GLOZA I.

No grande sentimento, que teve da prizão se seu esposo, Glosou em Oitavas o Mote seguinte em que se ve a causa de suas lagrymas.No grande sentimento, que teve da prizão se seu esposo, Glosou em Oitavas o Mote seguinte em que se ve a causa de suas lagrymas.

No grande sentimento, que teve da prizão se seu esposo, Glosou em Oitavas o Mote seguinte em que se ve a causa de suas lagrymas.

No grande sentimento, que teve da prizão se seu esposo, Glosou em Oitavas o Mote seguinte em que se ve a causa de suas lagrymas.

Choray, sem descançar, olhos cançados.

Pois fostes olhos meus por quẽ mereçoDa culpa o perdaõ que busco, e quero,Instrumento do mal que hoje padeço,Tambem o podeis ser do bem que espero:Jà de meus altos pensamentos desço,A vil estado humilde, duro, e fero,E jà que os males meus por vos saõ dadosChoray, sem descançar, olhos cançados.

Mortiferos enganos procurastes,Dos quaes muy graves damnos padeceis,E pois de ver o mal nunca cansastesDe chorar pelo bem nunca canseis:E já que os grandes bens que eniquilastes,Por quem vòs suspirais, por quem gemeis,Chorando poderaõ ser renovados,Choray, sem descançar, olhos cançados.

Das agoas que de vós estaõ manandoFazey hum rio claro, hum rio manso,Que eu folgo de vos ver cançar chorandoPois chorando ganhais vosso descanço;Nas cousas em que vos hides cansandoNessas me alegro, e eu nessas descanço,E pois nos faz o choro descançados,Choray, sem descançar, olhos cançados.

Choray naõ descanceis, pois que ganhaisChorando quantos bens aqui perdestes;Póde ser, que nas agoas, que chorais,Laveis as nodoas grandes, que fizestes:Choray as grandes magoas, que me dais,Pelo gosto, que vós sem mim tivestes:Choray males presentes, e passados,Choray, sem descançar, olhos cançados.

Tantas agoas de vós sejaõ lançadas,Que affoguem vossos torpes desvarîos:E posto que estas agoas saõ salgadasPor ellas se navéga a doces Rios:Soffrey, por ver-des culpas affogadas,Tempestades crueis, calmas, e frios;Choray, se dezejais ser perdoados,Choray, sem descançar, olhos cançados.

Acîma desta terra tem subidoAs agoas do diluvio taõ sómente;Porém as vossas poucas tem-se erguîdoEncima deste Céo mais eminente:E lá movendo estaõ com seu ruidoA Deos, Senhor Supremo, Omnipotente;E se delle quereis ser muito amados,Choray, sem descançar, olhos cançados.

Produzem temporal, terrestre fruto,As agoas, que os Céos daõ no duro inverno;Porém o vosso choro, sem ser muito,Produz fruto celeste, e sempiterno:Nunca de vós o campo esteja enxutoChorando o mal antigo, e o mal moderno;Choray, seráõ os males desterrados,Choray, sem descançar, olhos cançados.

As agoas, que vós vedes ir correndo,Que parece que vaõ de vós fugindo,Por natureza vaõ ao mar descendo,As vossas por virtude a Deos subindo,Humas chegando ao mar, vaõ-se perdendoAs outras ante Deos ficaõ assistindo:E se quereis de Deos ser estimados,Choray, sem descançar, olhos cançados.

As agoas que das fontes vaõ manando,Fazem na terra vil vozes terréstes;Porém estas, que vós ides chorandoNo Céo Empyreo saõ vozes celestes:Chovey, olhos, chovey, iraõ brotandoOs bens, que cõ a secura aqui perdestes;Os quaes se desejais ver restaurados,Choray, sem descançar, olhos cançados.

Com muitas agoas cá vay-se apurandoQualquer pequeno vaso estando immundo;Mas vós com bem pouca agoa estais lavandoImmunda culpa, mór que o mesmo mũdo:Por isso naõ canceis de estar chorando,De lagrimas fazendo hum mar profundo;E pois por ellas sois galardoados,Choray, sem descançar, olhos cançados.

As agoas cá vaõ só satisfazendoA sede aos animaes, que as vaõ gostando;Mas estas, que de vós estaõ nascendoA vosso Deos a sede estaõ matando:Sempre estejaõ de vós agoas correndo,Pois por ellas o bem vem navegando;Do qual se quereis ser certificados,Choray, sem descançar, olhos cançados.

Ninguem se afogarà se naõ lançadoEm agoas que o possaõ estar molhando,Mas vòs sem que molheis vosso peccado,O afogais nesta agoa que ies chorando:E pois tendes o mal jà desterrado,E os bens por vossas agoas vaõ entrandoAtè que os possais ver desembarcados,Choray, sem descançar, olhos cançados.

Choray os annos uteis que gastastes,Choray o rico tempo que perdestes,Choray os bens divinos que deixastes,Choray males crueis que cometestes:Choray enganos vãos que tanto amastes,Choray conselhos bons que aborrecestes,Choray olhos no bem jà melhorados,Choray, sem descançar, olhos cançados.


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