OITAVAS

OITAVAS

Sobre assistir na Corte, para onde veyo solicitar o haverem a liberdade de seu marido.

He muito natural de quem carece,Do bem q̃ desprezou, ou q̃ despreza,Louvalo a quem o tem, porque conhece,Que louvado se ama, estima, e preza:E como bens mais altos appetece,Toma de mòr estado, mòr empreza,O bem que desprezou esse festeja,E o bem que naõ alcança, esse deseja.

Na corte em que morais louvais a fonte,O monte, a solidaõ, bosque cerrado,Da qual muito dizeis do prado, e monte,Mas muyto mais se vè no monte, e prado;Por mais que ninguem diga, e mais que cõteNaõ fica ditto nada, nem contado,Porque he o que se diz morta pintura,E o que se vè real viva figura.

Eu cà no monte moro, e naõ com elle,Vòs na corte morais, mas he com ella,Quem logra o monte logra o doce delle,Quem sofre a corte sofre o agro della:Diga a corte do monte o bem que ha nelle,Diga o monte da corte o mal que ha nella,Porque he regra direita de amizade,Que pague huma verdade outra verdade.

Ahi por dar calor a huma esperança,Que com dadivas grandes só aquenta,Se perde o que se tem, e naõ se alcança,Se naõ o que molesta, e que atormenta;Ahi se peza tudo em tal balança,Que na maõ desigual só se sustenta,E com taõ maõ fiel que o mais pezado,Contra direito tràs mais levantado.

De palavras se faz rica almoeda,Que deixaõ pobres sempre os compradores,Onde comprais cõ tempo, e cõ a moeda,As esperanças vãs aos vendedores;Gastais a vida, o pam, o pano, e a seda,Desejos só vos daõ como penhores,Que cada qual por grande preço empenha,A quem, ou gasta o tempo, ou desempenha.

Ahi onde repousa a esperança,A sombra da infamia, e da deshonra,Onde a vosso pezar anda a privançaTaõ alta que os pès tras sobre a honra:Ahi onde se tira o ferro à lança,Que seu dono levanta, louva, e honra,Onde os merecimentos se escurecem,Com fantasticos lumes, que apparecem.

O fim da pertençaõ he duvidoso,E o trabalho della sempre he certo,Mas se o mal vos afasta, que he penoso,O apparente bem chegarvos perto;O dezejo do fim traz-vos mimoso,Molesta-vos porèm o vello incerto,E se sabe a proveito o falso engano,Depois de experimentado sabe a damno.

Ahi onde se vem com liberdadeAndar todos os doudos desatados,Aquem, ou a sciencia, ou dignidade,Por mal de quem os vè tras embuçados,Detras da vã mentira anda a verdade,Para poder falar com os mais privados,Ahi vos he pezado, mas forçoso,Rogar, fingir, temer, e estar queixoso.

Rogar a peito duro, e empedernido,Que só com metais ricos se quebranta,Em que lançais algum, mas taõ perdido,Que nem pode ser situ, nem ser manta,Rogar por termo humilde, mas fingido,Que vos abate avòs, outrem levanta,Rogo que faz Senhor, ao que he ouvinte,E ao que roga faz pobre pedinte.

Fingir, andando sempre atormentado,Para o alheyo bem grande alvoroço,Fingir que desejais de ser creadoDe quem pudera ser creado vosso:Fingir alegre rostro, a rostro irado,Que vos desejais ver sem seu pescoço,Fingir palavras vãs tintas com cores,Que sendo ellas de fel, pareçaõ amores.

Temer que seja falsa a esperança;Que tanto tarda, cansa, e tanto custa,Temer que os bens, que a fama vos alcansa,Vos negue a Corte ingrata, dura injusta,Temer que este temor que tanto cança,Seja da esperança a paga justa,Que sejaõ os cortesaõs prometimentosSem nenhuma largura comprimentos.

Estar queixoso de ver quanto alcançaraõ,Os que parios em paz nunca correraõ,Queixoso de ver bens que transbordaraõ,Fóra dos que estes bens naõ mereceraõ,Queixoso de ver que inda naõ pagaraõ,Serviços que fiados se fizeraõQueixoso porque o mào sem seu trabalho,Faz bigorna do bom, faz de si malho.

A terra em que repouso, em que descanso,Na qual livres cuidados apascentoCento me dà por hum, que nella lanço,A corte davos hum, lançais-lhe cento,Compra-se cà com gosto o que he descanso;Comprais lá cõ desgosto o que he tormento,O bem que tem o monte nunca o nega,O mal que tem a corte, sempre chega.

Depois que o mundo vão experimẽtastes,Depois de ser por sorte despachado,Me diz que vos deraõ, e o que gastastes,E achais que o que trazeis que foy comprado,Sabeis quã caro em fim tudo comprastesNa corte, que vos tem desenganado,Na qual quando as merces saõ muito largas,Despachaõ só com cargos, que saõ cargas.


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