
Pelas neves, curvados e transidos,
Emquanto Deus se aquece nos seus Céos!
—Vem do Sul uma lugubre toada,
E escuta-se Rousseau, na agua furtada,
Gritar—Que me quer Deus!?
Erguem-se ebrios de mortes, de vinganças,Assoma lá ao longe um mar de lanças,Resôam sobre os thronos os machados...E a Europa vê passar, cheia de assombros,Ferozes, em triumphos, aos seus hombros,—Seus reis esguedelhados.
Erguem-se ebrios de mortes, de vinganças,
Assoma lá ao longe um mar de lanças,
Resôam sobre os thronos os machados...
E a Europa vê passar, cheia de assombros,
Ferozes, em triumphos, aos seus hombros,
—Seus reis esguedelhados.
Á voz das legiões rotas, sombrias,Desabam pelo mundo as monarchias...Tremem os graves bispos... e depois...Que mais farão? perguntam, desolados,—Vão ser, inda depois, crucificadosOs deuses e os heroes!
Á voz das legiões rotas, sombrias,
Desabam pelo mundo as monarchias...
Tremem os graves bispos... e depois...
Que mais farão? perguntam, desolados,
—Vão ser, inda depois, crucificados
Os deuses e os heroes!
................................................................................
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Vae prolongada a barbara orgia!No silencio da noite intensa e fria,Vem uns echos perdidos de batalha...Como uns ventos do norte impetuosos,São uns passos, nas trevas, vagarosos,Os passos daCanalha!
Vae prolongada a barbara orgia!
No silencio da noite intensa e fria,
Vem uns echos perdidos de batalha...
Como uns ventos do norte impetuosos,
São uns passos, nas trevas, vagarosos,
Os passos daCanalha!
Elles vêm de mui longe... mui distantesComo sonoros batalhões gigantes,Como ondas negras de afflicto mar...N'uma viagem tragica e ingloria,—Ha muito, pela noite da Historia,Que os oiço caminhar!
Elles vêm de mui longe... mui distantes
Como sonoros batalhões gigantes,
Como ondas negras de afflicto mar...
N'uma viagem tragica e ingloria,
—Ha muito, pela noite da Historia,
Que os oiço caminhar!
Quem sabe quando vêm... é longa a estrada,D'esta comprida e aspera jornadaQuem sabe quando, emfim, descançarão?Atapetem as pedras de flores,Lá vêm queimados, rotos, vencedores,Altivos e sem pão.
Quem sabe quando vêm... é longa a estrada,
D'esta comprida e aspera jornada
Quem sabe quando, emfim, descançarão?
Atapetem as pedras de flores,
Lá vêm queimados, rotos, vencedores,
Altivos e sem pão.
Não raiou inda o dia da Justiça!...Mas, breve, talvez, se oiça a nova missa,E dispersem-se tetricos caudilhos...Vão talvez, vir os tempos desejados!—E, então, por vossa vez, ó reis sagrados,—Saude aos maltrapilhos!
Não raiou inda o dia da Justiça!...
Mas, breve, talvez, se oiça a nova missa,
E dispersem-se tetricos caudilhos...
Vão talvez, vir os tempos desejados!
—E, então, por vossa vez, ó reis sagrados,
—Saude aos maltrapilhos!
Gomes Leal
Gomes Leal
Retumba pelo espaço desoladoComo que um brado immenso, prolongado,Como os eccos sinistros de batalha;Anda no ár um fluido mysterioso,E ouve-se, ao longe, o passo vagarosoDa «lividacanalha».É ella, é ella, a triste, a desherdada,Cheia de lodo vil, esfarrapada,Arrastando, nas trevas, as algemas:Caminha em busca de um ideal mais puro,E vae fundir, nas chammas do futuro,Os sceptros e os diademas..................................E eil-a que assoma, no horisonte escuro,Essa phalange heroica do futuro,Como as vagas do mar phosphorecente:Vem perseguir as sanguinosas féras,Os monarchas e as lúbricas pantheras,A prostituta gente.Vêm caminhando sempre; nada impedeA carreira ao colosso que nem cedeÁs legiões dos cezares sombrios.Trazem nas mãos as paginas da Historia,E a Justiça e o Direito e, na memoria,A fome, a sêde e os frios.São elles os escravos e opprimidos,Esses que dormem tristes, escondidos,Nas ruinas das velhas cathedraes:Andam minando a antiga sociedadeE hão de, em breve, sentar a LiberdadeNos thronos imperiaes,Andam cavando a sepultura immensaQue ha de involver, na escuridão intensa,As venenosas viboras reaes;Revigora-os a força do heroismo,E hão de calcar, aos pés, o despotismoE os tigres e os chacaes.Hão de esmagar-vos, sim! ó reis sagrados,Vós, os deuses dos seculos passados,Tereis mais de um Calvario, em breve... agora;Mas não vereis um pranto piedoso,Heis de morrer, ao grito tumultuoso,Dos miseros d'outr'ora;Miseros que hão de ser mais que gigantes,Que hão de arrancar, com suas mãos possantes,O fundamento ás velhas monarchias;Que hão de lançar ás trevas do passadoO velho despotismo, ensanguentado,E gasto nas orgias;Miseros, sim! mas d'esses cuja gloriaSe ha de inscrever nas paginas da HistoriaDos sublimes combates da Justiça;Miseros!... e vós, ó reis repletos,Sereis como que uns symbolos completosD'uma feroz cubiça:Tendes nas mãos o ferro dos destroços,E levantaes os thronos sobre os ossosDe milhares de povos immolados;Bebeis com sangue o vinho, em aurea taça,E adormeceis, ao grito da desgraça,Sinistros e embriagados........................................................................................................................................................................................................................Lançaes, por toda a parte, o luto e a morte...Mas vae haver uma vingança forte...Tremei agora, ó grandes criminosos;—Approxima-se a hora da batalha...Eil-a, já perto, a lividacanalha,Os vís, os asquerosos.São elles osplebeus, os desgraçados,Cheios de fome, tristes, descarnados,Como espectros das lendas tenebrosas;Deixam as trevas de um passado escuro,E vão depôr nas aras do futuroAs—palmas victoriosas.Vêm terminar a noute dos horrores,E hão de sair altivos, vencedores,Da luta contra a velha realeza;Ha de unil-os o braço da Egualdade,E inundal-os a luz da Liberdade,Ao som daMarselheza......................................Mas percorra-se, breve, a longa senda,Conquistemos os louros da contenda,Abram-se agora as jaulas imperiaes;Á luta! irmãos! á luta!... «Democratas,Poisae o pé sobre as cabeças chatasDas viboras reaes!...»A. Bettencourt Rodrigues.
Retumba pelo espaço desoladoComo que um brado immenso, prolongado,Como os eccos sinistros de batalha;Anda no ár um fluido mysterioso,E ouve-se, ao longe, o passo vagarosoDa «lividacanalha».É ella, é ella, a triste, a desherdada,Cheia de lodo vil, esfarrapada,Arrastando, nas trevas, as algemas:Caminha em busca de um ideal mais puro,E vae fundir, nas chammas do futuro,Os sceptros e os diademas..................................E eil-a que assoma, no horisonte escuro,Essa phalange heroica do futuro,Como as vagas do mar phosphorecente:Vem perseguir as sanguinosas féras,Os monarchas e as lúbricas pantheras,A prostituta gente.Vêm caminhando sempre; nada impedeA carreira ao colosso que nem cedeÁs legiões dos cezares sombrios.Trazem nas mãos as paginas da Historia,E a Justiça e o Direito e, na memoria,A fome, a sêde e os frios.São elles os escravos e opprimidos,Esses que dormem tristes, escondidos,Nas ruinas das velhas cathedraes:Andam minando a antiga sociedadeE hão de, em breve, sentar a LiberdadeNos thronos imperiaes,Andam cavando a sepultura immensaQue ha de involver, na escuridão intensa,As venenosas viboras reaes;Revigora-os a força do heroismo,E hão de calcar, aos pés, o despotismoE os tigres e os chacaes.Hão de esmagar-vos, sim! ó reis sagrados,Vós, os deuses dos seculos passados,Tereis mais de um Calvario, em breve... agora;Mas não vereis um pranto piedoso,Heis de morrer, ao grito tumultuoso,Dos miseros d'outr'ora;Miseros que hão de ser mais que gigantes,Que hão de arrancar, com suas mãos possantes,O fundamento ás velhas monarchias;Que hão de lançar ás trevas do passadoO velho despotismo, ensanguentado,E gasto nas orgias;Miseros, sim! mas d'esses cuja gloriaSe ha de inscrever nas paginas da HistoriaDos sublimes combates da Justiça;Miseros!... e vós, ó reis repletos,Sereis como que uns symbolos completosD'uma feroz cubiça:Tendes nas mãos o ferro dos destroços,E levantaes os thronos sobre os ossosDe milhares de povos immolados;Bebeis com sangue o vinho, em aurea taça,E adormeceis, ao grito da desgraça,Sinistros e embriagados........................................................................................................................................................................................................................Lançaes, por toda a parte, o luto e a morte...Mas vae haver uma vingança forte...Tremei agora, ó grandes criminosos;—Approxima-se a hora da batalha...Eil-a, já perto, a lividacanalha,Os vís, os asquerosos.São elles osplebeus, os desgraçados,Cheios de fome, tristes, descarnados,Como espectros das lendas tenebrosas;Deixam as trevas de um passado escuro,E vão depôr nas aras do futuroAs—palmas victoriosas.Vêm terminar a noute dos horrores,E hão de sair altivos, vencedores,Da luta contra a velha realeza;Ha de unil-os o braço da Egualdade,E inundal-os a luz da Liberdade,Ao som daMarselheza......................................Mas percorra-se, breve, a longa senda,Conquistemos os louros da contenda,Abram-se agora as jaulas imperiaes;Á luta! irmãos! á luta!... «Democratas,Poisae o pé sobre as cabeças chatasDas viboras reaes!...»A. Bettencourt Rodrigues.
Retumba pelo espaço desoladoComo que um brado immenso, prolongado,Como os eccos sinistros de batalha;Anda no ár um fluido mysterioso,E ouve-se, ao longe, o passo vagarosoDa «lividacanalha».
Retumba pelo espaço desolado
Como que um brado immenso, prolongado,
Como os eccos sinistros de batalha;
Anda no ár um fluido mysterioso,
E ouve-se, ao longe, o passo vagaroso
Da «lividacanalha».
É ella, é ella, a triste, a desherdada,Cheia de lodo vil, esfarrapada,Arrastando, nas trevas, as algemas:Caminha em busca de um ideal mais puro,E vae fundir, nas chammas do futuro,Os sceptros e os diademas.
É ella, é ella, a triste, a desherdada,
Cheia de lodo vil, esfarrapada,
Arrastando, nas trevas, as algemas:
Caminha em busca de um ideal mais puro,
E vae fundir, nas chammas do futuro,
Os sceptros e os diademas.
.................................E eil-a que assoma, no horisonte escuro,Essa phalange heroica do futuro,Como as vagas do mar phosphorecente:Vem perseguir as sanguinosas féras,Os monarchas e as lúbricas pantheras,A prostituta gente.
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E eil-a que assoma, no horisonte escuro,
Essa phalange heroica do futuro,
Como as vagas do mar phosphorecente:
Vem perseguir as sanguinosas féras,
Os monarchas e as lúbricas pantheras,
A prostituta gente.
Vêm caminhando sempre; nada impedeA carreira ao colosso que nem cedeÁs legiões dos cezares sombrios.Trazem nas mãos as paginas da Historia,E a Justiça e o Direito e, na memoria,A fome, a sêde e os frios.
Vêm caminhando sempre; nada impede
A carreira ao colosso que nem cede
Ás legiões dos cezares sombrios.
Trazem nas mãos as paginas da Historia,
E a Justiça e o Direito e, na memoria,
A fome, a sêde e os frios.
São elles os escravos e opprimidos,Esses que dormem tristes, escondidos,Nas ruinas das velhas cathedraes:Andam minando a antiga sociedadeE hão de, em breve, sentar a LiberdadeNos thronos imperiaes,
São elles os escravos e opprimidos,
Esses que dormem tristes, escondidos,
Nas ruinas das velhas cathedraes:
Andam minando a antiga sociedade
E hão de, em breve, sentar a Liberdade
Nos thronos imperiaes,
Andam cavando a sepultura immensaQue ha de involver, na escuridão intensa,As venenosas viboras reaes;Revigora-os a força do heroismo,E hão de calcar, aos pés, o despotismoE os tigres e os chacaes.
Andam cavando a sepultura immensa
Que ha de involver, na escuridão intensa,
As venenosas viboras reaes;
Revigora-os a força do heroismo,
E hão de calcar, aos pés, o despotismo
E os tigres e os chacaes.
Hão de esmagar-vos, sim! ó reis sagrados,Vós, os deuses dos seculos passados,Tereis mais de um Calvario, em breve... agora;Mas não vereis um pranto piedoso,Heis de morrer, ao grito tumultuoso,Dos miseros d'outr'ora;
Hão de esmagar-vos, sim! ó reis sagrados,
Vós, os deuses dos seculos passados,
Tereis mais de um Calvario, em breve... agora;
Mas não vereis um pranto piedoso,
Heis de morrer, ao grito tumultuoso,
Dos miseros d'outr'ora;
Miseros que hão de ser mais que gigantes,Que hão de arrancar, com suas mãos possantes,O fundamento ás velhas monarchias;Que hão de lançar ás trevas do passadoO velho despotismo, ensanguentado,E gasto nas orgias;
Miseros que hão de ser mais que gigantes,
Que hão de arrancar, com suas mãos possantes,
O fundamento ás velhas monarchias;
Que hão de lançar ás trevas do passado
O velho despotismo, ensanguentado,
E gasto nas orgias;
Miseros, sim! mas d'esses cuja gloriaSe ha de inscrever nas paginas da HistoriaDos sublimes combates da Justiça;Miseros!... e vós, ó reis repletos,Sereis como que uns symbolos completosD'uma feroz cubiça:
Miseros, sim! mas d'esses cuja gloria
Se ha de inscrever nas paginas da Historia
Dos sublimes combates da Justiça;
Miseros!... e vós, ó reis repletos,
Sereis como que uns symbolos completos
D'uma feroz cubiça:
Tendes nas mãos o ferro dos destroços,E levantaes os thronos sobre os ossosDe milhares de povos immolados;Bebeis com sangue o vinho, em aurea taça,E adormeceis, ao grito da desgraça,Sinistros e embriagados.
Tendes nas mãos o ferro dos destroços,
E levantaes os thronos sobre os ossos
De milhares de povos immolados;
Bebeis com sangue o vinho, em aurea taça,
E adormeceis, ao grito da desgraça,
Sinistros e embriagados.
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Lançaes, por toda a parte, o luto e a morte...Mas vae haver uma vingança forte...Tremei agora, ó grandes criminosos;—Approxima-se a hora da batalha...Eil-a, já perto, a lividacanalha,Os vís, os asquerosos.
Lançaes, por toda a parte, o luto e a morte...
Mas vae haver uma vingança forte...
Tremei agora, ó grandes criminosos;
—Approxima-se a hora da batalha...
Eil-a, já perto, a lividacanalha,
Os vís, os asquerosos.
São elles osplebeus, os desgraçados,Cheios de fome, tristes, descarnados,Como espectros das lendas tenebrosas;Deixam as trevas de um passado escuro,E vão depôr nas aras do futuroAs—palmas victoriosas.
São elles osplebeus, os desgraçados,
Cheios de fome, tristes, descarnados,
Como espectros das lendas tenebrosas;
Deixam as trevas de um passado escuro,
E vão depôr nas aras do futuro
As—palmas victoriosas.
Vêm terminar a noute dos horrores,E hão de sair altivos, vencedores,Da luta contra a velha realeza;Ha de unil-os o braço da Egualdade,E inundal-os a luz da Liberdade,Ao som daMarselheza.
Vêm terminar a noute dos horrores,
E hão de sair altivos, vencedores,
Da luta contra a velha realeza;
Ha de unil-os o braço da Egualdade,
E inundal-os a luz da Liberdade,
Ao som daMarselheza.
.....................................Mas percorra-se, breve, a longa senda,Conquistemos os louros da contenda,Abram-se agora as jaulas imperiaes;Á luta! irmãos! á luta!... «Democratas,Poisae o pé sobre as cabeças chatasDas viboras reaes!...»
.....................................
Mas percorra-se, breve, a longa senda,
Conquistemos os louros da contenda,
Abram-se agora as jaulas imperiaes;
Á luta! irmãos! á luta!... «Democratas,
Poisae o pé sobre as cabeças chatas
Das viboras reaes!...»
A. Bettencourt Rodrigues.
A. Bettencourt Rodrigues.
É dia de batalha! Em fumo suffocadosDesde o romper do sol, duzentos mil soldadosLuctam a ferro e fogo.Um d'elles,—um dragãoCurvado no selim, e em frente do esquadrão,Como racha uma cunha os tóros de um pinheiro,Embebe-se feroz n'outro esquadrão fronteiro,Fazendo-o rebentar em rotos vagalhões.Qual se na mão vibrára um raio, as multidõesVergam, fundem-se á luz do aço de sua espada.Apoz o lampejar de cada cutiladaChovem jorros de sangue em meio d'essa móQue aos pés do seu cavallo, e em turbilhões de pó,Desenlaça os cordões do seu dobar confuso.Incendeia-lhe a raiva o torvo olhar diffusoPor tudo o que inda vive! e do seu labio á florFuzila a imprecação, se o fatigado açorDa morte, um só momento, encolhe a garra curva.Depois a noite desce, enregelada e turva,Co'as brumas d'esse mar de sangue. Desde entãoFindára a lucta horrenda; e o esplendido dragão,O grande heroe do dia, após tão bom regalo,Limpa tranquillo a espada ás clinas do cavallo.De repente uma voz interrogal-o vem,Qual se de dentro d'elle a voz partira:«QuemVenceu n'esta batalha em que mataste tanto?Que salvadora ideia, ou que principio santoNo sangue baptisaste? e, cego de furor,Porque te foi prazer a ancia da alhêa dôr?Das lascas do metal dos elmos, que partiste,O que forja a victoria? aguda lança em risteDe encontro aos peitos nús de alguns de teus irmãos?Ou martello que parta os ferros em que as mãosLhes roxeiam no cêpo, ambas acorrentadas?Que lumes surgirão do choque das espadas,Em que se aqueça mais a cinza do teu lar,Quando—volvido á choça onde te foi buscarA guerra—em torno a ti pedirem as criançasCalor, abrigo, e pão? Que férvidas vingançasReclamarás de quem, pela primeira vez,Tu viste hoje e que ainda, ha bem pouco, talvezA mil leguas de ti, em vez de humanas vidasCeifava, como tu, as messes resequidasÁ luz do sol do céo e do outro sol da paz?De que lado partiu o desafio audaz?Da força do direito, ou do empuxão da força?O que faz com que o ferro esmague, quebre e torçaArmas e corações em funebre tropel?Que sabes tu, que sabe o teu feroz corcelDe mappas ou de leis, de imperios ou de raças,Para que, contemplando os rombos das couraçasD'onde sae pingo a pingo a vida a gottejar,Tranquillo o coração e indifferente o olhar,Escutes o estertor e as ancias da agoniaDe uns pobres como tu?»O grande heroe do diaOs hombros encolheu em frente á mortal grei,Sorriu bestialmente, e respondeu:«Não sei!»Claudio José Nunes.Scenas contemporaneas, p. 73. Lisboa, 1873.
É dia de batalha! Em fumo suffocadosDesde o romper do sol, duzentos mil soldadosLuctam a ferro e fogo.Um d'elles,—um dragãoCurvado no selim, e em frente do esquadrão,Como racha uma cunha os tóros de um pinheiro,Embebe-se feroz n'outro esquadrão fronteiro,Fazendo-o rebentar em rotos vagalhões.Qual se na mão vibrára um raio, as multidõesVergam, fundem-se á luz do aço de sua espada.Apoz o lampejar de cada cutiladaChovem jorros de sangue em meio d'essa móQue aos pés do seu cavallo, e em turbilhões de pó,Desenlaça os cordões do seu dobar confuso.Incendeia-lhe a raiva o torvo olhar diffusoPor tudo o que inda vive! e do seu labio á florFuzila a imprecação, se o fatigado açorDa morte, um só momento, encolhe a garra curva.Depois a noite desce, enregelada e turva,Co'as brumas d'esse mar de sangue. Desde entãoFindára a lucta horrenda; e o esplendido dragão,O grande heroe do dia, após tão bom regalo,Limpa tranquillo a espada ás clinas do cavallo.De repente uma voz interrogal-o vem,Qual se de dentro d'elle a voz partira:«QuemVenceu n'esta batalha em que mataste tanto?Que salvadora ideia, ou que principio santoNo sangue baptisaste? e, cego de furor,Porque te foi prazer a ancia da alhêa dôr?Das lascas do metal dos elmos, que partiste,O que forja a victoria? aguda lança em risteDe encontro aos peitos nús de alguns de teus irmãos?Ou martello que parta os ferros em que as mãosLhes roxeiam no cêpo, ambas acorrentadas?Que lumes surgirão do choque das espadas,Em que se aqueça mais a cinza do teu lar,Quando—volvido á choça onde te foi buscarA guerra—em torno a ti pedirem as criançasCalor, abrigo, e pão? Que férvidas vingançasReclamarás de quem, pela primeira vez,Tu viste hoje e que ainda, ha bem pouco, talvezA mil leguas de ti, em vez de humanas vidasCeifava, como tu, as messes resequidasÁ luz do sol do céo e do outro sol da paz?De que lado partiu o desafio audaz?Da força do direito, ou do empuxão da força?O que faz com que o ferro esmague, quebre e torçaArmas e corações em funebre tropel?Que sabes tu, que sabe o teu feroz corcelDe mappas ou de leis, de imperios ou de raças,Para que, contemplando os rombos das couraçasD'onde sae pingo a pingo a vida a gottejar,Tranquillo o coração e indifferente o olhar,Escutes o estertor e as ancias da agoniaDe uns pobres como tu?»O grande heroe do diaOs hombros encolheu em frente á mortal grei,Sorriu bestialmente, e respondeu:«Não sei!»Claudio José Nunes.Scenas contemporaneas, p. 73. Lisboa, 1873.
É dia de batalha! Em fumo suffocadosDesde o romper do sol, duzentos mil soldadosLuctam a ferro e fogo.Um d'elles,—um dragãoCurvado no selim, e em frente do esquadrão,Como racha uma cunha os tóros de um pinheiro,Embebe-se feroz n'outro esquadrão fronteiro,Fazendo-o rebentar em rotos vagalhões.Qual se na mão vibrára um raio, as multidõesVergam, fundem-se á luz do aço de sua espada.Apoz o lampejar de cada cutiladaChovem jorros de sangue em meio d'essa móQue aos pés do seu cavallo, e em turbilhões de pó,Desenlaça os cordões do seu dobar confuso.Incendeia-lhe a raiva o torvo olhar diffusoPor tudo o que inda vive! e do seu labio á florFuzila a imprecação, se o fatigado açorDa morte, um só momento, encolhe a garra curva.
É dia de batalha! Em fumo suffocados
Desde o romper do sol, duzentos mil soldados
Luctam a ferro e fogo.
Um d'elles,—um dragão
Curvado no selim, e em frente do esquadrão,
Como racha uma cunha os tóros de um pinheiro,
Embebe-se feroz n'outro esquadrão fronteiro,
Fazendo-o rebentar em rotos vagalhões.
Qual se na mão vibrára um raio, as multidões
Vergam, fundem-se á luz do aço de sua espada.
Apoz o lampejar de cada cutilada
Chovem jorros de sangue em meio d'essa mó
Que aos pés do seu cavallo, e em turbilhões de pó,
Desenlaça os cordões do seu dobar confuso.
Incendeia-lhe a raiva o torvo olhar diffuso
Por tudo o que inda vive! e do seu labio á flor
Fuzila a imprecação, se o fatigado açor
Da morte, um só momento, encolhe a garra curva.
Depois a noite desce, enregelada e turva,Co'as brumas d'esse mar de sangue. Desde entãoFindára a lucta horrenda; e o esplendido dragão,O grande heroe do dia, após tão bom regalo,Limpa tranquillo a espada ás clinas do cavallo.De repente uma voz interrogal-o vem,Qual se de dentro d'elle a voz partira:«QuemVenceu n'esta batalha em que mataste tanto?Que salvadora ideia, ou que principio santoNo sangue baptisaste? e, cego de furor,Porque te foi prazer a ancia da alhêa dôr?Das lascas do metal dos elmos, que partiste,O que forja a victoria? aguda lança em risteDe encontro aos peitos nús de alguns de teus irmãos?Ou martello que parta os ferros em que as mãosLhes roxeiam no cêpo, ambas acorrentadas?Que lumes surgirão do choque das espadas,Em que se aqueça mais a cinza do teu lar,Quando—volvido á choça onde te foi buscarA guerra—em torno a ti pedirem as criançasCalor, abrigo, e pão? Que férvidas vingançasReclamarás de quem, pela primeira vez,Tu viste hoje e que ainda, ha bem pouco, talvezA mil leguas de ti, em vez de humanas vidasCeifava, como tu, as messes resequidasÁ luz do sol do céo e do outro sol da paz?De que lado partiu o desafio audaz?Da força do direito, ou do empuxão da força?O que faz com que o ferro esmague, quebre e torçaArmas e corações em funebre tropel?Que sabes tu, que sabe o teu feroz corcelDe mappas ou de leis, de imperios ou de raças,Para que, contemplando os rombos das couraçasD'onde sae pingo a pingo a vida a gottejar,Tranquillo o coração e indifferente o olhar,Escutes o estertor e as ancias da agoniaDe uns pobres como tu?»O grande heroe do diaOs hombros encolheu em frente á mortal grei,Sorriu bestialmente, e respondeu:«Não sei!»
Depois a noite desce, enregelada e turva,
Co'as brumas d'esse mar de sangue. Desde então
Findára a lucta horrenda; e o esplendido dragão,
O grande heroe do dia, após tão bom regalo,
Limpa tranquillo a espada ás clinas do cavallo.
De repente uma voz interrogal-o vem,
Qual se de dentro d'elle a voz partira:
«Quem
Venceu n'esta batalha em que mataste tanto?
Que salvadora ideia, ou que principio santo
No sangue baptisaste? e, cego de furor,
Porque te foi prazer a ancia da alhêa dôr?
Das lascas do metal dos elmos, que partiste,
O que forja a victoria? aguda lança em riste
De encontro aos peitos nús de alguns de teus irmãos?
Ou martello que parta os ferros em que as mãos
Lhes roxeiam no cêpo, ambas acorrentadas?
Que lumes surgirão do choque das espadas,
Em que se aqueça mais a cinza do teu lar,
Quando—volvido á choça onde te foi buscar
A guerra—em torno a ti pedirem as crianças
Calor, abrigo, e pão? Que férvidas vinganças
Reclamarás de quem, pela primeira vez,
Tu viste hoje e que ainda, ha bem pouco, talvez
A mil leguas de ti, em vez de humanas vidas
Ceifava, como tu, as messes resequidas
Á luz do sol do céo e do outro sol da paz?
De que lado partiu o desafio audaz?
Da força do direito, ou do empuxão da força?
O que faz com que o ferro esmague, quebre e torça
Armas e corações em funebre tropel?
Que sabes tu, que sabe o teu feroz corcel
De mappas ou de leis, de imperios ou de raças,
Para que, contemplando os rombos das couraças
D'onde sae pingo a pingo a vida a gottejar,
Tranquillo o coração e indifferente o olhar,
Escutes o estertor e as ancias da agonia
De uns pobres como tu?»
O grande heroe do dia
Os hombros encolheu em frente á mortal grei,
Sorriu bestialmente, e respondeu:
«Não sei!»
Claudio José Nunes.Scenas contemporaneas, p. 73. Lisboa, 1873.
Claudio José Nunes.Scenas contemporaneas, p. 73. Lisboa, 1873.
Passou por mim n'um dia venerandoUm grupo que em minh'alma ainda hoje brilha:Uma linda creança hia guiandoUm velho cego e triste.Ao vêr como o guiava, eu disse: «ExisteO santo amor de filha.»Annos depois—não sei como, nem quando—Encontrei o botão já feito rosa...Fitava o meigo olhar que mal escondeThesouros de meiguice,N'um homem, por tal fórma que quem visseDiria: «Amor de esposa.»Encontro-te hoje a mesma, apenas vejoNovos cuidados que ao teu rosto vêm,E ao vêr com quanto amor tu dás um beijoN'um sêr que tens ao peito,Digo: «Bemdito Deus, que assim te ha feitoEsposa, filha e mãe.»Luiz de Campos.
Passou por mim n'um dia venerandoUm grupo que em minh'alma ainda hoje brilha:Uma linda creança hia guiandoUm velho cego e triste.Ao vêr como o guiava, eu disse: «ExisteO santo amor de filha.»Annos depois—não sei como, nem quando—Encontrei o botão já feito rosa...Fitava o meigo olhar que mal escondeThesouros de meiguice,N'um homem, por tal fórma que quem visseDiria: «Amor de esposa.»Encontro-te hoje a mesma, apenas vejoNovos cuidados que ao teu rosto vêm,E ao vêr com quanto amor tu dás um beijoN'um sêr que tens ao peito,Digo: «Bemdito Deus, que assim te ha feitoEsposa, filha e mãe.»Luiz de Campos.
Passou por mim n'um dia venerandoUm grupo que em minh'alma ainda hoje brilha:Uma linda creança hia guiandoUm velho cego e triste.Ao vêr como o guiava, eu disse: «ExisteO santo amor de filha.»
Passou por mim n'um dia venerando
Um grupo que em minh'alma ainda hoje brilha:
Uma linda creança hia guiando
Um velho cego e triste.
Ao vêr como o guiava, eu disse: «Existe
O santo amor de filha.»
Annos depois—não sei como, nem quando—Encontrei o botão já feito rosa...Fitava o meigo olhar que mal escondeThesouros de meiguice,N'um homem, por tal fórma que quem visseDiria: «Amor de esposa.»
Annos depois—não sei como, nem quando—
Encontrei o botão já feito rosa...
Fitava o meigo olhar que mal esconde
Thesouros de meiguice,
N'um homem, por tal fórma que quem visse
Diria: «Amor de esposa.»
Encontro-te hoje a mesma, apenas vejoNovos cuidados que ao teu rosto vêm,E ao vêr com quanto amor tu dás um beijoN'um sêr que tens ao peito,Digo: «Bemdito Deus, que assim te ha feitoEsposa, filha e mãe.»
Encontro-te hoje a mesma, apenas vejo
Novos cuidados que ao teu rosto vêm,
E ao vêr com quanto amor tu dás um beijo
N'um sêr que tens ao peito,
Digo: «Bemdito Deus, que assim te ha feito
Esposa, filha e mãe.»
Luiz de Campos.
Luiz de Campos.